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Justiça suspende decisão que desobrigava apresentação de jovem infrator em delegacia
A Câmara Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo - TJSP suspendeu uma decisão de primeiro grau que permitia, em razão da pandemia da Covid-19, que a Polícia Militar encaminhasse diretamente ao e-mail institucional do juízo os boletins de ocorrência contra menores de idade. Conforme a decisão, a PM não precisaria encaminhar os adolescentes a uma delegacia de polícia.
De acordo com a decisão, o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, em seus artigos 172 e seguintes, ao determinar o encaminhamento do infrator a uma autoridade policial, refere-se ao delegado de polícia, a quem incumbe colher elementos informativos acerca da autoria e da materialidade de infrações penais, às quais se equiparam os atos infracionais.
No caso, o Ministério Público recorreu ao TJSP alegando que, ao autorizar que a PM elaborasse boletim de ocorrência com envio direto ao juízo, a decisão violou as atribuições da Polícia Civil, responsável por avaliar juridicamente a gravidade do fato, analisando se o menor infrator será liberado aos responsáveis ou se permanecerá apreendido até deliberação judicial.
Ao conceder o efeito suspensivo, o TJSP destacou que, conforme os termos do artigo 144 § 4º e § 5º da Constituição Federal, cabe à Polícia Civil exercer “as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares”, enquanto a Polícia Militar foi incumbida do policiamento ostensivo e da preservação da ordem pública.
O tribunal ainda afirmou que a decisão de primeira instância viola o artigo 172 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que não pode ter interpretação extensiva, tendo em vista, inclusive, "a clareza com que dispõe das providências que devem ser tomadas pela autoridade policial ao receber o adolescente apreendido em flagrante".
Direitos estabelecidos pelo ECA
Presidente da Comissão da Infância e da Juventude do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a advogada Melissa Barufi aponta que, apesar da necessária sensibilidade ao período de pandemia, é preciso defender que as leis de proteção sejam cumpridas.
“Temos que preservar esses direitos sempre, uma vez que essa parcela da população é detentora da proteção integral. No caso do ECA, sempre que houver um ato infracional cometido por maior de 12 anos, este será encaminhado à autoridade policial, no caso, à delegacia de polícia”, explica.
De acordo com a especialista, é preciso destacar, nesses casos, a divisão etária entre crianças, que são as menores de 12 anos, e os adolescentes, entre 12 e 17 anos de idade. Feito isso, no artigo 101 do Estatuto da Criança e do Adolescente, estão listadas as medidas cabíveis à criança infratora.
Entre as medidas previstas estão: I – encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; II – orientação, apoio e acompanhamento temporários; III – matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; IV – inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente; V – requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; VI – inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; VII – abrigo em entidade; VIII – colocação em família substituta. Essas medidas também podem ser aplicadas quando elas forem vítimas de abuso ou omissão seja dos responsáveis ou do Estado.
Para os adolescentes, ou seja, menores de dezoito anos, são aplicadas as medidas do artigo 112 do ECA que incidirem na prática de atos infracionais: I - advertência; II - obrigação de reparar o dano; III - prestação de serviços à comunidade; IV - liberdade assistida; V - inserção em regime de semi-liberdade; VI - internação em estabelecimento educacional;
VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.
“Vige o respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, que assegura a integridade física e mental dos menores, que está intimamente ligado com o princípio da dignidade da pessoa humana, preceitos fundamentais garantidos pela CF”, lembra Melissa.
Problemas nas detenções
A advogada ressalta que o sistema carcerário não cumpre satisfatoriamente o objetivo previsto. “Apesar de contarmos com legislação avançada, o enfrentamento à delinquência infanto juvenil no Brasil ainda não vem produzindo os resultados esperados, posto que as medidas socioeducativas, em razão da insuficiência de meios e recursos, associados ao grande problema social existente nas parcelas menos favorecidas da população, não atingiram os objetivos no que concerne à educação ou regeneração do menor infrator. Ou seja, não cumprem seu papel ressocializantes”, afirma.
Por isso, ela critica discursos usados como que a redução da maioridade penal trará mais soluções. Afinal, na sua opinião, o problema está longe de ser resolvido dessa forma. “Encarceramento não diminui a violência, mas tende a aumentá-la. Segundo o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo - SINASE, os crimes graves são a minoria. Assim, pensar na redução colocaria milhares de jovens não violentos dentro de presídios. É necessário um maior comprometimento por parte da efetivação de políticas públicas, principalmente nas preventivas, de assistência social e inclusão de emprego e renda”, finaliza Melissa.
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