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Comissão do IBDFAM pede atenção de ministros à situação das pessoas com deficiência em meio à pandemia
A pandemia do coronavírus trouxe inúmeras complicações à vida das pessoas com deficiência. As restrições que já são impostas, habitualmente, a essa população tão numerosa e plural impossibilitam o seguimento das recomendações da Organização Mundial de Saúde – OMS para evitar contaminação pela COVID-19. Assim, um contexto de vulnerabilidade se agrava no atual momento.
A advogada Cláudia Grabois, presidente da Comissão da Pessoa com Deficiência do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, solicitou a ministérios e secretarias do Governo Federal, além de entidades da sociedade civil, atenção a essa população estimada em 45 milhões de pessoas, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, de 2010.
Entre outras recomendações, o documento pede que a pessoa com deficiência tenha assegurada a prioridade no tratamento, sempre que possível, considerando a pandemia e em conformidade com o ordenamento jurídico. Confira a íntegra do ofício enviado ao Ministro da Saúde, Nelson Teich.
O texto tem como base o Decreto Executivo 6949/09, considerado como o tratado de direitos humanos das pessoas com deficiência, em conjunto com a Constituição Federal de 88 e a Lei 13.146/15, de inclusão da pessoa com deficiência.
Acessibilidade e cidadania
Os referidos dispositivos legais, segundo Cláudia Grabois, asseguram todas as formas de acessibilidade e o exercício da cidadania em igualdade de condições. “Uma população que goza de prioridade no atendimento não pode ser deixada para trás neste momento de pandemia”, defende a advogada.
“O isolamento social e a invisibilidade, para grande parte das pessoas com deficiência precede a pandemia”, acrescenta Cláudia. Segundo ela, parte dessa população vive sem acesso a direitos humanos essenciais, como saneamento básico e segurança alimentar, o que acentua a necessidade de atenção às suas realidades.
“Também é necessário que o poder público previna a violência doméstica contra os hipervulneráveis, com a criação de mecanismos de denúncias para todos, com desenho universal e sem prejuízo da acessibilidade. É necessário que os Centros de Referência de Assistência Social – CRAS estejam ativos e que profissionais tenham matérias de proteção adequada, podendo oferecer serviços em segurança”, aponta.
Grupo de risco
Em abril, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos – MMFDH lançou uma cartilha com cuidados que devem ser tomados pelas pessoas com deficiência durante a pandemia. Textos e vídeos em libras trazem informações sobre prevenção e meios de contaminação, destacando a atuação de cuidadores, atendentes pessoais e equipes de home care.
De acordo com a cartilha, a deficiência não é fator de vulnerabilidade maior ao coronavírus, mas assim poderá ser considerado caso se associe à dificuldade nos cuidados pessoais, restrições respiratórias, doenças associadas, ou idade superior a 60 anos. Contudo, já existe uma defesa, por profissionais da área de saúde, para que pessoas com deficiência sejam consideradas grupo de risco.
“A cartilha elaborada pelo Governo Federal não coloca as pessoas com deficiência em prioridade para atendimento. Caberia aos hospitais inseri-las ou não em grupo de risco”, atenta Cláudia Grabois. Ela aponta que recomendações da OMS para contenção da COVID-19 podem implicar em problemas práticos a essa parcela tão expressiva da população.
Problemas práticos
“Os cuidados de saúde em casa, recomendados pelo Governo Federal, trazem adequações para pessoas com deficiência, mas nem todos podem seguir. A situação fática nem sempre permite e, por muitas vezes, contraria e se opõe ao próprio direito”, avalia a advogada. É o caso do uso de máscaras, que se torna um desafio para pessoas com Transtorno de Espectro Autista – TEA. Pessoas com deficiência auditiva também enfrentam dificuldade, uma vez que a proteção impede a leitura labial.
Outro problema vivenciado por parte dessa população é a necessidade de acompanhantes ou cuidadores em meio às medidas de distanciamento social. “Neste momento, mesmo aqueles para os quais cuidadores são imprescindíveis ficaram às voltas em busca de uma solução. Uma delas foi o ajuste para que o cuidador permanecesse na residência, mas, por óbvio, nem todos conseguiram”.
A recomendação de permanecer em casa é insustentável para quem necessita de cuidado médico constante. “Agora, as pessoas com deficiência também se deparam com a falta de serviços de fisioterapia, entre outros, principalmente as que dependem de serviços públicos”, acrescenta Cláudia.
Maiores restrições implicam na hipervulnerabilidade
O promotor de Justiça e professor Fernando Gaburri, membro da Comissão da Pessoa com Deficiência do IBDFAM, aponta que essa parcela da população está mais propensa a contrair coronavírus. “Há deficiências que contribuem para o enfraquecimento do sistema imunológico, o que agrava a situação de vulnerabilidade”, diz.
“Algumas recomendações básicas da OMS, como lavar as mãos, cobrir a boca e o nariz ao tossir e espirrar, manter distância de outra pessoa, evitar tocar nas mucosas dos olhos, nariz e boca e ficar em casa, não são tão factíveis para algumas pessoas com deficiência que necessitam de terceiros para o auxílio na realização dessas atividades”, acrescenta Gaburri.
Ele aponta ainda que a principal forma de contato com o mundo exterior da pessoa com deficiência visual é por meio do tato. “Quando essa utilização ocorre em local onde não há como se higienizar as mãos, aumenta-se o risco de contaminação”, observa.
Além disso, atravessar ruas requer o auxílio de terceiros. “Na atual situação, é provável que haja pessoas que se recusem a prestar esse auxílio, com receio de contaminação. Logo, a pessoa com deficiência visual poderá ver-se na situação de arriscar a vida para se locomover”, atenta Fernando.
Algo semelhante ocorre com a pessoa com mobilidade reduzida, como o cadeirante, que manipular sua tecnologia assistiva (cadeira de rodas) para se locomover, mas, em locais com barreiras arquitetônicas e urbanísticas, também poderá necessitar do auxílio de terceiros para transpor uma calçada, um degrau ou um canteiro.
Acesso aos sistemas de saúde
Em concordância ao documento encaminhado pela Comissão do IBDFAM às autoridades, Fernando Gaburri defende que critérios discriminatórios às pessoas com deficiência não possam ser cogitados nos protocolos adotados pelos sistemas de saúde em meio à calamidade causada pela pandemia. Tais dispositivos oferecerão segurança jurídica aos profissionais de saúde diante da necessidade de fazerem escolhas trágicas – como o salvar uma vida em detrimento de outra.
“Em nenhuma hipótese as pessoas poderão ser julgadas com base na deficiência, na qualidade de vida, na produtividade econômica, para terem acesso ao necessário e adequado tratamento. Os profissionais de saúde deverão prestar informações e esclarecimentos por meio acessível para que a pessoa com deficiência possa compreender e por ele optar”, observa o promotor.
Além disso, a presença de um acompanhante deve ser admitida para aquelas que necessitem de intervenção de terceiros para a comunicação, alimentação e locomoção, com direito à utilização de equipamentos de proteção individual adequados. Também devem ser assegurados tecnologias assistivas que permitam a comunicação da pessoa com deficiência ingressa com aqueles que estão fora do sistema de saúde.
Esforço conjunto, cooperação e união
“A acessibilidade e as medidas de prevenção precisam estar presente em todos os espaços de cuidados e tratamento, conforme os marcos legais que asseguram direitos às pessoas com deficiência; e, considerando a vulnerabilidade, os materiais de proteção individual devem ser assegurados aos profissionais que trabalham em abrigos e lares de acolhimento”, ressalta Cláudia Grabois.
Para esse fim, ela aponta que há necessidade de um aprofundamento na parceria entre os setores de Saúde, Assistência Social e Direitos Humanos. Ainda que tardios, planejamentos de governo devem atentar às dificuldades dessa população e de suas famílias neste período de pandemia.
“Pessoas com deficiência física, mental, intelectual, sensorial, motora e múltipla têm o direito à segurança pessoal, aos tratamentos, a saber e decidir sobre eles e a tomar decisões sobre a própria vida, mesmo em períodos críticos, pois tais direitos não se perderam”, defende a advogada.
No ofício encaminhado ao Ministério da Saúde e a outros órgãos, constam recomendações relacionadas à internação e ao tratamento adequado e específico, além da atenção às garantias constitucionais. Entidades e associações representativas e de defesa de direitos humanos de pessoas com e sem deficiência também receberão o documento.
“A Comissão está à disposição de todas as seccionais do IBDFAM para interagir e construir em conjunto, bem como de governos e de entidades da sociedade civil organizada. Há necessidade de esforço conjunto, cooperação e união”, conclui Cláudia.
Atendimento à imprensa: ascom@ibdfam.org.br