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STF pode decidir sobre doação de sangue por homossexuais nesta sexta-feira (8)
O Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM participa como amicus curiae na Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 5543, julgamento que pode ser concluído nesta sexta-feira (8), pelo Supremo Tribunal Federal – STF. A ação questiona normas que restringem a doação de sangue por homens que tiveram relações sexuais com outros homens e/ou as parceiras destes nos 12 meses antecedentes.
Em 2017, por ocasião do início do julgamento, a advogada Patrícia Gorisch, diretora nacional do IBDFAM, fez a sustentação oral atentando à incompatibilidade das medidas vigentes. Até semana passada, a maioria dos ministros do STF já havia votado contra as normas do Ministério da Saúde e da Anvisa, coadunando-se à defesa apresentada pelo IBDFAM.
Dos votos que já compõem o placar, os ministros Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Rosa Weber e Gilmar Mendes acompanharam o relator Edson Fachin. Já Alexandre de Moraes divergiu, fazendo ressalvas à ação. A previsão é que o julgamento seja concluído nesta semana, com os votos dos demais ministros e a possibilidade de mudança de entendimento entre os que já votaram.
Como os ministros votaram
Ajuizada em 2016 pelo Partido Socialista Brasileiro – PSB, a ADI 5543 questiona o artigo 64, inciso IV, da Portaria 158/2016, do Ministério da Saúde, e o artigo 25, inciso XXX, alínea ‘d’, da Resolução RCD 34/2014, da Anvisa. Os atos normativos estabelecem critérios de seleção para potenciais doadores de sangue, declarando inaptos, entre outros, homens que tiveram relações sexuais com outros homens e/ou as parceiras sexuais destes no prazo de 12 meses antecedentes.
Em outubro de 2017, os ministros Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Rosa Weber já haviam seguido o relator Edson Fachin, defendendo a inconstitucionalidade dos dispositivos. Já Alexandre de Moraes entendeu a ação como parcialmente procedente. Gilmar Mendes, que pediu vista no primeiro julgamento, deu voto favorável na última semana.
Na primeira ocasião, Luís Roberto Barroso considerou os atos normativos desproporcionais ao restringir direitos fundamentais dos homossexuais masculinos, reforçando o preconceito contra essa população. Segundo o ministro, a janela imunológica de 12 meses é excessiva e impede que se desfrute de uma vida sexual plena.
Para Rosa Weber, as normas promovem tratamento discriminatório quando elegem como critério de inaptidão para doação de sangue a orientação sexual do doador, desconsiderando, por exemplo, o uso de preservativo e a existência de parceiros fixos – informações que fariam diferença para avaliar condutas de risco, segundo a ministra.
Luiz Fux também se manifestou pela inconstitucionalidade das normas que, em vez de atentar às condutas de risco, elegem um grupo de risco por conta de sua orientação sexual. No entendimento do ministro, a premissa do legislador foi de que os homossexuais seriam, em maioria, portadores de HIV, na contramão de pesquisas que apontam o aumento de infectados entre homens heterossexuais.
O voto mais recente, de Gilmar Mendes, na semana passada, atentou ao momento de pandemia e à consequente queda das doações nos hemocentros. Ele também defendeu que a medida é discriminatória, já que homens homossexuais podem fazer uso de medidas de proteção, como preservativo e, ainda assim, serão considerados inaptos à doação de sangue pelas normas analisadas.
Já Alexandre de Moraes havia argumentado que a Lei 10.205/2001 e o Decreto 3.990/2001 apontam a necessidade de proteção específica ao doador, ao receptor e aos profissionais envolvidos, enquanto as normas analisadas na ADI estabelecem limitações fixadas a partir de estudos técnicos e científicos, não por orientação sexual. Elas dão conta de que a possibilidade de transmissão do vírus HIV nas relações sexuais entre homens é maior do que nas relações entre homens e mulheres.
Assim, o ministro julgou parcialmente inconstitucional o dispositivo do Ministério da Saúde e votou pela declaração parcial de nulidade, com redução de texto, do inciso em resolução da Anvisa para retirar o prazo de 12 meses de abstinência. Por fim, deu interpretação conforme à Constituição à mesma resolução para que o sangue somente seja utilizado após o teste imunológico adequado.
Julgamento deve representar novo passo na luta da população LGBTI
Presidente da Comissão de Direito Homoafetivo e Gênero e vice-presidente nacional do IBDFAM, a advogada Maria Berenice Dias espera que o STF dê mais um passo significativo na luta pelos direitos da população LGBTI – a exemplo da conquista, há 9 anos, do reconhecimento da união estável homoafetiva nos julgamentos da ADI 4277 e da ADPF 132, também marcados pela presença do IBDFAM.
“Avizinha-se mais uma decisão corajosa do Supremo Tribunal Federal, à trilha do que vem sendo apreciado até agora, a começar pelo ano de 2011, de suprir essa lacuna legislativa com relação a tema permeado de tanto preconceito dos direitos da população LGBTI. Afinal, todo o pressuposto da proibição (julgada pela ADI 5543) é encharcado de preconceito com relação aos homossexuais”, avalia Maria Berenice.
Segundo ela, a retomada do julgamento adquire nova importância por conta da pandemia do coronavírus. “Está havendo um número muito baixo de doações, que é a queixa e o apelo de todos os bancos de sangue pelo Brasil. Segregar, por puro preconceito, esse segmento da população é absolutamente descabido”, avalia.
Restrições não se sustentam
A advogada lembra que o sangue coletado nos hemocentros passa por exames que identificam qualquer impossibilidade de doação. Para Maria Berenice, as normas do Ministério da Saúde e da Anvisa, ao versarem sobre uma maior incidência de doenças sexualmente transmissíveis em razão do sexo anal, também se mostram equivocadas por não darem conta de que tal prática não está restrita aos homens homossexuais.
Ela diz que se a maioria dos ministros do STF seguir com o entendimento pela inconstitucionalidade das restrições vigentes, como é esperado que ocorra, será um marco significativo na busca pelo direito de igualdade à população LGBTI – uma das bandeiras erguidas pelo IBDFAM.
“Está na hora de acabar com todo o ranço preconceituoso nesta sociedade que tem retrocedido cada vez mais. Há, em curso, um retrocesso muito significativo em termos de costumes, o que torna ainda mais importante sinalizar avanços em prol do princípio da igualdade e do respeito à dignidade da pessoa humana”, assinala Maria Berenice.
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