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População LGBTI enfrenta dupla vulnerabilidade diante da pandemia do coronavírus
Populações vulneráveis têm sido acometidas com maior intensidade pelas consequências da pandemia do coronavírus. Entre elas, as pessoas LGBTI enfrentam dupla discriminação, sem políticas públicas que deem conta de suas necessidades habituais, tampouco das implicações decorrentes do atual estado de alerta.
“A população LGBTI está exposta à Covid-19 assim como todos, mas, em sua maior parte, vive em situação de vulnerabilidade extrema em questões sociais, sem acesso à saúde e, portanto, sem qualquer proteção neste momento de pandemia”, aponta a advogada Priscila Moregola, vice-presidente da Comissão de Direito Homoafetivo e Gênero do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM.
Ausência de políticas públicas
O Ministério da Mulher, Família e dos Direitos Humanos – MMFDH lançou, no início de abril, uma cartilha com informações sobre a prevenção contra o coronavírus direcionada às pessoas LGBTI. O informativo inclui recomendações para profissionais do sexo e usuários de drogas. Orientações já haviam sido divulgadas por organizações como a Aliança Nacional LGBTI e a Associação Nacional de Travestis e Transexuais – Antra.
Para Priscila, faltam políticas públicas concretas do Governo Federal para preservar efetivamente essas pessoas que se encontram em situação de extrema vulnerabilidade. “A maioria da população trans e travesti tem como única renda o trabalho feito nas ruas, ficando ainda mais vulnerável ao contato com o coronavírus. Atualmente, muitas estão vivendo nas ruas, sem condições de cumprirem as medidas sanitárias para prevenção do vírus, dependendo exclusivamente da sociedade civil para sobreviver.”
Ela indica iniciativas que seriam bem-vindas no atual contexto. “Para a proteção dessa população, o governo deveria providenciar abrigo, alimentação e medicamentos durante a crise, além de uma remuneração mensal, para atender as necessidades básicas”, sugere a advogada.
Doação de sangue por homossexuais
Em meio à crise nos bancos de sangue, que registraram queda de doações desde o início da pandemia – em razão, entre outros fatores, do medo da população e da recomendação de distanciamento social –, o Ministério da Saúde manteve suas restrições a homens homossexuais. A esses, é vedado o direito a doar sangue sob a alegação de maior incidência de doenças sexualmente transmissíveis.
“É inadmissível que, nos dias de hoje, pessoas homoafetivas sejam impedidas de doar sangue no Brasil. O que se deveria verificar (no momento da triagem) é se a pessoa tem ou não comportamento de risco, não importando a orientação sexual do indivíduo”, defende Priscila.
Além disso, segundo a advogada, a preocupação do Ministério da Saúde deveria girar em torno da devida testagem do material doado nos hemocentros. “Atualmente, os bancos de sangue estão vazios e ainda temos essa restrição que entendo ser totalmente inconstitucional”, critica a advogada.
Julgamento aguarda votação no STF
A discussão chegou ao Supremo Tribunal Federal – STF em 2016, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 5543, ajuizada pelo Partido Socialista Brasileiro – PSB, que questionou normas do Ministério da Saúde e da Anvisa sobre o tema. Os órgãos declaram inaptos para a doação de sangue “homens que tiveram relações sexuais com outros homens e/ou as parceiras sexuais destes” nos 12 meses antecedentes.
Em outubro de 2017, os ministros Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Rosa Weber seguiram o relator Edson Fachin, defendendo a inconstitucionalidade dos dispositivos. Já Alexandre de Moraes entendeu a ação como parcialmente procedente. O julgamento foi suspenso após pedido de vista de Gilmar Mendes. A ADI 5543 voltou à pauta em março de 2020, mas acabou adiada. Há uma expectativa de que a discussão no STF seja retomada em maio.
Em sua atuação como amicus curiae, o IBDFAM defendeu a inconstitucionalidade dos dispositivos. A advogada Patrícia Gorisch, diretora nacional do Instituto, observa que as normas vigentes, em vez de atentar às condutas de cada um, elegem um grupo de risco por conta de sua orientação sexual.
“Essas medidas são inconstitucionais porque são discriminatórias; não colocam critérios médicos ou científicos. O critério é eminentemente discriminatório, dá uma ideia de que somente homossexuais estão no grupo de risco, o que é uma mentira. O grupo de risco é o comportamento inadequado, não ser homossexual”, difere Patrícia.
Pandemia intensifica a necessidade da discussão
O momento de pandemia, segundo Patrícia, intensifica a necessidade de superação desse paradigma. “Vimos, por exemplo, o caso da telemedicina, que foi proibida recentemente pelo Conselho Federal de Medicina e, por conta da pandemia, teve essa regra modificada com urgência, justamente porque verificou-se que a resistência ligada à telemedicina não caberia mais na atual sociedade”, compara.
Ela acredita que o avanço da doença em todo o mundo poderá modificar a leitura que se tem sobre o direito universal à saúde. “Estamos aprendendo da pior forma que o país que deixa de fornecer ou atender adequadamente a saúde acaba sofrendo as consequências – não só o país como o mundo inteiro. Apesar de termos fronteiras, as pessoas viajam e o vírus é carregado por elas.”
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