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Alienação parental ganha novos contornos em meio à pandemia do coronavírus
Atualizado em 23/04/2020.
Neste sábado, 25 de abril, celebra-se o Dia Internacional Contra a Alienação Parental. Por meio da Lei de Alienação Parental (12.318/2010), que completa 10 anos em agosto, o Brasil se destaca no contexto mundial de enfrentamento deste problema, que ganhou novos contornos diante da pandemia do coronavírus e das consequentes implicações do isolamento social na vida das famílias.
Para a advogada Renata Cysne, diretora nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, as mudanças impostas pela COVID-19 geram novos paradigmas nas relações familiares. Para ela, a pandemia abre espaço para as reflexões plurais no Direito das Famílias, o que, consequentemente, abrange a alienação parental.
“A tecnologia, que hoje se apresenta como uma ferramenta possível e necessária para aproximação familiar, e a forma como vem sendo utilizada durante o período de afastamento social, tende a revolucionar as interações de famílias binucleares. Muitos têm organizado a convivência familiar a partir de novos formatos, que diminuem a circulação das crianças e dos adolescentes e viabilizam o exercício mais equilibrado das responsabilidades parentais”, acrescenta.
Ela não descarta que o atual cenário possa acentuar conflitos. “Em alguns casos é possível perceber o agravamento da dinâmica da alienação parental, visto que há um argumento considerado relevante (a quarentena) para reduzir a convivência familiar, e temos visto decisões que suspendem o exercício da convivência física durante o período de afastamento social.”
“É importante que a rede de proteção das crianças e dos adolescentes se mantenha atenta para situações em que os filhos estejam expostos a violência psicológica por meio da alienação parental”, destaca Renata. Ela tem representado o IBDFAM em diversos debates e audiências públicas contra a revogação e a favor da manutenção da lei.
Brasil está na vanguarda
Autora de uma pesquisa comparativa sobre alienação parental em diversos países, a advogada Sandra Vilela, também membro do IBDFAM, afirma que o Brasil passou a ser um país de vanguarda na prevenção ao problema desde a aprovação da Lei 12.318/2010. Trata-se do único país com legislação específica a respeito.
“Criamos um conceito jurídico de alienação parental ao formular uma lei que visa coibir atos que tenham o potencial de fazer com que o filho se afaste de qualquer um dos seus genitores”, observa Sandra. Ela afirma que, para além de casos concretos de alienação parental (enquanto conceito da área de saúde mental), a referida lei pode e deve ser utilizada em situações de ameaça ao direito da criança em ter convivência com seus genitores.
“As legislações estrangeiras não precisam de uma lei específica para conter a alienação parental, uma vez que a grande maioria delas repudiam veementemente todo e qualquer ato que possa significar que o filho será afastado dos seus genitores, pouco importando se aquilo é ou não alienação parental”, avalia Sandra. Antes da Lei de Alienação Parental, tal princípio não era resguardado na legislação brasileira.
“A inexistência de lei específica nas legislações estrangeiras não significa que o conceito não seja utilizado em larga escala nas decisões judiciais. Nos EUA, no Canadá e na Europa, o conceito é amplamente utilizado nos julgados e já existe até mesmo uma tendência de ser criado um conceito jurídico de alienação parental, a fim de facilitar a sua caracterização e afastar até mesmo a necessidade de realização de perícias psicológicas”.
Ela informa que, nos EUA, também houve um movimento de repúdio à utilização do conceito de alienação parental, na década de 1990. “Os argumentos utilizados são os mesmos daqueles que repudiam a lei no Brasil. Nos EUA, esse movimento caiu em descrédito, o que deve acontecer também por aqui, por se tratarem de argumentos frágeis.” O país norte-americano também tem regra específica repudiando a falsa acusação de abuso sexual, relacionada ou não à alienação parental.
No México, de acordo com Sandra, uma legislação sobre o tema acabou revogada, pois continha um único artigo, determinado a imediata inversão da guarda em caso de alienação. Atualmente, está em trâmite um novo projeto de lei, desta vez muito parecido com a legislação brasileira, que pode ser aprovado em breve.
Pandemia muda a discussão
A pesquisadora e especialista no assunto acredita que, no Brasil, a Covid-19 pode ser uma porta para trazer seriedade necessária a essa discussão. “O tema está, na minha opinião, sendo banalizado por muitas pessoas que acreditam poder utilizar o conceito para um simples e isolado ato, o que eu não concordo. Um ato isolado não deve ser elevado ao patamar de alienação parental muito menos ser motivo de se buscar o Poder Judiciário”, afirma Sandra.
“O que eu tenho visto nos demais países, agora no período de pandemia, é uma flexibilização da regra do contato físico no período de quarentena e isolamento social, o que deve ocorrer aqui também, não por regra legal expressa, mas pela conscientização dos genitores.”
Ela conta que, em Portugal, já há regra expressa que permite o deslocamento das pessoas para a convivência com os filhos no período da quarentena. Até mesmo na Itália, com o horror vivido por lá, pais tem garantido o direito de deslocamento em nome da convivência. Cabe neste momento, segundo Sandra, bom senso. Mesmo associações que lutam pela igualdade parental têm pedido para que os pais repensem o contato físico.
“Estamos vivendo uma situação inimaginável e não vai ser possível, em todos os casos e em todas as fases desta pandemia, manter o contato físico dos filhos com os dois genitores e não podemos classificar isso como alienação parental”, atenta. “Precisamos distinguir aquele genitor com receio genuíno da continuidade do contato do filho com o outro genitor daquele que está se aproveitando da situação para afastar a convivência necessária. Essa não será uma tarefa simples para todos os profissionais que atuam na área.”
Convivência virtual
Diretora das Relações Interdisciplinares do IBDFAM, a psicanalista Giselle Groeninga afirma que, em situações de crise e medo, conflitos nas relações familiares tendem a se acentuar. “Como a alienação parental tem também características inconscientes, que afloram ainda mais nesta situação, o alienador pode acreditar que com seu comportamento esteja protegendo a prole”, atenta.
“A dificuldade é a de identificar qual a real necessidade de proteção dos filhos, inclusive porque os dados de que dispomos (sobre a pandemia) e mesmo as recomendações não são claras. No entanto, o convívio deve absolutamente ser mantido, se não for possível presencial, devem ser utilizadas as ferramentas de comunicação disponíveis, se possível telepresenciais.”
Ela entende que o contato virtual, por telefone ou chamadas de vídeo, necessita do auxílio de quem está fisicamente com os filhos, o que pode ser problema nos casos de alienação parental. Há um agravante, ainda, na ameaça de doença e morte que fica no ar, trazendo enorme angústia a todos, especialmente aos pequenos. Neste momento, a necessidade de ver os pais é ampliada.
“É importante que se mantenham, na medida do possível, os horários de convivência, nem que seja para quem está longe acompanhar os filhos, suas atividades, pela via telepresencial”, defende.
Mudança de regime de guarda é indevida
Entre projetos de lei para regular essa situação em tempo de pandemia, há a sugestão de mudança de regime de guarda, o que, segundo Giselle, pode representar uma interferência indevida do Estado nas famílias. “O que se faz necessário é um alerta – valor educativo da lei –, mas não a mudança de regime e sim da forma de convivência.”
“Assim, por exemplo, a alternância de residências, quando for o caso, não implica em guarda alternada, mas apenas e tão somente na forma de convivência. Sendo que o princípio da responsabilidade conjunta, que diz o mesmo que o poder familiar, deve ser mantido”, difere a psicanalista. Ela acrescenta que a mediação, inclusive telepresencial, é uma ferramenta prevista em lei ideal para impasses do tipo.
Na realidade concreta, Giselle nota que há muitos pais revendo prioridades, inclusive emocionais, quanto ao valor conferido aos litígios, competições e impasses. “Tem emergido uma dinâmica colaborativa – que deve marcar as relações familiares funcionais – como forma de compartilhar os cuidados e necessidades diferentes da rotina anterior.”
Ela percebe ainda que a pandemia confere atenção à realidade de tantas famílias brasileiras marcadas por discrepâncias entre mães e pais. “Em um país em que mais de 1/3 dos lares contam só com as mães, onde a guarda compartilhada de fato e de direito ainda é realidade minoritária, se impõe uma nova consciência: a consciência da necessidade do concurso dos pais e da impossibilidade de um, em geral a mãe, em exercer o papel de dois, inclusive como ocorre na alienação parental.”
“Tal cenário de crise e vulnerabilidade pode contribuir para iluminar questões que já ocorriam, mas estavam um tanto latentes, e que precisam ser endereçadas. Mas ressalto: a partir de uma dinâmica mediadora, e não de oposição e competição. A experiência da cooperação pode trazer bons frutos”, vislumbra Giselle.
Projetos propõem alterações na Lei de Alienação Parental
A Lei 12.318/2010 considera “ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente – promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou o adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância – para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este”.
Propostas de modificação ou revogação da norma começaram a ser discutidas em 2017, em Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI sobre maus-tratos a crianças e adolescentes. Contrários à lei defendem que ela beneficia pais abusadores, já que as denúncias do abuso, se parecerem infundadas, podem levar ao entendimento de uma tentativa de alienação.
Diante da mobilização dos parlamentares para votação de medidas de urgência em decorrência da Covid-19, a tramitação de propostas que não se relacionem diretamente com a pandemia deverá ser mais lenta. Confira, a seguir, como andam os projetos de lei relacionados à alienação parental:
O PLS 498/18 aguarda emissão de relatório a ser apreciado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal. Em fevereiro, a Comissão de Direitos Humanos aprovou um substitutivo da senadora Leila Barros (PSB-DF), que propôs alterações para reparar problemas da Lei de Alienação Parental, afastando a possibilidade de sua revogação.
O PL 5.030/19, de autoria da senadora Leila, foi distribuído ao senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) para emitir relatório, a ser analisado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania – CCJ. Somente após ser votado na referida Comissão, será submetido ao Plenário do Senado Federal. A proposta agrava a pena para crimes sexuais cometidos contra menores de 14 anos sob guarda ou tutela do abusador.
Podcast do IBDFAM aborda alienação parental
A Comissão Nacional de Direito de Família e Arte do IBDFAM lançou, na semana passada, o seu programa de podcast mensal Direito & Arte. O episódio de estreia, já disponível no perfil do IBDFAM no Spotify, trata da alienação parental, com apresentação da advogada e presidente da Comissão, Fernanda Barretto. O tema foi escolhido considerando o mês de conscientização para a importância do combate a essa prática, tão nociva a crianças e adolescentes.
“Os documentários têm sido usados como veículo para debate de alienação parental”, afirma Fernanda Barretto, no podcast. Aos espectadores, ela indica três títulos sobre o assunto: os brasileiros “A Morte Inventada” (2009), de Alan Minas, e “Tranças” (2019), de Lívia Sampaio; e o argentino “Borrando a Papá” (2014), de Ginger Gentile e Sandra Fernández Ferreira.
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