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STJ determina que bebê deixe abrigo e volte a conviver com família afetiva
A 3ª turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em decisão unânime, concedeu habeas corpus para que um bebê seja devolvido à família na qual conviveu desde os seus primeiros dias de vida até ser levado para um abrigo. Por considerar desrespeito ao Cadastro Nacional de Adoção (CNA), uma ordem judicial determinou a internação da criança.
No caso, a criança foi entregue pela mãe biológica a um casal poucos dias após o nascimento. O bebê permaneceu com os pais afetivos até os dez meses de idade, quando houve a decisão de transferi-lo para um abrigo, em razão da burla ao CNA. A sentença foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Ceará.
Para o STJ, houve a constatação de inversão da ordem legal imposta pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em que a opção de institucionalização deve ser a última, e não a primeira.
De acordo com o relator, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, o acolhimento institucional da criança viola o artigo 34, parágrafo 1º, do ECA, o qual prescreve que o acolhimento familiar terá preferência sobre o institucional, observado, em qualquer caso, o caráter temporário e excepcional da medida.
Além disso, segundo ele, não constam dos autos fatores que indiquem que o convívio fosse prejudicial ao menor. Desta maneira, em sintonia com o ECA, o colegiado determinou que a criança seja reconduzida ao casal com o qual se encontrava, a título de guarda, até o trânsito em julgado do agravo de instrumento que deu origem ao habeas corpus.
“Essa controvérsia já foi enfrentada por esta Corte Superior, tendo-se firmado entendimento pela primazia do acolhimento familiar em face do acolhimento institucional, em atenção ao melhor interesse da criança, salvante hipóteses excepcionais em que a família substituta não se apresente como ambiente adequado para o convívio do menor”, afirmou o ministro.
Vínculos afetivos
Para Fernando Moreira, juiz de direito do Mato Grosso do Sul e vice-presidente da Comissão de Adoção do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a decisão do STJ foi acertada.
“Claro que não se pode burlar a fila do Cadastro Nacional de Adoção, já que há inúmeros pretendentes que seguiram os passos legais e esperam ansiosos pela chegada do filho. A conduta ilegal da mãe biológica e dos genitores adotivos necessita ser punida pelo ordenamento jurídico, quer na forma de dano moral coletivo, quer pelo crime de registrar como seu o filho de outrem, se for o caso. O que não se pode, a meu juízo, é punir a criança, retirando-a, coercitivamente, do lar onde se encontra e a levando para um acolhimento. Penso que tal atitude constitui uma revitimização para o infante, que já se encontra adaptado e acolhido em uma nova família”, afirma.
Para ele, a retirada abrupta da criança de um lar é uma das mais violentas formas de agressão que o Estado pode praticar. “Por todos os ângulos que vejo, a maior prejudicada sempre será a criança, o que não podemos admitir. Caberia à rede de proteção e à sociedade terem percebido tal ilegalidade, no início, de modo que o Poder Judiciário pudesse ter agido e acolhido a criança. Como não o fez, após a consolidação de vínculos afetivos, entendo como desastrosa qualquer investida estatal”, destaca.
Hipóteses do ECA
O juiz de direito ressalta que o ECA traz expressamente as hipóteses legais em que se admite a não observância ao Cadastro Nacional de Adoção, previstas em seu artigo 50, § 13, quais sejam: I) os casos de adoção unilateral, em que o cônjuge ou companheiro se interessa especificamente pelo filho do outro com quem convive; II) parentes com os quais o infante possua vínculo de afinidade e afetividade; III) nos casos em que haja guarda legal de crianças com mais de 03 anos de idade ou adolescentes, demonstrada a existência de vínculo de afinidade e afetividade, bem como a boa-fé do interessado.
“Contudo, a jurisprudência tem afirmado que esse rol não é numerus clausus, admitindo-se exceções, como a referida decisão do STJ”, diz.
Para ele, tais situações excepcionais se justificam em razão da própria principiologia do ECA, que impõe ao magistrado, no momento de decidir o caso concreto, analisar, além da dignidade da pessoa humana (art. 15) e da preferência pelo acolhimento familiar a seu acolhimento institucional (art. 34, §1º), os princípios previstos no artigo 100 do Estatuto: proteção integral e prioritária; interesse superior da criança e do adolescente; intervenção precoce; intervenção mínima; proporcionalidade e atualidade das medidas de proteção tomadas.
“Desse modo, à luz dos princípios do Estatuto da Criança e do Adolescente, não vejo como tomar uma decisão diversa daquela proferida pelo Superior Tribunal de Justiça” finaliza.
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