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Decisão do TJSC reconhece a multiparentalidade
A 4ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) determinou que uma criança terá em seu registro os nomes da mãe, do pai socioafetivo e do pai biológico. A decisão foi tomada com base em um julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), que em um recurso extraordinário fixou tese com repercussão geral de que "a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios".
No caso, durante as viagens do marido a trabalho, a mulher teve outra relação amorosa e, posteriormente, ficou grávida. Com o fim do relacionamento extraconjugal, ela mandou e-mails para o ex-parceiro comunicando que ele seria o pai da criança. Ela reatou com o marido e, apesar da desconfiança de ambos, o homem decidiu registrar a criança em seu nome e a criou como se sua fosse.
Na decisão de 1º grau, o magistrado reconheceu o autor da ação como pai biológico, mas manteve inalterada a certidão de nascimento da menina. O pai biológico então interpôs recurso em que solicitou a inclusão de seu nome no registro e a retirada do nome do pai socioafetivo. A mulher e o seu esposo, por sua vez, recorreram com pedido de anulação da sentença, alegando que a criança já tem um pai que lhe garante todos os direitos previstos em lei.
A mãe também se negou a submeter a filha a um exame de DNA. Com as provas apresentadas pelo suposto pai biológico, o TJSC deferiu pela presunção da paternidade, como prevê a Súmula 301 do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
"Reforça-se que, em seus depoimentos, tanto a mãe quanto o pai registral não negaram a possibilidade de o autor ser o pai biológico da criança. Questionada sobre esta possibilidade, a ré (mãe) afirmou que 'achava' que não seria possível, porque mesmo tendo se relacionado com os dois ao mesmo tempo, as datas não coincidiam; já o réu (pai socioafetivo) ressaltou não ter certeza da paternidade biológica, disse que existia sim a possibilidade de ser o autor o pai da infante, já que se relacionaram na mesma época em que a ré engravidou. Confirmou, ainda, haver certa semelhança física entre a menor e o autor", declarou em seu voto o desembargador Joel Dias Figueira Júnior, relator do caso.
Especialista destaca a decisão
Para Márcia Fidelis, oficial de Registro Civil e membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), a decisão foi acertada. De acordo com ela, para que houvesse exclusão da paternidade registral e para que fosse negada a inclusão da paternidade presumidamente biológica, a análise de cada informação fornecida na notícia teria que explicitar, respectivamente, dois detalhes.
“O primeiro é a dúvida do marido (pai registral) quanto a paternidade biológica desde que foi lavrado o registro. A mãe teria que omitir do marido a possibilidade, nem que fosse remota, dele não ser o pai biológico da criança. E esse pai, ao declarar-se pai biológico, que ao que tudo indica foi o procedimento administrativo seguido, não poderia ter nenhuma dúvida quanto ao parentesco consanguíneo entre a filha e ele. Neste caso, o pai registral poderia alegar que fora enganado e que tem interesse em ver seu nome excluído do registro de nascimento da menina. E mesmo ocorrendo tudo isso, esse tem que ser o melhor interesse da criança, conforme legislação civil brasileira”, afirma.
Já o segundo, de acordo com a oficial de Registro Civil, seriam provas suficientes de que o presumido pai biológico recebeu e-mails da mãe informando da gravidez, sem deixar que transparecesse nenhuma dúvida quanto a paternidade, e, ainda, se esse pai, sabendo da existência de um filho, não buscasse meios de reconhecê-lo e garantir-lhe os direitos provenientes da filiação.
“Comprovado o vínculo biológico, ou presumido como foi o caso, para que essa consanguinidade gere efeitos de filiação, obrigatoriamente deverá ser formalizada no registro de nascimento do filho. E essa formalização, por corolário, é condição para o exercício do poder familiar”, destaca.
Aceitação dos casos de multiparentalidade
Questionada se os casos de multiparentalidade estão ficando mais comuns, Márcia Fidelis diz que, na verdade, está sendo formalizada a vida real. Eles sempre foram corriqueiros, mas agora estão sendo mais frequente as formalizações.
“Antes era obrigatório o procedimento judicial para que fosse caracterizada e expressada no registro. Contudo, o STF declarou a socioafetividade como origem de vínculo de parentesco, sem nenhuma hierarquia entre a filiação originada na socioafetividade e na consanguinidade, afirmando, inclusive, que poderão ser concomitantes (multiparentalidade). Sendo o tratamento igualitário entre filiações de naturezas diversas uma determinação já prevista no nosso ordenamento jurídico, e, ainda, sendo a parentalidade biológica formalizada por mera declaração perante o registrador civil das pessoas naturais, sem nenhuma exigência comprobatória, esse mesmo procedimento deverá ser observado para a socioafetiva, já que ambas são meras formalização de vínculos preexistentes”, enfatiza.
Além disso, há também o Provimento nº 63 do Conselho Nacional de Justiça, editado em novembro de 2017, que veio a regulamentar todas essas implicações decorrentes da tese com repercussão geral, no julgamento do STF.
“Essa possibilidade de formalização administrativa da parentalidade socioafetiva, inclusive quando implica em multiparentalidade, é que vem causando um aumento grandioso dos casos de multiparentalidade registral. O registro está espelhando uma realidade social existente desde sempre. Facilitar essa formalização é mais uma conquista social, com méritos inquestionáveis ao IBDFAM”, diz.
Desta maneira, a jurisprudência tem recepcionado bem essa tese, com os entendimentos diversos ficando cada vez mais escassos. Para Márcia Fidelis, a interpretação do STF clareou muito os conceitos de filiação e suas origens, deixando marcada a obrigatoriedade de tratamento igualitário, sendo considerado discriminação estabelecer tratamento desequilibrado a filhos com vínculos de parentesco de naturezas diversas.
“A multiparentalidade no registro é uma consequência da vida real. São inúmeros os casos de crianças e adolescentes que têm como referência de filiação mais que um pai e/ou mais que uma mãe. Seja porque ainda coexistem pais socioafetivos com pais consanguíneos, seja porque, em função de falecimento, o outro passou a exercer esse 'papel de pai/mãe', sem que o (a) falecido tenha deixado de existir na vida do filho”, finaliza.
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