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STJ condena homem a indenizar ex-companheira por transmissão do vírus HIV
É possível reconhecer a responsabilidade civil de pessoa que transmite o vírus HIV no âmbito de relação conjugal quando presentes os pressupostos da conduta (ação ou omissão) do agente: dolo ou culpa, dano e nexo de causalidade. Com esse entendimento, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou, por unanimidade, acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) que condenou um homem a pagar R$ 120 mil de indenização por ter contaminado a ex-companheira com o vírus durante união estável.
Para a advogada e doutora em Ciências da Saúde pela Faculdade de Medicina da UFMG, Luciana Dadalto, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), o entendimento do colegiado está em consonância com a jurisprudência internacional e com a Bioética contemporânea, “que entende ser o portador de doença infecto contagiosa responsável por informar seu parceiro da doença e tomar todas as medidas para que não a transmita a ele ou a outra pessoa”.
A advogada alerta que a reparação civil nos relacionamentos ainda é um ponto polêmico. “Há na doutrina defensores da responsabilização civil por descumprimento dos deveres pessoais do casamento, ainda alicerçados na velha ideia da culpa pelo fim do relacionamento. Há um projeto de lei tramitando para criar responsabilidade civil em casos de traição, contudo, a maior doutrina contemporânea é contra. Existem casos na jurisprudência brasileira nesse sentido, mas ainda não é possível afirmar categoricamente que há situações no ordenamento jurídico brasileiro que autorizem o pedido”, diz.
Caso sem precedente
No caso, a mulher ajuizou ação de indenização contra o ex-companheiro – com quem manteve união estável durante 15 anos e teve três filhos – por ter sido infectada pelo HIV nesse período. Ela pediu uma pensão mensal de R$ 1.200 e danos morais no valor de R$ 250 mil.
Tanto a sentença quanto o acórdão de segunda instância reconheceram a responsabilidade civil do ex-companheiro, seja por ter sido comprovado no processo que ele tinha ciência da sua condição, seja por ter assumido o risco com o seu comportamento. A indenização fixada em R$ 50 mil em primeiro grau foi aumentada para R$ 120 mil pelo TJMG, mas o acórdão negou o pagamento da pensão mensal.
Em recurso apresentado ao STJ, o réu alegou que o acórdão foi omisso e sustentou que não foram preenchidos os elementos da responsabilidade civil. A mulher, também em recurso ao STJ, pediu a reforma do acórdão para aumentar o valor da indenização e fixar a pensão mensal.
O relator, ministro Luis Felipe Salomão, salientou que não há precedente específico no STJ para o caso em julgamento. O ministro observou que a responsabilidade civil nas relações de família vem sendo objeto de crescentes debates jurídicos, cabendo ao aplicador do direito a tarefa de reconhecer a ocorrência de eventual ilícito e o correspondente dever de indenizar.
Responsabilização
Segundo Salomão, quando o portador não tem consciência de sua condição, não apresenta sintomas da síndrome e não se expôs, de alguma forma, ao risco de contaminação, muito dificilmente poderá ser responsabilizado.
Por outro lado, o ministro frisou que quando o cônjuge, ciente de sua possível contaminação, não faz o exame de HIV, não informa o parceiro sobre a probabilidade de estar infectado e não utiliza métodos de prevenção, ficam evidentes a negligência e a imprudência.
Violação ao direito da personalidade
Para o ministro, no caso analisado, ficou provado que o requerido foi o efetivo transmissor do vírus para a companheira, assumindo o risco com o seu comportamento.
“No presente caso, o requerido, ainda que não tivesse como desígnio a efetiva transmissão do vírus HIV, acabou assumindo o risco de fazê-lo, seja porque já era sabedor de sua soropositividade no momento das relações sexuais com a sua companheira – sem informá-la de sua condição e sem adotar as devidas precauções –, seja porque adotava comportamento extraconjugal de risco (vida promíscua), devendo ser responsabilizado por sua conduta”, afirmou.
Ao confirmar a decisão do TJMG, o ministro disse estar evidente a violação ao direito da personalidade da autora, com “lesão de sua honra, intimidade e, sobretudo, de sua integridade moral e física, a ensejar reparação pelos danos morais sofridos”.
Quanto ao pedido da mulher de que fosse revista a decisão do TJMG de negar a pensão mensal de R$ 1.200, foi negado provimento ao seu recurso especial ao argumento de que essa análise exigiria o reexame de provas sobre a capacidade de trabalho da recorrente, o que não é possível por causa da Súmula 7 do STJ.
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