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STF recebe pedido de descriminalização do aborto
O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) apresentou, no Supremo Tribunal Federal, “novo pedido de liminar formulado na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, na qual alega que os artigos 124 e 126 do Código Penal, que criminalizam o aborto provocado pela gestante ou realizado com sua autorização, violam os princípios e direitos fundamentais garantidos na Constituição Federal. A medida busca garantir às mulheres o direito de interromper a gestação, e dos profissionais de saúde de realizar o procedimento, além de suspender prisões em flagrantes, inquéritos policiais e andamento de processos ou efeitos de decisões judiciais decorrentes da aplicação dos dois dispositivos em casos de interrupção da gestação induzida e voluntária realizada nas primeiras 12 primeiras semanas de gravidez”, conforme o portal do STF. A ADPF 442, ajuizada em março deste ano, tramita sob a relatoria da Ministra Rosa Weber.
Ainda de acordo com o portal do STF, o principal argumento do PSOL na nova petição é a estimativa de que, desde o ajuizamento da ADPF, mais de 330 mil mulheres brasileiras já fizeram aborto, baseada em dados da Pesquisa Nacional do Aborto, financiada pelo Ministério da Saúde e premiado pela Organização Mundial de Saúde. “A vida e a saúde dessas centenas de milhares de mulheres foram colocadas em risco pela criminalização de sua decisão reprodutiva”, sustenta o partido. “Para além dos riscos à vida e à saúde das mulheres, a persistência da criminalização do aborto submete-as à ameaça de persecução criminal seletiva e arbitrária, orientada não por suposta prática de ato ilícito, mas sim pela desigualdade racial e econômica”.
Vice-presidente da Comissão de Infância e Juventude do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), Paulo Lépore destaca que, em primeiro lugar, o aborto não pode ser analisado somente do ponto de vista criminal, mas sim sob o ponto de vista da política pública de saúde. “Ao analisarmos o contexto do aborto, podemos notar que, nos países europeus e na América do Norte, já não há mais a criminalização do aborto. Em todos os casos em que se discutiu e se descriminalizou o aborto, sua descriminalização veio junto com uma ampla discussão sobre métodos anticonceptivos e sobre o aparelhamento do sistema de saúde, no que tange o atendimento da mulher nestas circunstâncias”.
Pós-doutor em Direito, ele afirma que, estatisticamente, tem-se identificado um aumento no número de realizações de aborto, mas que, num segundo momento, esse número cai, tendo em vista que sua descriminalização traz uma ampla discussão sobre políticas públicas e métodos contraceptivos, o aborto acaba sendo utilizado apenas em casos extremos, nos quais a gravidez não é evitada por outros métodos contraceptivos.
“No Brasil, temos hipóteses de aborto criminoso previstas nos artigos 124 e 126 do Código Penal. Mas apesar disso, o aborto é uma realidade no País, conforme os números destacados na Nota Pública divulgada pelo IBDFAM na apreciação da PEC 181/2015. O que acaba, de certa forma, afastando o argumento de que a criminalização do aborto impede sua realização. Além do mais, é sabido que existem inúmeras clínicas que realizam aborto no Brasil, mas que, como se trata de um procedimento ilícito e caro, apenas as mulheres de mais alta renda conseguem ter condições de fazer um procedimento abortivo de forma segura. E essas circunstâncias acabam empurrando às mulheres de mais baixa renda a realização do aborto inseguro. Portanto, a criminalização acaba atingindo de forma mais severa, infelizmente, as mulheres mais pobres”, comenta.
Lépore prossegue: “Penso que precisamos aprofundar essa discussão, porque, na verdade, essa questão é tratada de uma forma bastante hipócrita, considerando o número de abortos realizados anualmente no Brasil. Então é preciso que se trave uma ampla discussão sobre essa questão, para ver se vai haver a descriminalização, de que forma isso vai acontecer, sempre desejando que ocorra via Poder Legislativo a alteração formal da legislação”, comenta. Ele lembra decisão do Ministro Luís Roberto Barroso, ocorrida no ano passado: “[A decisão do ministro] Trouxe uma tendência para se considerar possível o aborto no primeiro trimestre de gestação, inserindo essa prática no âmbito do direito das mulheres. Como uma escolha da mulher, como liberdade que ela tem sobre o próprio corpo e, eventualmente, sobre a maternidade que ele adviria com o nascimento de uma criança”.
Para ele, não é ideal que essa discussão se dê no âmbito de uma decisão judicial, de uma arguição de descumprimento de preceito fundamental. Todavia, Lépore entende ser necessária a discussão acerca da descriminalização do aborto, para que os direitos das mulheres sejam preservados “e para que, efetivamente, o Brasil esteja na vanguarda mundial, no que tange à discussão das políticas públicas de saúde relacionadas aos métodos contraceptivos, e considerando o aborto sempre como a última opção”, diz.
“As mulheres não serão obrigadas a abortar”
Conforme Paulo Lépore, o fato de o aborto não ser criminalizado, “não significa que as mulheres estarão obrigadas a abortar. Na verdade, se trata de uma escolha sempre muito difícil, mas que cabe à mulher, e não ao Estado. Cabe a ela decidir, considerando as circunstâncias de sua vida, do caso concreto, se realizará a manobra abortiva. Mas mais uma vez, digo: isso tudo deveria permear uma discussão muito maior sobre saúde pública, sobre saúde da mulher, sobre métodos contraceptivos. E a história dos países que já realizaram a descriminalização do aborto mostra isso, que junto da descriminalização vem uma discussão mais ampla, para que o aborto não seja a única alternativa como método contraceptivo. Que haja então uma racionalidade na utilização da manobra de antecipação voluntária do parto como última circunstância”, defende.
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