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Dia das Crianças e mais de 47 mil esquecidas em abrigos: o que temos a comemorar?
Nesta quinta-feira, 12 de outubro, é celebrado o Dia das Crianças. Para muitas, essa é uma data de alegria, brincadeiras e boas recordações. Mas, infelizmente, quando olhamos para o lado, percebemos que a realidade está longe desse ideal. Mais de 47 mil crianças e adolescentes estão depositados em abrigos brasileiros à espera da chance de ter uma família. Seja pela busca de um “perfil ideal”, barreiras judiciais ou até mesmo por devolução, estes seres humanos convivem diariamente com a frustração, enquanto lhes é retirada a oportunidade de uma vida com respeito e dignidade. Eles são invisíveis. O que temos a comemorar?
Silvana do Monte Moreira, presidente da Comissão de Adoção do IBDFAM, revela que seu sentimento é de incapacidade para fazer mover a pesada máquina que coloca essas 47 mil crianças acolhidas em estado de total invisibilidade. “Pergunto sempre o que temos a comemorar nas datas marcantes para essa população tão vulnerável, e não temos nada a comemorar. Impressionante como a Constituição Federal, que completará 30 anos no próximo ano, continua a ser ineficaz com relação às crianças e aos adolescentes”, reflete. Para ilustrar, a advogada cita o art. 227 da Constituição Federal, que diz:
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
Em uma semana tão simbólica como essa, a advogada sente falta de uma maior mobilização da sociedade em torno deste público que vive em abrigos por todo País. “Onde a prioridade absoluta é realidade? Onde as crianças e adolescentes são colocados à salvo de toda a forma de negligência? Ou seja, esse sujeito de direitos ainda não atingiu sua condição como tal e continua a ser objeto da família biológica, ou do Estado. Não se trata de polarizar família biológica x família adotiva, e sim, priorizar a criança e o adolescente que deve ter sua convivência familiar na família biológica, se essa reunir condições, ou na família adotiva, caso a família biológica tenha se provado incapaz do exercício da parentalidade responsável”, afirma.
Ainda de acordo com Silvana Moreira, a sociedade precisa encarar de frente o menino franzino que faz malabarismos no sinal, que vende balas na rua, que joga água para limpar o para-brisa do carro. Segundo ela, aquele menino está perdendo a infância, assim como estão perdendo a infância aquelas crianças que estão no vácuo, que são invisíveis, que estão cobertas pelas montanhas de processos da justiça ou sob o tapete da sociedade.
“As crianças estão aprisionadas nos abrigos, sem direito a visitação e, antes que alguma crítica contundente seja feita a essa proposta de ‘abrigo de portas abertas’, informo que não se visita uma entidade de acolhimento institucional como se fosse um local público, ao contrário, pois, ainda que temporário e excepcionalmente, é o lar daquelas crianças e daqueles adolescentes e isso há de ser respeitado. Nas visitas que realizamos, sempre levamos diversão às crianças através de jogos, brincadeiras, lanches. Eles não se sentem observados e sim incluídos, são horas gostosas de convivência comunitária onde os habilitandos, habilitados e voluntários conhecem o perfil das crianças/dos adolescentes acolhidos, onde têm contato com o real. Essa experiência tem feito com que muitas pessoas alterem o perfil da criança a ser adotada”.
Para Silvana do Monte Moreira, não é preciso se fazer muito para que a adoção ganhe efetividade no Brasil. Ela pede magistrados vocacionados para a área, varas com competência exclusiva em criança e adolescente, equipe técnica capacitada, Ministério Público atuante, cumprimento dos prazos do ECA e implementação do Provimento nº 36 do CNJ. “É muito fácil culpar o perfil restrito do habilitado, quando a falha é da máquina Estatal que demora excessivamente nos processos de destituição do poder familiar. O tempo que importa é o da criança cuja infância é fugaz”, destaca.
O IBDFAM, com o Projeto “Crianças Invisíveis”, almeja estabelecer uma mobilização nacional, capaz de retirar dos abrigos, espalhados pelo Brasil, crianças e adolescentes ali depositados. O que se quer é impedir que eles permaneçam destinados ao esquecimento, envelhecendo em plena infância e, consequentemente, alcançando a maioridade, sem a perspectiva de pertencer a uma família.
“O Estado tem se provado o pior dos padrastos para nossas crianças, adolescentes e jovens. Essa população vulnerável entra no sistema protetivo ainda criança, lá se torna adolescente e ao chegar à juventude é jogada na rua como se um adulto pleno fosse. Precisamos – sociedade – abrir os olhos para esse caminho, é preciso que nele estejam inseridos educação, cultura, lazer de forma que essas pessoas consigam autonomia e não sejam cooptadas por outras facilidades que a vida apresenta passando ao sistema infracional”, completa.
O IBDFAM – que completa 20 anos neste ano - lançará o Projeto “Crianças Invisíveis” e, dentro dele, será feita a ratificação do Anteprojeto de Lei do Estatuto da Adoção do IBDFAM, no XI Congresso Brasileiro de Direito das Famílias e Sucessões, de 25 a 27 de outubro, no Ouro Minas Palace Hotel, em Belo Horizonte/MG.
Números oficiais do Cadastro Nacional de Crianças Acolhidas: 47.602, em 11 de outubro de 2017 – Fonte: Conselho Nacional de Justiça – CNJ.
Número de crianças e adolescentes inscritos no Cadastro Nacional de Adoção: 8.146, segundo o Cadastro Nacional de Adoção, em 11 de outubro de 2017. Número de crianças e adolescentes disponíveis para adoção: 4.847, segundo o Cadastro Nacional de Adoção, em 11 de outubro de 2017. Fonte: Conselho Nacional de Justiça – CNJ.
Número de pretendentes cadastrados: 41.380; número de pretendentes disponíveis: 38.783, segundo o Cadastro Nacional de Adoção, em 11 de outubro de 2017. Fonte: Conselho Nacional de Justiça – CNJ.
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