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Série “Um olhar sobre a adoção”
Adoção tardia: final feliz para crianças e adolescentes abrigados
A Justiça do Espírito Santo, por meio da Comarca de São Mateus (Região Norte do estado), aprovou, em julho deste ano, a adoção de uma adolescente prestes a completar a maioridade. Maria já planejava seus próximos passos, uma vez que seria obrigada a deixar a instituição de acolhimento em novembro, mês em que completa 18 anos de idade. O final feliz da história vai na contramão do que normalmente acontece. O motivo? Essa faixa etária representa menos de 1% da preferência dos postulantes à adoção. Ressalta-se ainda o fato de que, nos últimos três anos, apenas oito adolescentes nesta idade foram adotados no Brasil, conforme informações da Vara da Infância e da Juventude do município capixaba.
Aos sete anos, a menina foi acolhida pela Casa Lar (de São Mateus), onde permaneceu até alcançar a adolescência. Em seguida, foi encaminhada a uma unidade que abriga adolescentes em situação de risco, bem como jovens aptos à adoção. Responsável pela sentença que determinou a adoção de Maria, o juiz Antônio Moreira Fernandes destaca que, a agora mãe da adolescente, ao conhecê-la, disse ter certeza de que se tratava da sua filha, e que ela estava apenas morando no lugar errado. “Daí, então, o processo de adoção foi algo natural”, revela.
Fernandes conta que, antes do julgamento, teve-se o cuidado de promover atendimento com os futuros pais socioafetivos da menina, pela equipe da Central de Apoio Multidisciplinar (CAM). “Assegurado que os adotantes estariam aptos a participar do processo, foi então concedida a guarda provisória para o período de estágio de convivência, para então ser realizada a instrução processual. Ouvidas as partes e com parecer favorável do Ministério Público Estadual, foi prolatada a sentença”, relembra.
“Quando a criança abrigada atinge os sete anos de idade, esta passa a ter uma noção maior da realidade em que se encontra. E, com o tempo, manter acesa a chama da esperança de que um dia ela será adotada, se torna um grande desafio - tanto para a equipe dos abrigos quanto para os profissionais do Juízo da Vara da Infância e da Juventude. Além disso, faz-se necessário o fortalecimento da autoestima deste menor, principalmente porque começa a observar de forma crítica e, na maioria das vezes, pessimista, que os seus colegas [mais velhos] de abrigamento estão ali há mais tempo e ainda não conseguiram uma família”, comenta o juiz.
Mãe adotiva de Maria, a técnica de perfuração em poços, Gabriela Martinelli, 42 anos, afirma que sua casa (em que vive com o marido e outras duas filhas biológicas, de 4 e de 16 anos de idade) é uma festa. Porém, no início, foi preciso instruir a menina. “A Maria nunca tinha convivido com família. Ela não conhecia algumas regras, que fui explicando com calma e paciência. Lá no abrigo, não ensinam as crianças a lavar louça, por exemplo. Mas como tenho outras filhas, todo mundo faz tudo lá em casa. Quando ela chegou, tivemos que ensinar a arrumar a cozinha, fritar ovo… expliquei que é preciso arrumar a cama pela manhã, que existem horários a serem cumpridos, que família é sempre prioridade… Mas ela se adaptou muito bem”, conta.
Antes disso, porém, Gabriela passou a frequentar, como voluntária, o abrigo em que Maria vivia. E foi exatamente aí que as duas se conheceram. “Ela já estava mocinha”, revela. A identificação foi tamanha, que mulher e marido resolveram apadrinhá-la. “A Maria já estava com 16 anos quando a apadrinhamos. Um dia, preocupados com o futuro dela, decidimos adotá-la. Minhas meninas a receberam muito bem. Sempre tive vontade [de adotar]. Mas eu pensava em adotar um bebê, porque a gente pensa sempre em crianças ‘pequenininhas’, né? Mas depois que fui conhecendo a realidade das crianças abrigadas, repensei. E, como havia me encantado pela Maria, disse: ‘Ela vai ser minha filha’”.
E o casal não parou por aí. Sabedores de que Maria tem três irmãs e um irmão (todos biológicos), criaram o hábito de levá-los para casa nos finais de semana. “Minha casa está sempre cheia!”, conta, entusiasmada. “Se eu pudesse, adotaria mais. Porém a condição financeira e a falta de espaço não nos permitem. No final de semana, pego as irmãs da minha filha no abrigo. O irmão dela [que já está sob guarda provisória de outro adotante] também vai para lá. Vira uma festa! Ainda mais agora, que estamos com uma intercambista [de 15 anos] da Alemanha, que veio para aprender português. Minhas filhas estão treinando inglês com ela… Graças a Deus, a gente se dá muito bem”, comemora, orgulhosa.
Gabriela não tem dúvidas de que o apadrinhamento afetivo, o qual durou quatro meses, foi fundamental para a adaptação mútua entre sua família e a adolescente. Por isso, ela manda um recado a todos os postulantes à adoção: “Procurem o apadrinhamento. Porque, assim, você não assume o compromisso de adotar, mas estará ajudando crianças e adolescentes a manterem viva a esperança de sair dali, de ter alguém que a auxilie com escola, de ter alguém que colabore com os deveres de casa, com roupas… e daí pode surgir um vínculo. Quem sabe, do apadrinhamento não surja uma família?!”
Maria (vestido preto) e sua família: Paola (vestido rosa), Gabriela, Renildo e Ana Luiza.
Foto: Divulgação
“Esperando por Você”
Atualmente, no estado do Espírito Santo, a média (aproximada) de crianças e adolescentes aptos à adoção tem se mantido em aproximadamente 140. Quem dá a estimativa é Dianne Françoise Wruck, psicóloga da Comissão Estadual Judiciária de Adoção (CEJA). Ela revela ainda que, em março de 2017, estavam referenciados à CEJA/ES - para buscas no Cadastro Nacional e Internacional de Adoção (CNA/CNJ) - cerca de 60 crianças e adolescentes, para os quais não foram localizados pretendentes habilitados à adoção.
“Assim, visto que tais crianças e adolescentes permanecem crescendo institucionalizados sem a perspectiva de adoção, e diante do sucesso da campanha ‘Adote um pequeno torcedor’ da Vara de Infância e da Juventude de Pernambuco e o Sport Club do Recife, a CEJA/ES, em parceria com a Assessoria de Comunicação do Tribunal de Justiça capixaba, desenvolveu e lançou a campanha ‘Esperando por Você’”, conta a psicóloga.
Os principais objetivos da campanha são: promover a adoção de crianças e adolescentes órfãos ou destituídos do poder familiar, referenciados à CEJA/ES, para as quais não foram localizados pretendentes habilitados no seu perfil nos cadastros nacional e internacional de adoção, seja em razão da idade, ou por pertencerem a grupos de irmãos, ou apresentarem alguma condição especial de saúde, por meio de “Busca Ativa”; divulgar, em meio eletrônico, fotografias, vídeos e informações sucintas sobre crianças e adolescentes disponíveis para adoção, sem pretendentes localizados nos cadastros nacional e internacional, a fim de viabilizar a inserção dos mesmos em família substituta; e sensibilizar a sociedade para o perfil de crianças e adolescentes acolhidos e disponíveis para adoção, muitas vezes preteridos e marcados pelo preconceito, que ainda aguardam e sonham com a possibilidade de pertencer a uma família.
Dianne conta que a primeira edição da campanha, que tem caráter permanente, ocorreu entre maio e agosto de 2017 e contou com a divulgação de oito fotografias e vídeos referentes a nove crianças e adolescentes, além de outras 12 fotografias, totalizando a participação de 21 crianças e adolescentes. “Destaca-se que a campanha foi deflagrada após anuência unânime de todo o colegiado da CEJA/ES, e que as crianças e os adolescentes envolvidos na campanha foram autorizados pela autoridade judiciária, pelo seu guardião legal e, quando capaz, expressou sua anuência”, acrescenta.
A psicóloga garante que o sucesso da campanha pode ser estimado pelo número de visualizações dos vídeos, e-mails e telefonemas encaminhados à CEJA/ES, bem como entrevistas com técnicos judiciários e aproximações entre pretendentes e participantes. “Entretanto, há possíveis outros resultados que não podem ser avaliados com precisão: número de novas habilitações à adoção; alteração no perfil desejado; e quanto o tema da adoção foi discutido pela sociedade a partir de novas perspectivas”, finaliza.
O Brasil tem hoje mais de 47* mil crianças e adolescentes esquecidos em abrigos. É uma situação cruel e dramática, que envergonha o País. A edição 31 da Revista IBDFAM, lançada em maio, tratou do tema adoção. Prestes a completar 20 anos de existência, o IBDFAM se junta à causa da adoção com a proposta de um anteprojeto de Lei do Estatuto da Adoção, ponto de partida para o Projeto “Crianças Invisíveis”, que será lançado no XI Congresso Brasileiro de Direito das Famílias e Sucessões, de 25 a 27 de outubro, em Belo Horizonte, do qual esta série, Um olhar sobre a adoção**, também faz parte.
*Números oficiais do Cadastro Nacional de Crianças Acolhidas: 47.201, em 29 de agosto de 2017 – Fonte: Conselho Nacional de Justiça – CNJ.
**Consultoria: Silvana do Monte Moreira, presidente da Comissão de Adoção do IBDFAM.
Atendimento à imprensa: ascom@ibdfam.org.br