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Série "Um olhar sobre a adoção"
O poder da busca ativa
Qual o significado da espera? Demora? Expectativa? Ansiedade? Se em situações banais de nossas vidas, o simples ato de esperar pode se tornar um verdadeiro martírio, imagine o que se passa na cabeça de uma criança, de um adolescente, depositados em um abrigo e que aguardam, ansiosamente, por uma família, por um abraço apertado, por um lar. Se essa é a dura realidade de milhares de meninos e meninas abrigados por todo o Brasil, como explicar os trâmites que emperram a adoção para justificar tanta demora por uma solução? Ou será que é justamente a legislação e as pessoas que estão por trás do processo de adoção que não entendem o significado – e o sofrimento – do tempo de espera por uma família? É nesse cenário que se desenha a importância da Busca Ativa, uma ferramenta que tem permitido o tão aguardado encontro entre pais e filhos.
Idealizada pela Associação Nacional de Grupos de Apoio à Adoção (Angaad), a Busca Ativa se tornou uma forte aliada na luta por mais agilidade nas adoções, além de contribuir para a mudança da perspectiva dos próprios interessados em adotar. Atualmente, são cerca de 150 grupos de apoio cadastrados em todo o País, numa rede que abrange membros, técnicos judiciários, promotores de justiça e famílias. Um dos objetivos é encontrar habilitados à adoção de grupos com três ou mais irmãos, crianças com deficiências físicas e/ou mentais, além de maiores de cinco anos de todas as etnias.
“Estes perfis, para os quais se buscam as chamadas ‘adoções necessárias’, nem sempre encontram pretendentes no Cadastro Nacional de Adoção (CNA), inclusive por este estar desatualizado. Isso ocorre principalmente porque os habilitados, de regra os que frequentam com aderência os grupos de apoio à adoção, evoluem seus perfis sem solicitar às varas a alteração necessária à atualização. A importância da Busca Ativa mediada pelos grupos está no apoio que pode oferecer aos habilitados que recebem guarda provisória de seus filhos. Assim, além de acompanharem os futuros indicados desde o processo de habilitação, também podem oferecer acompanhamento pós-adoção”, explica Rosana Ribeiro da Silva, advogada, psicóloga e assessora jurídica da Angaad.
Desta maneira, os grupos de apoio se tornam auxiliares dos poderes públicos ao agilizarem os encontros entre crianças e adolescentes com as famílias cadastradas. Essa alternativa serve como válvula de escape do tão criticado Cadastro Nacional de Adoção, que além de manter informações antigas, abre espaço para enormes gargalos. “O CNA foi criado para se constituir em excelente ferramenta para a localização de pretendentes às adoções, fazendo o cruzamento dos dados dos habilitados e crianças disponíveis para adoção em todo o país. Todavia, infelizmente, nem todos os técnicos a quem é atribuído o acesso ao sistema foi devidamente capacitado para a sua melhor utilização. E aqueles que o são não conseguem dar o uso que se pretendia, já que os cruzamentos geram infinitos resultados inúteis por desconsiderarem itens fundamentais, como, por exemplo, crianças que pertencem a grupos de irmãos”, afirma a advogada.
O processo de Busca Ativa tem feito tanto sucesso, que varas de Família de alguns estados brasileiros já estão apoiando a ideia. Os Tribunais de Justiça do Rio Grande do Sul, Piauí e Espírito Santo estão entre eles. O TJES, por exemplo, está divulgando uma série de vídeos com o tema ”Esperando por você”, onde crianças e adolescentes dão seus depoimentos e revelam a vontade de terem uma família e um novo lar. Porém, de acordo com a juíza Mônica Labuto, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), esta ainda é uma ideia a ser trabalhada de forma a preservar os menores de idade.
“Sou a favor da Busca Ativa por perfil aproximado, sem fotos, sem vídeos, sem nomes ou divulgação da história de vida, para não violar o direito à intimidade da criança e do adolescente. Deve ser usada quando esgotada as tentativas de localização de pretendentes pelo cadastro”, afirma a juíza. Em sua página oficial, o TJES informa que a campanha visa mudar o futuro de crianças e adolescentes que vivem há anos em instituições de acolhimento do Espírito Santo, especificamente aquelas com alguma condição especial de saúde ou que possuem irmãos. Clique aqui e tenha mais informações.
Entre os vários grupos de apoio à adoção espalhados pelo Brasil, está o “Quintal de Ana”, que completará 17 anos de existência em 2017. A sede fica na cidade de Niterói, mas também há uma filial no Rio de Janeiro. O grupo tem convênios com várias varas da Infância e da Juventude do estado, e faz a divulgação da 'Cultura da Adoção' por todo o Brasil participando de palestras, seminários e congressos.
“Já atendemos em nosso projeto mais de 310 crianças e adolescentes, além de 246 interessados em adotar”, conta Felipe Fernandes, membro do IBDFAM e advogado do Grupo de Apoio à Adoção Quintal de Ana. Segundo ele, hoje em dia há uma maior eficiência na Busca Ativa realizada pelos grupos de apoio em relação ao Cadastro Nacional de Adoção.
“Penso que o CNA é uma excelente ideia, porém com uma péssima execução. Conversando com os operadores do Cadastro, percebemos a dificuldade no funcionamento e na busca de famílias para as crianças e os adolescentes já destituídos. Já na Busca Ativa, realizada pelos grupos de apoio, esse tipo de falha não acontece, pois os dados são passados de forma direta e sigilosa entre os representantes sem distorções sistêmicas”, ressalta.
Pensando em possíveis melhorias para o atual sistema brasileiro, Mônica Labuto afirma que o próprio Cadastro Nacional de Adoção poderia fazer a Busca Ativa, repassando senhas aos habilitados para que eles tivessem acesso às crianças disponíveis. “Devemos entender que adoção não é número. Precisamos pensar na melhor família para o infante, e não em qualquer uma. Temos que preservar a intimidade e privacidade dos acolhidos”, completa.
Acesse os links abaixo e confira as histórias das famílias que se formaram com a adoção graças à Busca Ativa:
“Eu já sabia que era meu filho, mesmo sem tê-lo visto”
Mãe e filha transexuais: um encontro para lá de especial
O Brasil tem hoje mais de 47* mil crianças e adolescentes depositados, esquecidos em abrigos. É uma situação cruel e dramática, que envergonha o País. A edição 31 da Revista IBDFAM, lançada em maio, tratou do tema adoção. Prestes a completar 20 anos de existência, o IBDFAM se junta à causa da adoção com a proposta de um anteprojeto de Lei do Estatuto da Adoção, ponto de partida para o Projeto “Crianças Invisíveis”, que será lançado no XI Congresso Brasileiro de Direito das Famílias e Sucessões, de 25 a 27 de outubro, em Belo Horizonte, do qual esta série, Um olhar sobre a adoção, também faz parte.
* Números oficiais do Cadastro Nacional de Crianças Acolhidas: 47.133, em 24 de maio de 2017 – Fonte: Conselho Nacional de Justiça – CNJ.
** Consultoria: Silvana do Monte Moreira, presidente da Comissão de Adoção do IBDFAM.
Atendimento à imprensa: ascom@ibdfam.org.br