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Polêmica sobre as Famílias Simultâneas ainda aguarda decisão do STF
A monogamia ainda gera discussões muito complexas no Brasil. Desta forma, a maioria dos casamentos e de todas as formas de conjugalidade pressupõem a exclusividade do par. Em regra, não admite-se a existência de terceiros numa relação amorosa. Muitos casamentos e uniões estáveis encontram o seu fim com a descoberta de um relacionamento extraconjugal mantido pelo outro cônjuge ou companheiro. Além disso, ainda que, hipocritamente, exista um maior controle da sexualidade feminina e certa condescendência, liberalidade ou permissividade em relação à sexualidade masculina, não há dúvida de que, mesmo nesses casos, a “traição” e o “adultério” ainda são alvo da reprovação social.
Esta é a opinião de Marcos Alves, advogado e membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Segundo ele, a questão se põe em outro patamar. Basicamente, em relação à monogamia como princípio jurídico, duas ordens de ideias devem ser enfrentadas. Uma diz respeito ao que foi e ainda é consagrado como concubinato e a outra se refere à liberdade. “Há uma dívida social imensa em relação à mulher índia, negra e a branca pobre, desqualificada socialmente. Durante séculos, ao lado da chamada família legítima, se instaurou à margem do Direito uma unidade doméstica marginalizada. Nela, estavam os filhos ilegítimos, especialmente aqueles classificados como filiação espúria, isto é, os adulterinos, os incestuosos, os sacrílegos. Esta mulher não pode seguir invisível ao Direito. Sua existência constituída em uma família não pode continuar sendo negada”, aponta.
Por outro lado, conforme Marcos Alves, o outro aspecto, o da liberdade, é o que mais importa para as considerações sobre as chamadas uniões poliamorosas ou poliafetivas. “A forma como uma família vai se constituir não é questão que diz respeito ao Estado. Neste campo, a doutrina e também a jurisprudência têm apontado na direção da maximização da liberdade. Se no campo das titularidades, das relações contratuais, das relações de consumo, a intervenção reguladora do Estado se faz cada vez mais presente e necessária, nas situações subjetivas tem prevalecido o entendimento da expansão da liberdade e da autodeterminação das pessoas” esclarece.
Espera-se que ainda em 2017, o Superior Tribunal Federal (STF) enfrente esta polêmica questão das famílias simultâneas. O Recurso Extraordinário (RE 883.168-SC), que tem como relator o Ministro Luiz Fux, decidirá se as famílias constituídas paralelamente a outra no Brasil podem ter direitos reconhecidos. Para Marcos Alves, o resultado deste julgamento ultrapassa e transcende o tema específico da admissão ou não da existência de conjugalidades paralelas ou simultâneas. Como foi atribuído efeito de repercussão geral ao Recurso Extraordinário 883.168-SC, uma determinada forma de concepção ou compreensão jurídica da família ou mais especificamente da conjugalidade será confirmada e consolidada por determinado tempo, na jurisprudência brasileira.
“A decisão poderá consagrar a noção, sustentadas por alguns, de que o casamento constitui uma forma superior e, portanto, 'mais legítima' de constituição de família, reforçando o estigma das famílias formadas à margem desse modelo, ou poderá a decisão do Supremo Tribunal Federal fortalecer o princípio da pluralidade das entidades familiares, dando concretude à sua aplicação e consagrando o caput do art. 226 da Constituição da República como verdadeira cláusula de inclusão. Assim, haverá, neste julgamento, tanto a possibilidade de reforço de uma tendência de inclusão e de proteção de direito de pessoas e famílias em situação de vulnerabilidade ou, ao contrário, restará vencedora uma concepção discriminatória, conservadora, exclusivista, em contradição com passos importantes já dados pelo próprio STF, como no caso da ADPF e ADIn em que se reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo sexo”, opina.
O advogado diz ainda que a discussão em torno das Famílias Simultâneas visa uma sociedade democrática em que todos tenham espaço. “Em um Estado laico, em uma sociedade plural e democrática, não há lugar para exclusões. Nenhuma 'maioria moral', nenhuma 'hegemonia religiosa' tem o direito de impor ao conjunto dos cidadãos os seus valores e crenças, ainda que julguem ser estes superiores, dados por Deus ou por qualquer espécie de revelação ou convicção política ou filosófica. A sociedade é plural, nela inúmeros modelos de família subsistem”, completa.
Justiça do Acre inova em decisão
O Juízo da Vara Cível da Comarca de Epitaciolândia reconheceu na última semana as uniões estáveis paralelas de duas viúvas de um mesmo homem. Conforme o Tribunal de Justiça do Acre (TJ-AC), a primeira união estável iniciou em setembro de 1982, e se estendeu até dezembro de 2003. O casal chegou a romper a relação por um período, mas reatou tempos depois. Porém, o homem iniciou outra união estável e ficou se relacionando com as duas por um período de aproximadamente dois anos, até o falecimento dele, ocorrido em 2005.
A juíza de Direito Joelma Nogueira, titular da Comarca de Epitaciolândia, discorreu sobre a necessidade de garantir os direitos a ambas às famílias que foram mantidas simultaneamente pelo homem, “destarte, como as relações paralelas são consideradas uniões estáveis, todos os companheiros terão os mesmos direitos, incluindo os sucessórios e os previdenciários”. Conforme o advogado Marcos Alves, o caso constitui bom exemplo para impulsionar a reflexão sobre a prevalência ou não da monogamia como princípio estruturante do Direito das Famílias contemporâneo.
“A questão das uniões poliafetivas mencionadas na decisão constituem outro tipo de família, diversa das famílias formadas de uniões estáveis simultâneas. Nestas últimas, temos dois ou mais núcleos familiares distintos, dos quais uma pessoa participa simultaneamente. Nas chamadas uniões poliafetivas ou poliamorosas, há apenas um núcleo familiar, mas, uma conjugalidade na qual participam mais de duas pessoas. De qualquer sorte, essas são apenas duas modalidades de um sem número de maneiras ou formas de ser família hoje e que devem ser respeitadas em um Estado que se pretende democrático, laico e plural”, conclui.
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