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CPC 2015: prescrição e execuções familiaristas
As inovações do CPC/2015 trouxeram novidades na prescrição e nas execuções familiaristas no Brasil. Em entrevista, Rafael Calmon Rangel, mestre em Direito Processual Civil pela UFES e membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), esclarece alguns pontos sobre o tema.
1) Como se dá a prescrição na partilha de bem, seja do divórcio ou inventário?
Em minha opinião, o direito à partilha de bens é um direito potestativo de qualquer componente de entidade familiar, seja ela qual for. Por se tratar de direito potestativo, não cabe qualquer resistência da contraparte. Ela é obrigada a se sujeitar a tanto. Como resultado, eventual processo judicial destinado à efetivação desse direito será solucionado por sentença de natureza constitutiva, que jamais pode se sujeitar à prescrição – uma vez que esse fenômeno só alcança a pretensão, típica dos direitos à prestação, conforme deixa claro o art. 189 do Código Civil. Daí porque o termo “prescrição” não seria o mais adequado a ser utilizado nesses casos.
Quando muito, poderia se falar em decadência, já que este é o fenômeno que poderia, em tese, alcançar alguns direitos potestativos. Porém, isso dependeria de regra expressa em lei federal, a qual não existe, tornando o direito à partilha, em minha opinião, perpétuo. Isso não impede, contudo, que ao decretar a partilha, o juiz emita algum comando determinando que as partes façam ou deixem de fazer algo, situação essa que, se existente, poderá atrair o prazo prescricional, por se tratar de uma verdadeira prestação imposta na sentença. Não parece ser dessa forma, contudo, que vem entendendo a jurisprudência.
2) O que se entende por interromper a prescrição?
A interrupção é o fenômeno jurídico responsável por fazer o prazo prescricional parar de correr e a se reiniciar do zero, toda vez que verificado qualquer dos fatos descritos em lei federal, a exemplo daqueles estabelecidos pelos arts. 202 do Código Civil e 240, §1º e 802 do CPC. A prescrição só pode ser interrompida uma única vez e tão logo isso ocorra, o prazo volta a correr da data do ato que a interrompeu ou do último ato do processo para a interromper.
3) Quando se dá a interrupção da prescrição?
Pela prática de atos descritos em lei.
4) Qual a diferença entre interromper e suspender a prescrição? Em quais casos ocorrem cada uma?
Ambos os fenômenos, por óbvio, obstam a fluência do prazo da prescrição a partir de seu acontecimento. As principais diferenças, contudo, decorrem do fato de a lei prever hipóteses distintas de incidência para cada um deles e de que a suspensão não faz o prazo ser reiniciado do zero após sua ocorrência, contrariamente ao que acontece na interrupção. Nela (na suspensão), há o reaproveitamento do período decorrido até a data da ocorrência do fato que levou à suspensão, que volta a ser computado na contagem geral, após o fim da suspensão.
Cada um desses fenômenos, como dito, possui hipóteses fáticas distintas que se encontram previstas na lei federal, a exemplo daquelas descritas nos artigos acima citados e de diversos outros espalhados pela legislação, como o previsto no art. 921, §1º do CPC, nos arts. 2º, §3º e 40 da Lei de Execução Fiscal e no art. 169, §único do Código Tributário Nacional, apenas para citar alguns.
5) Qual o prazo para se requerer a anulação da partilha no processo de inventário? E no divórcio?
Aqui é preciso que se faça uma distinção. Atos amigáveis são desfeitos de uma forma e atos não amigáveis de outra. Os primeiros pela via da anulação; os segundos, pela rescisão. O art. 966, §4º do CPC é bem claro a esse respeito, inclusive.
Assim, a partilha amigável feita em inventário somente pode ser anulada no prazo de um ano, a partir do trânsito em julgado da homologação, de acordo com os enunciados dos arts. 2.027, § único do CC e 657, §1º do CPC. Já a partilha litigiosa feita em inventário deve ser objeto de ação rescisória, na forma do art. 658 do CPC, proponível no prazo de dois anos, contados do trânsito em julgado (CPC, art. 975 e seguintes).
Por seu turno, a partilha amigável feita em processo de divórcio/separação ou dissolução de união estável deve ser anulada no prazo máximo de 04 anos, contados do trânsito em julgado, a teor do que dispõe o art. 178, ao passo que a litigiosa também deverá ser feita pela via da ação rescisória, no prazo acima indicado.
6) Qual o meio adequado para se buscar o patrimônio omitido na partilha de bens no inventário? Como se dará a prescrição no Poder Judiciário?
A ação de sobrepartilha é o meio adequado para tanto (CPC, art. 669). Como o próprio Código de Processo impõe que seu procedimento observe o rito da ação de inventário e partilha (art. 670) e o direito à sobrepartilhar também é potestativo, não haveria que se falar em prazo prescricional, pelas mesmas razões antes mencionadas. Por seu turno, para que houvesse prazo decadencial, deveria haver previsão legal, o que não há. Logo, essa demanda também deveria ser perpétua, em minha opinião. Porém, não é o que se verifica na jurisprudência, a qual vem entendendo, de uma maneira geral, haver prazo prescricional para tanto.
7) O que se entende por prescrição intercorrente?
Para se saber o que é prescrição intercorrente é preciso, antes, saber o que é prescrição propriamente dita e pretensão. Pretensão é o fato que acarreta a extinção da prescrição, de acordo com o que se extrai do texto do art. 189 do CC. Via de regra, isso ocorre no período compreendido entre a violação do direito à prestação (fato este responsável por fazer nascer a pretensão) e o efetivo exercício dessa pretensão, que, normalmente ocorre com a propositura da demanda judicial cabível. A prescrição intercorrente, porém, é aquela que ocorre após a propositura da demanda, mais precisamente na fase de cumprimento de sentença ou no processo de execução, em decorrência da inércia prolongada do exequente em localizar bens penhoráveis do executado ou o próprio executado, podendo levar à extinção da execução (CPC, arts. 921, §4º e 924, V). A execução fiscal possui regra específica, mas não acredito que a pergunta a envolva.
8) Como se conta a prescrição, após a interrupção do prazo prescricional. Seria do trânsito em julgado da condenação?
O prazo volta a contar do zero. De acordo com o art. 202, § único do CC, “a prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do último ato do processo para a interromper”.
9) Pelas questões transitórias entre o CCB/1916 e o CCB/2002, como se analisa as regras da prescrição?
O art. 2.028 do CC/02 trouxe regra específica a esse respeito e o CPC também, relativamente à prescrição intercorrente (art. 1.056).
10) O que mudou com o CPC/2015 e a prescrição?
Mudou bastante coisa, muito em razão da necessidade de o CPC se adequar ao que previa o Código Civil. Além disso, esse diploma passou a prever a prescrição intercorrente, na forma antes mencionada.
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