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Corte Europeia de Direitos Humanos decide que internação compulsória viola direito à liberdade
A Corte Europeia de Direitos Humanos definiu em julgamento que a internação involuntária de pessoa incapaz, sem o devido controle pelo poder judiciário e baseada apenas no consentimento do guardião, é considerada violação do direito humano à liberdade. A decisão baseou-se no caso de um homem que perdeu sua capacidade jurídica depois da sentença do Tribunal do Quarto Distrito de Praga, capital da República Checa.
Ainda em 2005, o tribunal concluiu que, com base no laudo de um perito e no testemunho do pai do requerente, J.C sofria de “demência alcoólica”, uma deficiência mental permanente que torna o indivíduo incapaz de realizar ações cotidianas por conta própria. Com isso, em 21 de abril de 2009, o tribunal definiu que um guardião deveria cuidar do homem. Em 7 de fevereiro de 2011, o paciente foi transferido para uma instituição de assistência social na cidade de Letiny. Lá, o guardião assinou um acordo onde ficou decidido que o paciente ficaria internado no local por período indeterminado. Ele foi admitido no mesmo dia e, entre fevereiro e agosto de 2011, ficou recolhido contra a sua vontade, sem autorização para sair.
De acordo com Cláudia Grabois, presidente da Comissão da Pessoa com Deficiência do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), a internação compulsória viola o direito humano à liberdade, vida e dignidade. “A Corte destacou de início que a internação de pessoas consideradas mentalmente incapazes em instituições de assistência social não pode ser arbitrária ou compulsória, o que abre debate sobre a institucionalização de pessoas com doença mental e deficiência intelectual. Este tipo de internação significa privação à vida”, explica. Conforme o processo, o requerente ingressou com diversas medidas judiciais e administrativas para recuperar a sua capacidade jurídica, mas seus pedidos foram todos indeferidos.
J.C então contatou sua família, a polícia, a Prefeitura de Praga e o Tribunal do Quarto Distrito da cidade para alertar sobre o caso, mas nenhuma medida foi tomada para retirá-lo da instituição. Ele também apresentou recursos perante a Corte Constitucional da República Tcheca, mas nada conseguiu. Em agosto de 2011, foi transferido para outro local, que lhe deu alta no mês seguinte. Diante disso, o paciente iniciou uma ação contra a República Tcheca na Corte Europeia de Direitos Humanos, alegando que a internação involuntária violou o seu direito humano à liberdade.
A Corte destacou que a detenção de um indivíduo é ação tão grave que só se justifica quando outras medidas menos intrusivas forem consideradas e se revelarem insuficientes ou inadequadas para protegê-lo. “O requerente tinha plena consciência de toda a situação. Penso que a 'condição' de uma pessoa, salvo em ocasiões excepcionais comprovadas, não deve ser motivo para a privação de liberdade. No entanto, em determinados casos, existe uma tendência em naturalizar a opressão e o abuso”, explica Cláudia Grabois.
Deste modo, a Corte Europeia indicou que a internação não foi realizada com fundamento numa decisão judicial ou submetida a controle posterior, como seria o procedimento padrão em casos de internação involuntária. Segundo o relatório, o controle judicial da hospitalização forçada de pessoas mentalmente incapazes é “uma garantia relevante contra arbitrariedade”.
Internação Compulsória no Brasil
Ainda conforme Cláudia Grabois, a questão da internação compulsória no Brasil deve ser amplamente discutida. Para ela, devemos considerar tratados internacionais e a legislação vigente como ponto de partida para a construção de novas alternativas.
“No Brasil, a internação psiquiátrica está prevista na Lei nº 10.216. A internação involuntária de pessoas com doença ou deficiência mental é tolerada e, muitas vezes, sequer explicada à pessoa que será internada, no caso, em instituições da assistência social ou mesmo em entidades sem fins lucrativos. O marco da CDPD (Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência) e a EPD/LBI (Estatuto da Pessoa com Deficiência/Lei Brasileira de Inclusão) devem nortear as internações de pessoas com deficiência mental, no meu entendimento, e, para isso, precisamos abraçar o desafio e mudar a cultura”, conclui.
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