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Em Bauru, mãe socioafetiva consegue registrar filha diretamente em cartório
Alguns Estados permitem apenas o registro de paternidade socioafetiva, não existe norma de âmbito nacional e casais homoafetivos, em regra, precisam recorrer ao Judiciário
Em Bauru (SP), uma criança de três anos foi registrada com os sobrenomes de suas duas mães, a biológica e a socioafetiva. É o primeiro registro por filiação socioafetiva na cidade. O caso chama atenção pela rapidez com que foi resolvido. O procedimento durou apenas 15 dias e o casal não precisou ir à Justiça.
Recentemente, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) regulamentou, por meio do Provimento 52/2016, o registro de crianças geradas por técnicas de reprodução assistida. No entanto, o registro de filho socioafetivo sem necessidade das vias judiciais ainda não possui normatização nacional.
Contudo, vários Estados, por meio de suas Corregedorias de Justiça, já regulamentaram o reconhecimento registral da paternidade socioafetiva diretamente em cartório. A regra é: o interessado poderá reconhecer a paternidade socioafetiva de filho, em cartório, apresentando o documento de identificação com foto e original ou cópia da certidão de nascimento do filho. Se o filho for menor de idade, será colhida a assinatura da mãe. O ato de reconhecimento voluntário de filho socioafetivo é irrevogável.
Essas normatizações locais ainda não beneficiam filhos de casais homoafetivos. Nesses casos, via de regra, é necessário recorrer à esfera judicial, dando entrada em processo que pode demorar anos.
O processo em meio administrativo, com a intervenção do Cartório de Registro Civil local, foi solucionado em duas semanas. No caso, o oficial do cartório, Alexandre Mateus de Oliveira, teve apenas que abrir vistas ao Ministério Público e esperar a decisão do juiz que não teve cunho judicial e nenhum custo para as partes.
Para ele, a situação pode nortear uma normatização estadual sobre o assunto. “Como ainda não temos uma norma em relação a este tema, é dificultosa a regularização da filiação socioafetiva. Por isso fiquei muito satisfeito com o resultado, pois representa uma vitória para o casal”, disse.
Para o magistrado, autor da decisão, “o reconhecimento da filiação socioafetiva é modalidade de parentesco ainda precoce em nosso ordenamento jurídico e em nossa jurisprudência pátria, de modo que precisa ser interpretado à luz dos novos princípios informadores do direito de família, abandonando-se conceitos antigos arraigados em nossa cultura já incompatíveis com a realidade”, concluiu.
Reconhecimento pleno
Para a advogada Patrícia Gorisch, presidente da Comissão Nacional de Direito Homoafetivo do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), mesmo com o atraso na edição de leis, o trabalho dos juízes e dos tabeliães promovem o avanço no reconhecimento da socioafetividade e dos direitos LGBTI.
“Infelizmente temos apenas em alguns estados esse tipo de regulamentação que provém não dos nossos legisladores, mas das Corregedorias. Cada vez mais vemos a desjudicialização das causas relacionadas à família, isso é uma tendência e grande parte disso deve-se ao IBDFAM que há muito tempo se posiciona pela não intervenção do estado nas relações familiares. Não vai ser o estado que vai dizer o que é ou não família, vai ser o coração das pessoas”, diz.
Segundo a advogada, seria interessante uma legislação de âmbito nacional sobre a matéria, “na nossa sociedade isso já existe, mas é importante que tenha uma legislação a respeito para que esses casos sejam mais facilmente reconhecidos, para que não haja o desgaste de um processo judicial para ter esse direito reconhecido”.
“Eu tenho um caso de um adolescente de 17 anos que é registrado pelo pai biológico, mas que quer tanto o reconhecimento da relação de paternidade socioafetiva que tem com o padastro que pediu para ser adotado pelo padastro. Se a socioafetividade fosse reconhecida de uma maneira plena ele não precisaria escolher entre o pai biológico e o padastro”, conta.
Patrícia Gorisch explica que o reconhecimento da socioafetividade é uma tendência mundial, contudo o Brasil caminha a passos lentos devido à influência religiosa de setores influentes no Congresso Nacional. “No Brasil, essa regulamentação ainda não é em âmbito nacional porque temos a bancada religiosa e fundamentalista mais retrógrada dos últimos tempos no Congresso Nacional”, afirma. “Eles acham que se sair do modelo mãe, pai e filho biológico isso não é família”, diz.
Ela destaca a importância da atuação dos juízes e tabeliães. “Enquanto temos legisladores ligados a movimentos religiosos, obtusos e retrógrados, temos lá na ponta os tabeliães com uma atuação muito forte, muito mais célere e de forma muito mais jovem e inovadora. E também os juízes que estão fazendo uma verdadeira revolução jurídica no Direito de Família. A sociedade demanda isso, se os legisladores não fizerem nada, os juízes já estão fazendo e, agora, os tabeliães também e isso é um grande avanço”.
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