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STF garante prisão domiciliar a mãe de criança de três meses
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu Habeas Corpus (HC) para a mãe de uma menina de três meses condenada por tráfico de drogas em São Paulo. A decisão foi com base no Marco Legal da Primeira Infância, que permite a substituição da prisão preventiva por domiciliar para gestantes e mães de menores de 12 anos.
A mãe ficou presa de setembro de 2015 até abril, quando liminar concedida pelo ministro Gilmar Mendes, relator, determinou a substituição por prisão domiciliar. A decisão do colegiado quanto ao mérito ocorreu no dia 21 de junho, e confirma a cautelar.
Com base na situação da ré, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo impetrou habeas corpus no TJ-SP, requerendo a conversão da segregação preventiva em prisão domiciliar. O pleito foi negado pela corte estadual. Novo habeas corpus foi impetrado, dessa vez no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que negou o pedido de liminar. Contra essa decisão foi impetrado o HC 134069 no Supremo, levado a julgamento pela Segunda Turma. A tese da Defensoria Pública é a da possibilidade da substituição da prisão preventiva pela domiciliar tendo em vista que, em março de 2016, ela deu à luz uma menina. Pelo princípio da dignidade da pessoa humana, sustenta a Defensoria, a criança e a mãe têm o direito de permanecer juntas, em ambiente que não cause dano a nenhuma delas. Também foram citados os bons antecedentes, a primariedade e a idade da mãe, inferior a 21 anos.
Segundo o defensor público Bruno Shinizu, coordenador do Núcleo de Situação Carcerária da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, responsável pela ação, esta é uma decisão extremamente importante em primeiro lugar porque sinaliza que a Suprema Corte vem se empenhando em efetivar essa legislação do Marco Legal da Primeira Infância relacionado às detentas mães ou grávidas. Segundo ele, já havia desde 2011 uma decisão modesta e esta agora mostra a disposição da mais alta Corte do Brasil de cumprir a Convenção de Bangkok que o País aderiu de que o cumprimento da pena das mães deve ser aberto. O Brasil, de acordo com Shinizu, é o terceiro país mais eficaz em encarceragem.
Segundo ele, é uma situação calamitosa a brasileira, o encarceramento em massa da pobreza. Muitas vezes, ele garante, os filhos das mães em cárcere ficam em situação de mendicância, e apesar da Constituição preconizar que as mães têm o direito de amamentar, o prazo mínimo de seis meses pela Lei de Execução Penal acaba virando máximo e a criança é retirada à força da mãe, acabam os vínculos familiares e muitas vezes a criança é adotada. Ele informa que o processo de adoção, muitas vezes, é feito por edital, então a detenta nem fica sabendo que o seu filho foi adotado, o que viola qualquer senso de dignidade da pessoa humana. “Elas não conseguem superar isso, vão toda semana à Defensoria para saber o paradeiro do seus filhos. É uma desumanidade”, disse.
Ao ganhar a pena domiciliar, ele diz, vai evitar que ela perca sua criança, ela vai poder amamentar, dar os primeiros cuidados. “A decisão do STF mudou a vida dessa mulher, de seu filho, e repercute no Poder Judiciário até para divulgar o Marco Legal da Primeira Infância, para que passem a se preocupar com a manutenção dos vínculos familiares”, garante. Bruno explica que são cerca de 20 a 30 pedidos similares de prisão domiciliar por mês só em São Paulo e que 80% das mulheres detentas se declaram mães de crianças ou adolescentes.
“A gente perde a maioria dos pedidos no Tribunal de Justiça de São Paulo, que é um tribunal conservador. Os magistrados acham que se as mães cometem crime, não têm condições de ser mãe”. No Estado de São Paulo, ele garante, 70% das mulheres estão presas por tráfico. “O encarceramento é gritante. Elas ocupam as funções mais baixas do tráfico, são mulas, desempenham um papel mais vulnerável, ganham uma mixaria para distribuir a droga no varejo. Temos que comemorar a decisão recente de que não é crime hediondo”, disse. E, muitas vezes, elas entram no tráfico justamente para garantir a subsistência desse filho, garante.
Mais sobre a ação – A mãe foi presa pela acusação de tráfico de drogas. Concluída a instrução processual, foi condenada a pena de mais de 6 anos e 9 meses em regime inicial fechado. A condenação não transitou em julgado, uma vez que a apelação da defesa aguarda julgamento pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). No voto, o ministro Gilmar Mendes não conheceu do HC por questionar decisão de ministro do STJ que indefere liminar em habeas corpus lá impetrado (Súmula 691 do STF), porém se pronunciou pela concessão da ordem de ofício. Com o novo marco legal da primeira infância – Lei 13.257/2016 –, o artigo 318 do Código de Processo Penal passou a prever que o juiz pode substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for gestante ou mulher com filho de até 12 anos de idade, salientou o ministro em seu voto. A decisão foi unânime.
Segundo a procuradora de Justiça Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel, vice-presidente da Comissão Nacional de Infância e Juventude do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), a decisão do Supremo Tribunal Federal tem a sua relevância por sedimentar posicionamento no sentido da concessão do benefício da prisão domiciliar à detenta reclusa que tem filho pequeno. Kátia explica que a Decisão unânime do STF levou em consideração a modificação no art. 318 do Código de Processo Penal efetuada pelo Marco da Primeira Infância – Lei nº 13.257/2016 – que passou a prever a substituição da prisão preventiva pela domiciliar quando se tratar de gestante; mulher com filho de até 12 anos de idade incompletos e homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 anos de idade incompletos.
A vice-presidente da Comissão do IBDFAM destaca que a mesma Segunda Turma do STF, sendo relator o próprio ministro Gilmar Mendes, em decisão proferida setembro de 2015, ou seja, anteriormente à referida Lei, já havia se posicionado pela concessão de ofício da substituição pela prisão domiciliar, com fulcro na proteção à maternidade e à infância, assim como ao superior interesse do filho da detenta. Segundo ela, é importante registrar, ainda, que a tese da permanência da mãe presa com o filho no próprio ambiente familiar substituindo-se o cárcere, com fundamento na nova redação do art. 318 do CPP, já havia sido alvo de decisões recentes do Superior Tribunal de Justiça (HC 345.468/SP e HC 355.338/MG).
Para ela, o Marco Legal da Primeira Infância é uma vitória e tem como objetivo assegurar à pessoa humana nos seus primeiros 72 meses maior grau de proteção e prioridade absoluta, de tal modo os direitos fundamentais específicos deste momento da vida, indispensáveis que são para a formação e desenvolvimento do ser humano, de maneira que se formem como verdadeiros sujeitos de direitos. “Vê-se, portanto, que a lei estabeleceu um olhar de cuidado para com a criança desde a concepção (nascituro) até os seis anos. Nesta seara foram ampliadas as ações específicas voltadas às gestantes e às famílias com crianças na primeira infância incluindo aqueles genitores que se encontrem em situação de detenção, como se nota nas alterações havidas no Código de Processo Penal. Vale destacar que a referida regra da lei processual penal, modificada pelo Marco Legal da Primeira Infância, serviu como base de concessão, por analogia, de Habeas Corpus à adolescente infratora, mãe de criança recém-nascida, ficando evidente o compromisso não somente do legislador, mas também de todo o Sistema de Garantia de Direitos infantojuvenis, inclusive do Poder Judiciário, de proteger a criança e seu desenvolvimento nos primeiros anos de vida, substituindo a medida de internação da genitora adolescente pela de liberdade assistida em residência particular c/c medidas protetivas do art. 101, II e III do ECA”, disse.
Ela destaca que deve-se, no entanto, ter bastante cautela na implementação do benefício estendido, previsto no art. 318 do CPP, uma vez que poderá ser utilizado para burlar o sistema punitivo, ou seja, deve-se ter a prova concreta de que os detentos estão aptos para o exercício deste cuidado direto dos filhos menores no meio familiar, a justificar a modificação da prisão preventiva pela domiciliar e que os genitores que tiverem este benefício irão efetivamente se dedicar à guarda dos filhos, de modo que estes últimos não sejam afetados pela situação de detenção na qual se encontram os pais.
Além da prisão domiciliar, de acordo com Kátia Maciel, tendo em vista que as crianças nascidas quando suas mães estão inseridas no sistema prisional terão dificuldade de convívio familiar com aquelas, deve-se estimular a manutenção dos liames afetivos, a fim de facilitar a “ressocialização das presidiárias”, mas, principalmente, garantir que os vínculos de afeto entre pais e filhos não sejam rompidos e, assim, afetar a formação biopsicossocial das crianças. “A visita de familiares em dias determinados é direito do preso assegurado pelo artigo 41, inciso X da Lei de Execução Penal. Por sua vez, a criança, o adolescente e o jovem têm o direito de conviver com os pais detentos, quando não for contraindicada esta aproximação. Nesta esteira, dispõe o art. 19, § 4º da Lei nº 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente, com redação dada pela Lei nº12.962/2014, que “será garantida a convivência da criança e do adolescente com a mãe ou o pai privado de liberdade, por meio de visitas periódicas promovidas pelo responsável ou, nas hipóteses de acolhimento institucional, pela entidade responsável, independentemente de autorização judicial”. A especialista afirma que esta regra deve ser conjugada com o preceito do art. 23 § 2º do ECA que reza que, somente haverá o afastamento do poder familiar e, por consequência, a convivência entre genitores presos e sua prole, em caso de condenação criminal do pai ou da mãe na hipótese de condenação por crime doloso, sujeito à pena de reclusão, contra o próprio filho ou filha.
“Para além do direito dos apenados, assim, tem-se que a convivência familiar com pais e mães submetidos ao cárcere é direito fundamental dos infantes (art. 227 da CF/88 c/c art. 4º do ECA), somente afastável em casos excepcionais. O superior interesse do filho, portanto, deve ser priorizado (art. 100, parágrafo único, inciso IV do ECA). Aliás, a garantia de convívio dos pais presos com seus filhos, no próprio ambiente familiar, por ser um direito fundamental da criança deveria estar situada entre as medidas protetivas do art. 101 da Lei nº 8.069/90 (ECA)”.
Para que a implementação da prisão domiciliar seja eficaz e acarrete benefícios efetivos para os pequenos, ela garante, os órgãos de execução penal devem apurar previamente, mediante fiscalização, inclusive com apoio de uma equipe multidisciplinar, se o ambiente familiar onde será cumprida a prisão domiciliar é propício à manutenção da criança, ou seja, não se trata de local inadequado à presença de infantes, onde há prática de ameaça ou violação de seus direitos fundamentais, bem como que o convívio materno irá efetivamente acarretar reais benefícios para o infante. Assim, para subsidiar o deferimento da liberação da mãe detenta ao cumprimento da prisão domiciliar, deve constar de modo inequívoco no processo, de preferência por lado exarado por equipe técnica, que o convívio a ser travado entre mãe e filho tem, como antes assinalado, destinatário principal o próprio filho menor de idade, sendo a mãe/pai um destinatário secundário.
Ela opina que é importante para atenuar os malefícios da desestruturação familiar decorrente da prisão dos pais que haja projetos governamentais e não governamentais comprometidos em salvaguardar o convívio saudável entre genitores presos e sua prole. Como projeto bem-sucedido de medidas essenciais de proteção aos filhos de mulheres em cumprimento de pena privativa de liberdade, de modo a efetivar uma transformação social, a partir da humanização do convívio entre mães detentas e seus filhos, merece ser mencionado o Projeto do Tribunal de Justiça de Goiás denominado “Amparando Filhos - Transformando Realidades com a Comunidade Solidária,”, iniciado em outubro de 2015 e idealizado pelo juiz da comarca de Serranópolis, Fernando Augusto de Rezende.
“O projeto do TJ de Goiás oferece suporte no processo de socialização das crianças filhas das detentas, por meio de assistência psicológica e material, e da manutenção do vínculo e contato materno em ambiente amistoso, propício para este processo de socialização. O Amparando Filhos ancora-se nos princípios da intervenção precoce, da proteção integral à criança e de seu superior interesse, assim como nas diretrizes contidas nas “Regras Mínimas para Mulheres Presas” (Organização das Nações Unidas, 65ª Assembleia Geral, Bangkok), que asseguram: decisões para autorizar os/as filhos/as a permanecerem com suas mães na prisão deverão ser fundamentadas no melhor interesse da criança. Crianças na prisão com suas mães jamais serão tratadas como presas; mulheres presas cujos/as filhos/as estejam na prisão deverão ter o máximo possível de oportunidades de passar tempo com eles; crianças vivendo com as mães na prisão deverão ter acesso a serviços permanentes de saúde e seu desenvolvimento será supervisionado por especialistas, em colaboração com serviços de saúde comunitários; o ambiente oferecido para a educação dessas crianças deverá ser o mais próximo possível àquele de crianças fora da prisão; a decisão do momento de separação da mãe de seu filho deverá ser feita caso a caso e fundada no melhor interesse da criança, no âmbito da legislação nacional pertinente; a remoção da criança da prisão deverá ser conduzida com delicadeza, e apenas quando alternativas de cuidado da criança tenham sido identificadas e, no caso de presas estrangeiras, com consulta aos funcionários/as consulares; uma vez separadas as crianças de suas mães e colocadas com familiares ou parentes, ou sob outras formas de cuidado, serão oferecidas às mulheres presas o máximo de oportunidades e condições para encontrar-se com seus filhos e filhas, quando estiver sendo atendido o melhor interesse das crianças e a segurança pública não for comprometida”.
Segundo ela, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF), tendo em vista as regras de Bangkok e o êxito do Projeto “Amparando filhos”, está elaborando uma resolução para estabelecer princípios e diretrizes para o acompanhamento das mulheres e gestantes presas, bem como de seus filhos, com objetivo de impedir que esses sigam o caminho da criminalidade. Conforme noticiado no site do CNJ, na minuta da resolução serão previstas práticas que assegurem a efetivação do direito à convivência familiar, em especial com os pais e família extensa.
Em relação à visitação, a minuta de Resolução estabelecerá que o Poder Judiciário e o Poder Executivo deverão estimular dias de visitação especial, diferentes dos dias de visita social, para filhos e dependentes, crianças e adolescentes, sem limite de quantidade, com a definição de atividades de interação a cargo de equipe multidisciplinar. “Portanto, a fim de minorar os desvios decorrentes do uso indevido do benefício e evitar maior degradação familiar oriunda do encarceramento dos pais, deve o dispositivo processual penal (art. 318) ser interpretado de acordo com as regras e princípios do direito infantojuvenil (art. 6º do ECA) e levar em conta que deve ser oferecida, prioritariamente, a atenção e o acompanhamento integral à pessoa em desenvolvimento”, garantiu.
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