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Especialistas questionam capacidade civil prevista no Estatuto da Pessoa com Deficiência
A Lei nº 13.146/2015, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, objetiva assegurar e promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais da pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania. A norma trouxe inovações no campo das relações familiares ao modificar as regras sobre capacidade civil, reformulando o raciocínio no que diz respeito, por exemplo, à curatela.
Alguns pontos da nova legislação estão causando “preocupação” na comunidade jurídica, afirma em artigo Zeno Veloso, diretor nacional do IBDFAM. Para o jurista, a lei trouxe muitas e importantes modificações no direito brasileiro. No entanto, durante o trâmite no Congresso Nacional, o projeto que deu origem à lei “não foi acompanhado, como deveria, pela comunidade jurídica”, afirma.
Para o advogado Euclides de Oliveira, conselheiro do IBDFAM/SP, assim como toda legislação nova, a Lei nº. 13.146/2015 apresenta pontos polêmicos. Seu objetivo é o de obter a inclusão familiar e social da pessoa com deficiência, sem qualquer discriminação. No entanto, explica Euclides, para alcançar esse objetivo a lei estabelece normas que podem resultar em desconforto e falta de segurança ao portador de deficiência.
“Uma das preocupações resulta do enquadramento da pessoa deficiente como relativamente incapaz, de modo que os atos que pratique seriam meramente anuláveis e não absolutamente nulos”, diz. O Estatuto coloca no rol dos absolutamente incapazes apenas os menores de 16 anos. “Ora, há situações em que um menor, digamos, com 15 anos de idade, tem muito mais condição do que um deficiente grave, com baixo nível mental. Nesse comparativo, não há como admitir que o ato do menor seja nulo e o praticado pelo deficiente absoluto seja anulável, o que depende de sua iniciativa e de outros requisitos legais”, explica.
“Um deficiente mental, que tem comprometido absolutamente o seu discernimento, o que sofre de insanidade permanente, irreversível, é considerado relativamente incapaz. Bem como o que manifestou a sua vontade quando estava em estado de coma. Ou o que contratou, ou perfilhou, ou fez testamento, sendo portador do mal de Alzheimer em grau extremo. São casos em que não me parece que essas pessoas estejam sendo protegidas, mas, ao contrário, estão à mercê da sanha dos malfeitores, podendo sofrer consideráveis e até irremediáveis prejuízos”, afirma Zeno.
Segundo Veloso, para evitar “graves distorções” e “evidentes injustiças” poderia ser invocada a teoria da inexistência, e “privar de qualquer efeito negócios jurídicos cuja vontade foi extorquida e nem mesmo manifestada conscientemente. Para ser nulo ou anulável, é preciso que o negócio jurídico exista. A inexistência é uma categoria jurídica autônoma”, propõe.
Euclides de Oliveira concorda. “No que se refere à invalidade de atos praticados por deficiente grave, por exemplo, pode-se entender que não seriam meramente anuláveis, mas até mesmo inexistentes, um nada jurídico, pela absoluta falta de vontade do agente”, diz.
Críticas à parte, reconhece Euclides de Oliveira, a lei 13.146 tem “inegável” alcance social e representa uma evolução notável como instrumento da inclusão social da pessoa que seja portadora de deficiência, seja física, mental, sensorial ou de outra ordem.
“Trata-se de um verdadeiro microssistema normativo, a ser melhor analisado e aplicado, estendendo-se por 127 artigos, com extenso rol de medidas protetivas na parte geral e modificações importantes no Código Civil, no Código Penal, na Consolidação das Leis do Trabalho e em outros diplomas legislativos. Eventuais desacertos na fase inicial de sua vigência serão corrigidos por interpretações doutrinárias e da jurisprudência, para adaptação aos casos concretos”, reflete. “A filosofia do novo diploma é o de promover a mais ampla proteção à pessoa, nunca o de desempará-la”.
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