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Senado aprova projeto que cria Observatório da Mulher contra a Violência
O Senado aprovou, dia 22, o Projeto de Resolução (PRS) 64/2015, que cria o Observatório da Mulher contra a Violência para sistematizar as estatísticas oficiais, de autoria da senadora Simone Tebet (PMDB-MS). O próximo passo é a promulgação. Além de analisar e produzir relatórios, o Observatório vai coordenar projetos de pesquisa sobre as políticas de prevenção, atendimento e combate à violência contra a mulher. As informações vão subsidiar as ações da Procuradoria Especial da Mulher do Senado e da Comissão Permanente Mista de Combate à Violência contra a Mulher.
Para a advogada e promotora aposentada Adélia Moreira Pessoa, presidente da Comissão de Gênero e Violência Doméstica do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), o Observatório será mais um mecanismo que reforçará a coleta de dados para conhecer a realidade brasileira e fomentar pesquisas de gênero em diferentes áreas de conhecimento, mas ela enfatiza que a violência está tão radicada na cultura que não basta uma estratégia isolada.
Adélia não acredita que agora o artigo 8º da Lei Maria da Penha, que exige uma política nacional de dados de violência contra a mulher, será cumprido. “Não apenas com esta norma, pontualmente falando. As várias instâncias públicas e privadas devem trabalhar em sintonia para que os dados e pesquisas possam subsidiar as políticas públicas”, disse.
Ela defende que nenhuma norma isolada é suficiente para coibir a violência de gênero que assume caráter de pandemia e são três eixos que devem ser seguidos como medidas de enfrentamento:prevenção e educação; proteção e assistência; combate e responsabilização. “É necessário sempre enfatizar que as intervenções do estado precisam ir muito além da prisão. Nas relações domésticas violência de gênero necessita de ações públicas que ultrapassem a cultura de que 'em briga de marido e mulher ninguém mete a colher'”, disse.
Para a advogada, é urgente desconstruir mitos e estereótipos que ainda permeiam a sociedade e que geram distorções, silêncios e preconceitos. “Vale observar que negligências e omissões de pessoas ou de instituições, muitas vezes, são justificadas com base nesses mitos. Ressalte-se que ainda está muito presente em nossa cultura, a legitimização das agressões e a ‘culpabilização’ da mulher”. Leia a entrevista na íntegra com Adélia Moreira Pessoa.
Qual é a importância da criação do Observatório?
Será mais um mecanismo que reforçará a coleta de dados sobre a violência contra a mulher, propiciando o conhecimento da realidade brasileira e fomentando pesquisas de gênero em diferentes áreas de conhecimento. É preciso sempre repetir, entretanto, que a violência está tão radicada na cultura que não basta uma estratégia isolada.
A senhora acredita na eficácia da iniciativa?
Entendo que é positiva a criação de mais um espaço que propicie discussão sobre temáticas relacionadas a gênero. Terá eficácia na medida em que o Observatório for bem alimentado com dados fidedignos sobre a violência e gênero, estimulando o aprofundamento da investigação científica nessa seara. Assim, poderá contribuir para o debate teórico-metodológico relacionado às questões de gênero, facilitando o acesso dos interessados a esse campo de pesquisa, bem como o intercâmbio, a divulgação e a socialização dos conteúdos, das metodologias e dos resultados que poderão servir de subsídio para as políticas públicas de enfrentamento à violência.
Simone Tebet destacou que, apesar de o Brasil já ter avançado muito com a Lei do Feminicídio e com a Lei Maria da Penha, falta ainda o país entender a origem e a razão dos índices altos da violência contra a mulher e o que efetivamente está acontecendo. A senhora acredita que agora o artigo 8º da Lei Maria da Penha, que exige uma política nacional de dados de violência contra a mulher, será cumprido?
Não apenas com esta norma, pontualmente falando. As várias instâncias públicas e privadas devem trabalhar em sintonia para que os dados e pesquisas possam subsidiar as políticas públicas. Nenhuma norma isolada é suficiente para coibir a violência de gênero que assume caráter de pandemia, devendo atentar-se para as medidas de enfrentamento, nos três eixos: prevenção e educação; proteção e assistência; combate e responsabilização. É necessário sempre enfatizar que as intervenções do estado precisam ir muito além da prisão. Nas relações domésticas a violência de gênero necessita de ações públicas que ultrapassem a cultura de que “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher”. É urgente desconstruir mitos e estereótipos que ainda permeiam a nossa sociedade gerando distorções, silêncios e preconceitos. Vale observar que negligências e omissões de pessoas ou de instituições, muitas vezes, são justificadas com base nesses mitos. Ressalte-se que ainda está muito presente em nossa cultura, a legitimização das agressões e a “culpabilização” da mulher.
É necessário refletir se mitos reforçam preconceitos e estereótipos de gênero. Qual o perfil dominante que se espera do homem e da mulher em nossa cultura? Mitos reforçam preconceitos e estereótipos de gênero. Qual o perfil dominante que se espera do homem e da mulher em nossa cultura? Homem: forte, trabalhador, racional, objetivo, responsável e provedor? Meninos ‘gostam’(?) de brincar de carrinho, de luta e de futebol? Meninas ‘gostam’(?) de brincar de boneca e de casinha? Mulher: amável, fiel, sincera, sensível, compreensiva, companheira e sabe cuidar de si e do outro?... Isto não é bom para os dois gêneros? Será que nós mulheres, muitas vezes, na criação dos filhos, estamos reforçando estes estereótipos e contribuindo para a formação de homens agressivos?
E temos mais: muitas vezes ocorre a legitimação da violência de gênero que é atribuída ao comportamento provocativo e sedutor da mulher; a mulher ouve - “mereceu” o abuso; “você não sabia que ele era assim?”; “isso é normal”; “é natural”. Assim, continuamos a culpar a mulher, quando o foco deveria ser o crime.
As pesquisas, os dados deverão subsidiar as políticas públicas que necessitam incluir múltiplas ações educativas e culturais que interfiram nos padrões sexistas, pois as mudanças de posturas quanto aos direitos humanos das mulheres não são consequência automática da sociedade democrática.
Estes dados e pesquisas poderão ainda sensibilizar os agentes públicos que intervêm nesta seara, que poderão compreender também a necessidade de ações de responsabilização do autor da agressão, com as necessárias medidas socioterapêuticas de ressocialização(devido à reincidência específica), de modo que se possam amarrar os elos dessa rede, para que as intervenções não sejam apenas pontuais.
A questão - repita-se - é de suma complexidade; não sendo possível admitir-se a simplificação da matéria – os dados e pesquisas são fundamentais para darem suporte a políticas públicas integrais, se quisermos efetivamente a redução da violência doméstica e familiar contra a mulher.
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