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Justiça Catarinense amplia reconhecimento de paternidade extraprocessual
O reconhecimento de paternidade voluntário, sem a necessidade de uma ação judicial, aumentou 50% no último ano na cidade de Lages, em Santa Catarina, em relação a 2014. No ano passado, foram 363 atendimentos e 119 reconhecimentos na região. O reconhecimento voluntário e o exame de DNA, oferecido gratuitamente, são frutos da ação do Instituto Paternidade Responsável, uma Organização não Governamental (ONG) que surgiu em 2004, por iniciativa da magistratura local, com o objetivo de reduzir os processos de investigação de paternidade que costumavam tramitar por anos nas comarcas do Estado de Santa Catarina.
O reconhecimento de paternidade foi facilitado pelo provimento nº 16/2012 da Corregedoria Nacional de Justiça, que institui um conjunto de regras e procedimentos para agilizar esse tipo de demanda. A iniciativa de Lages está alinhada com o “Programa Pai Presente”, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que facilita o reconhecimento de paternidade no país. O programa é atualmente coordenado pelas Corregedorias dos Tribunais de Justiça e em cinco anos de existência possibilitou mais de 40 mil reconhecimentos espontâneos.
O laboratório de DNA de Lages realiza o exame gratuitamente para todo o Estado. Em 2015, 70% dos exames tiveram resultado positivo para paternidade e 30% negativo. As mães, crianças e adolescentes atendidos pela ONG passam por uma equipe multidisciplinar de acolhimento, para que forneçam os dados do suposto pai. Os encontros acontecem em uma sala de conciliação, sob sigilo absoluto.
O instituto também realiza trabalho de apoio psicológico e de conscientização do pai em relação à importância da paternidade. Em 70 casos, no ano passado, o reconhecimento ocorreu de forma voluntária. Em outros 49, o ato foi possível após resultados positivos de exames de DNA. Com o respaldo da Vara de Fazenda Pública de Lages, o Instituto Paternidade Responsável também realiza ações preventivas em escolas, por meio de apresentações teatrais.
A oficial de registro, Márcia Fidelis, da cidade de Mateus Leme (MG), membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), explica que facilitar os procedimentos para o estabelecimento da filiação é uma necessidade diretamente vinculada à crescente evolução do Direito das Famílias. Segundo ela, ainda na década de 1980, o estabelecimento da paternidade dos filhos havidos fora do casamento, os chamados à época filhos ilegítimos, seguia procedimentos voltados à proteção da família patriarcal matrimonializada. “Com o advento da Constituição Federal de 1988 e a proibição da discriminação de pessoas em razão da origem da sua filiação, a pessoa humana passou a ser individualmente observada na comunidade em que vive, independentemente de sua relação familiar. Essa nova realidade está, até hoje, sendo gradualmente inserida na sociedade e sua observância vem sendo facilitada por regras procedimentais que facilitam o exercício da cidadania de forma digna”, observa.
Márcia Fidelis esclarece que o reconhecimento espontâneo de paternidade, independentemente de interferência judicial, é uma prerrogativa disciplinada pela Lei Federal nº 8.560, de 29 de dezembro de 1992. “O CNJ, com o provimento 16/2012, uniformizou os procedimentos e divulgou na imprensa, de forma ampla, as facilidades dispostas em lei para a inclusão da paternidade. Trouxe também, como novidade, a possibilidade de indicação do suposto pai ao juiz da comarca para averiguação oficiosa da paternidade, a qualquer tempo, e não apenas no momento da lavratura do registro de nascimento. Desde o advento da Lei nº 8.560/92, os Cartórios de Registro Civil das Pessoas Naturais já incluíam a paternidade nos registros de nascimento, a requerimento dos interessados, sem o intermédio de ordem judicial. O provimento 16/2012 do CNJ, porém, inovou, dispensando também a manifestação do representante do Ministério Público, exigida pelo artigo 97 da Lei Federal 6.015/73 e, ainda, estabelecendo a obrigatoriedade de cada cartório receber os reconhecimentos de paternidade e encaminhar para o cartório de origem do registro. Neste caso, o pai, acompanhado de seu filho maior, ou da mãe de seu filho menor, pode, a qualquer tempo, comparecer ao cartório mais próximo de sua residência e solicitar a inclusão da paternidade no registro. O procedimento é concluído em poucos minutos na maioria dos cartórios, quando o pai comparece ao próprio cartório onde foi lavrado o registro. Se em outro cartório, os documentos são enviados por via postal para a devida averbação da inclusão de paternidade no registro de nascimento”, lembra.
Segundo Fidelis, a interveniência do poder judiciário na demanda vai de encontro aos interesses de pessoas que necessitam ter estabelecida a sua filiação completa. "O procedimento não é célere, é mais trabalhoso e, na maioria das vezes, mais caro. Ademais, o Judiciário deveria ser reservado para demandas onde há litígio. Se há consenso entre as partes interessadas, não há porque submeter a causa ao caminho mais moroso. De toda forma, expedido o mandado judicial determinado por sentença, o interessado deverá encaminhá-lo ao cartório responsável pela lavratura do registro de nascimento para a devida averbação. Em termos de procedimento registral, não há diferença, nem de tempo nem de emolumentos, para a averbação de um Termo Particular de Reconhecimento de Paternidade (preenchido diretamente no cartório) ou de um Mandado Judicial de Averbação de Inclusão de Paternidade (após procedimento judicial)”, orienta.
Ela ainda afirma que as entidades apoiadoras, como a de Lages/SC, são de grande importância, pois fazem a captação das pessoas que necessitam do atendimento, encaminham ao teste de DNA e providenciam documentos, ou seja, direcionam os recursos que recebem, muitas vezes da iniciativa privada, para causas sociais. “Em Belo Horizonte temos um trabalho similar, também da iniciativa de um magistrado, Fernando Humberto dos Santos: o Centro de Reconhecimento de Paternidade”, argumenta.
Para Daniela Mroz, registradora civil de pessoas naturais em São Paulo, os números são significativos. Ela afirma que, conforme as estatísticas apresentadas, a implantação do programa tornou possível que mais de 40 mil crianças fossem reconhecidas de modo espontâneo por seus pais. “Somente em 2015, em quase 60% dos casos o pai aceitou a indicação da paternidade sem a necessidade de se submeter a exame de confirmação por meio de um laboratório. Os números só confirmam que o programa traz inúmeros benefícios a toda a população e facilita a inclusão da paternidade no registro das crianças, o que antes dependia única e exclusivamente de um processo muito mais lento e burocrático perante as justiças de cada estado”, disse.
De acordo com a oficial registradora, a investigação de paternidade é regida primordialmente pelo Código Civil e pela lei nº 8.560/1992, que regulamenta a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento. “Assim, o legitimado para propor a ação deve fazê-lo perante o foro competente e a ação seguirá seus trâmites, que poderá ser mais ou menos longo dependendo do grau de resistência que encontrar na parte opositora e do tempo que se levar na realização no exame de DNA (caso ele seja requisitado). Temos notícias de que, em alguns estados, o exame pode demorar até um ano para ser realizado pela rede pública. Assim, o processo de investigação de paternidade judicial pode levar alguns anos para se findar”, esclarece.
Conforme Daniela Morz, o provimento 16/2012 permite que o reconhecimento seja feito administrativamente no próprio Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais de modo espontâneo pelo pai da criança e a nova certidão constando o nome do pai já é entregue no mesmo momento ou em até no máximo cinco dias. “Caso o pai não reconheça esta criança espontaneamente, a mãe da criança ainda pode apontar, nos termos do mesmo provimento, o nome do pai da criança, permitindo que ele assuma a paternidade perante o juiz corregedor competente, também de modo espontâneo. Caso o faça, do mesmo modo a inclusão de seu nome ocorrerá também rapidamente, fazendo com que essa criança passe a contar com o nome de ambos os genitores em sua certidão e deixe de se envergonhar por não ter um pai”, completa.
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