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Comissão da Câmara dos Deputados aprova Projeto que cria Cadastro Nacional de Pedófilos
No último mês, a Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado aprovou, com emenda, o Projeto de Lei (PL) 629/15, do deputado Vitor Valim (PMDB-CE), que cria o Cadastro Nacional de Pedófilos, com o objetivo de reunir informações de condenados pelo crime de pedofilia.
De acordo com o autor, o cadastro não gerará custos e vai ajudar no combate à prática da pedofilia no País. Conforme o Projeto, o cadastro será mantido pelo Ministério da Justiça, que já opera a Rede de Integração Nacional de Informações de Segurança Pública, Justiça e Fiscalização (INFOSEG) – banco de dados sobre segurança pública.
O relator na Comissão, deputado José Priante (PMDB-PA), disse que o cadastro preenche uma lacuna nas políticas voltadas para a repressão aos crimes sexuais praticados contra crianças. Ainda segundo o relator, facilitará o trabalho dos órgãos responsáveis pelo controle penal desses criminosos.
Ao recomendar a aprovação do Projeto, Priante acolheu sugestão de outros deputados e emendou o texto para excluir do Projeto a expressão “suspeitos”, por considerar que somente o nome de condenados deve constar do cadastro proposto. O Projeto ainda será analisado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.
O juiz Elio Braz Mendes, professor de Direito da Infância e Juventude da Escola Superior da Magistratura de Pernambuco (ESMAPE) e membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), observa como inapropriada a criação de um cadastro sobre pessoas que sofrem de transtorno de comportamento sexual para fins de política criminal ou policial, sem antes existir um tratamento conceitual e científico sobre essas mazelas e suas decorrentes variáveis comportamentais. “O estado não tem como evitar o acesso incorreto dessas informações e redundar em prejuízo das pessoas consideradas pedófilas. Antes, é preciso desenvolver políticas de saúde mental para atender as pessoas e as famílias que sofrem com este problema de saúde, para depois preparar equipes no Poder Judiciário e na polícia capazes de conduzir as dinâmicas familiares e seus agressores, para que a responsabilização criminal ocorra em compasso com o tratamento médico e psiquiátrico”, argumenta.
Segundo o juiz, o projeto parece ser apenas de caráter punitivo e policialesco, sendo preparatório para as distorções que uma informação de tal natureza poderia provocar na vida de um agressor e de sua família. “É preciso discernir o criminoso sexual do pedófilo, pois nem todo pedófilo é criminoso sexual e nem todo criminoso sexual é pedófilo. Enfim, tal Projeto serviria apenas para aumentar o ódio e o preconceito contra as pessoas. Ademais, a nossa polícia não tem equipes interdisciplinares para atendimento especializado e definir quem é pedófilo ou não. Para isso, faz-se necessário um atendimento de especialista e com tempo para um diagnóstico preciso. Sou contrário à criação de um cadastro desta natureza”, conclui.
Outras visões - Para a advogada Melissa Barufi, presidente da Comissão da Infância e Juventude do IBDFAM, a intenção primeira do legislador parece ser a de regulamentar mais uma via que, se efetivada, poderá aumentar a proteção contra a exploração sexual - abuso de alto índice praticado contra as crianças e os adolescentes. “O Projeto de Lei nº 629/2015, de autoria do Deputado Vitor Valim, tem por objetivo a criação de cadastro nacional de pedófilos. Busca reunir informações de condenados pelo crime de pedofilia, auxiliando o trabalho dos órgãos responsáveis no combate à prática de pedofilia no país e no exterior. Trata-se de ferramenta a ser mantida pelo Ministério da Justiça, que já opera, em nível nacional, através do sistema de informações INFOSEG - Integração das Informações de Segurança Pública, Justiça e Fiscalização. A importância do projeto é reunir informações relativas a condenados pelo crime de pedofilia. Pode ser considerada como mais uma ferramenta de controle aos crimes virtuais praticados em face de crianças e adolescentes. É de ressaltar que a pornografia infantil, segundo relato do autor do referido PL, é considerada um dos crimes virtuais mais denunciados no Brasil”.
Melissa Barufi ainda fala sobre a necessidade de maiores informações sobre o projeto e as pessoas que terão acesso aos dados resultantes. “Nos EUA, as informações reunidas dos pedófilos são abertas a qualquer cidadão. Há um site (https://www.nsopw.gov/pt/Registry) onde é possível consultar todos os dados de agressores sexuais registrados. Já na Califórnia, por exemplo, os agressores sexuais não podem viver a 0,6 km de escolas ou parques infantis. Em algumas cidades desse estado, essas pessoas não podem frequentar parques públicos ou praias. No Brasil, o assunto já vem sendo enfrentado. O primeiro estado brasileiro a enfrentar o tema do cadastro foi São Paulo, através da 4ª Delegacia de Repressão à Pedofilia. Suspeitos envolvidos em casos de violência sexual desde 2011 foram registrados em um sistema da delegacia. E o segundo é o estado de Mato Grosso, que permite a verificação livre do nome e da foto do criminoso já condenado, até que ele obtenha a reabilitação judicial. A Secretaria de Segurança Pública (SESP) é a responsável pela criação e atualização do sistema”, comenta.
A advogada explica que é possível verificar que o Brasil está seguindo uma tendência diferente dos Estados Unidos, pois os dados dos condenados somente serão mantidos no sistema até que ele cumpra a pena determinada judicialmente. “E não poderia ser diferente, porque não seria permitido, uma vez que manter os dados no cadastro, mesmo depois de obter a reabilitação, seria inconstitucional. A Constituição Federal de 1988 veda penas perpétuas no Brasil. Porém há registros na psicanálise de que pedofilia não tem cura. Mas esses mesmos estudos também dizem que há tratamento visando controlar fantasias e comportamentos parafílicos; b) controlar o impulso e as urgências sexuais; c) diminuir o nível de estresse e prejuízo dos pacientes com parafilias. Portanto, acreditamos que políticas públicas de prevenção, diagnósticos e tratamentos preventivos, bem como a inclusão social, o fortalecimento da rede de proteção para que realmente esteja capacitada, organizada, preparada e ágil no enfrentamento destas violências, são medidas importantes e necessárias para tentar frear esse tipo de violência”, afirma.
Conforme Melissa Barufi, mesmo que se saiba que em dois estados brasileiros já existe esse tipo de cadastro, ainda não há retorno sobre o uso do mesmo. “Não sabemos se haverá profissionais capacitados para criação e manutenção do cadastro em todo território brasileiro; não sabemos se a publicização dessas informações não será uma afronta aos princípios constitucionais e penais; não sabemos se haverá sopesamento entre os princípios que protegem os réus que cumpriram suas penas e o princípio da proteção integral da criança e do adolescente, o que nos leva a crer que, se a criança e o adolescente devem ser prioridade, será feita a publicização desse cadastro para que os adultos próximos do agressor possam proteger as suas crianças. Enfim, não sabemos como será a aplicação de tal cadastro. E assim, enquanto não for prioridade efetivar leis já existentes e que o legislador passe a ter responsabilidade na efetivação da lei que propõe, infelizmente não estaremos avançando na proteção de nossas crianças e de nossos adolescentes. Não se pode acreditar que com a aprovação de uma lei o problema está solucionado. Caso fosse assim, não precisaríamos de leis infraconstitucionais para preservar a vida com dignidade humana, dando prioridade absoluta aos vulneráveis”, assevera.
Por fim, Melissa Barufi menciona uma passagem do livro “O Tempo na Justiça”, da advogada Andréa Pachá, que expõe: “o ideal é que fôssemos mais responsáveis e consequentes no momento em que os direitos são positivados. O grande problema é criar a expectativa de um Direito que não chega e imaginar que, com mais leis, resolveremos as demandas. Direito no papel, expectativa no papel, Justiça no papel, revogação e limitação dos direitos no papel. Frustração em carne viva. A realidade e a política caminhando em mundos paralelos, com pouca probabilidade de um encontro no infinito”, cita.
A promotora de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Maria Regina Fay de Azambuja, vê a medida como positiva, pois, segundo ela, na medida em que se cria mais um instrumento que contempla informações relevantes sobre pessoas condenadas pelo crime de pedofilia, se torna mais fácil e ágil a troca de informações, inclusive com outros países. “Sabemos que a atuação desse tipo de criminoso não se restringe ao âmbito brasileiro. Assim, além de agilizar o processo de identificação dos criminosos, a presente medida também objetiva reduzir o número de delitos praticados contra crianças e adolescentes”, afirma.
Maria Regina Fay de Azambuja explica que este projeto de lei pode evitar a reincidência da atuação dos pedófilos, agilizar o processo de identificação dos criminosos, racionalizar e agilizar a ação das autoridades e a troca de informações e inibir a atuação dos criminosos, bem como do crime virtual organizado.
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