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Direitos das pessoas Trans chegam à pauta do STF
Mais de 700 processos sobre o assunto estão interrompidos aguardando a decisão da Corte
Na última semana, o Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 845779 sobre o direito de transexuais serem tratados socialmente de acordo com sua identidade de gênero. A decisão vai afetar os demais processos acerca do tema.
O recurso discute a reparação de danos morais a transexual que teria sido constrangida por funcionário de um shopping center em Florianópolis (SC) ao tentar utilizar banheiro feminino. No caso, o funcionário forçou a retirada com o argumento de que a presença da pessoa transexual causaria constrangimento. O Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) entendeu que, no caso, não houve dano moral.
Transformação cultural é remédio contra discriminação
O relator do processo, ministro Luís Roberto Barroso, explicou que os transexuais, que estão incluídos no grupo dos transgêneros, constituem um grupo de pessoas que se identificam com o gênero oposto ao seu sexo. “O transgênero é alguém cuja identidade pessoal e autopercepção não correspondem ao seu sexo biológico”, disse.
Ele destacou que os transexuais são uma das minorias mais marginalizadas e estigmatizadas da sociedade e ilustrou a gravidade do problema ao observar que o Brasil é o líder mundial de violência contra trangêneros. Segundo o ministro, a expectativa de vida de um transexual no país é de 30 anos, menos da metade da média nacional, que é de 75 anos, além de apresentar dificuldade de conseguir trabalho formal.
“O remédio contra a discriminação das minorias em geral, particularmente dos transgêneros, envolve uma transformação cultural capaz de criar um mundo aberto à diferença, onde a assimilação aos padrões culturais dominantes ou majoritários não seja o preço a ser pago para ser respeitado”, ressaltou. O ministro avaliou que o tema não é simples no debate mundial, uma vez que diz respeito à igualdade na dimensão do reconhecimento e está relacionada à aceitação de quem é diferente “de quem foge ao padrão, de quem é historicamente inaceito pela ideologia e pelos modelos dominantes”.
Para ele, “destratar uma pessoa por ser transexual – destratá-la por uma condição inata – é a mesma coisa que a discriminação de alguém por ser negro, judeu, mulher, índio ou gay. É simplesmente injusto; quando não, manifestamente perverso”.
Para ele, é papel do Estado, da sociedade e de um tribunal constitucional, em nome do princípio da igualdade, “restabelecer ou proporcionar na maior extensão possível a igualdade dessas pessoas, atribuindo o mesmo valor intrínseco que todos temos dentro da sociedade”. Segundo o relator, é necessário o reconhecimento do direito fundamental dos transexuais de serem tratados “como pessoa, com respeito à sua identidade, que não é produto de escolha, mas é fenômeno da natureza”.
O julgamento foi interrompido pelo pedido de vista do ministro Luiz Fux.
Julgamento emblemático
Para a advogada Patrícia Gorisch, presidente da Comissão Nacional de Direito Homoafetivo do IBDFAM, por ser de repercussão geral, o julgamento é “emblemático”.“Pela primeira vez, o STF discute os direitos dos transgêneros. No atual momento de intolerância e radicalismo religioso contra os LGBTI, ter este caso na Corte maior sob a ótica da identidade de gênero é histórico e de suma importância”, diz.
Ela considera importante a aprovação de uma legislação que assegure e promova os direitos das pessoas trans, que, segundo ela, são as que sofrem mais com preconceito e discriminação.
“O Brasil hoje é o país que mais mata transexuais nas Américas (de acordo com o relatório da OEA/2014) e um dos que mais mata no mundo. Garantir direitos é o mínimo que o Estado brasileiro tem que fazer. Se uma pessoa transexual não consegue ir ao banheiro, fica impedida de estudar, trabalhar e fazer coisas cotidianas. Isso é um absurdo e devemos mudar tal situação”, diz.
Patrícia cita a experiência de um estabelecimento na cidade de Santos (SP). O local, segundo ela, tem apenas um banheiro com três cabines individuais, mas sem indicação de sexo. “Em um mundo com iguais direitos, não teríamos a necessidade de termos dois banheiros: bastaria um com portas, para manter a privacidade. Há um lugar aqui em Santos que respeita todas as diversidades e nunca teve qualquer problema com relação a uso de banheiro”, diz.
Outros processos
Patrícia acredita que os votos dos ministros Fachin e Barroso sinalizam para um desfecho em favor da transexual. “Os votos dos Ministros Fachin e Barroso foram essenciais para humanizar a questão. Parece estranhopara alguns, mas nenhuma transexual pensa em outra coisa ao entrar no banheiro que não seja para fazer as suas necessidades fisiológicas - como qualquer outra pessoa”, diz.
Mas os votos desses ministros já sinalizam para o desfecho de outros processos que ainda serão levados ao plenário do STF. Dentre eles, o Recurso Extraordinário (RE 670422), sob a relatoria do ministro Dias Toffoli, que vai decidir se os transexuais têm direito de mudar o nome no registro de nascimento, mesmo que ainda não tenham se submetido à cirurgia de redesignação sexual.
Atualmente, a falta de regra divide os Tribunais, com decisões que admitem a possibilidade e outras que condicionam a alteração do nome à realização da cirurgia.O IBDFAM vai atuar junto ao STF na qualidade de amicus curiae (amigos da corte) no julgamento deste caso.
Marco Aurélio Mello, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin já indicaram que votarão contra a necessidade de uma pessoa se submeter à cirurgia de mudança de sexo para alterar o prenome e o gênero na carteira de identidade.
O ministro Marco Aurélio classificou a cirurgia de redesignação como “mutilação”. O ministro Fachin disse que a exigência de cirurgia para mudança de gênero é grave violação ao direito dos transexuais.
“Por coincidência, já consta de meu voto – e se isso representar alguma antecipação de posicionamento, serei, quando menos, fiel ao que aqui já constava.Estou assentando à página sete do meu voto que não se afigura correto – em meu sentir – condicionar o reconhecimento da identidade de gênero à realização de eventual cirurgia de redesignação, pois isso repercutiria como a segunda e grave violação a ensejar também dano moral”, afirmou o ministro Edson Fachin.
O IBDFAM defende que a cirurgia de mudança de sexo é uma escolha, e não uma imposição, visto que a vontade de alteração do sexo independe de cirurgia da transgenitalização, pois envolve fatores psíquicos, devendo prevalecer a busca pela felicidade, privacidade, não intervenção estatal, intimidade, igualdade, autodeterminação e liberdade em prol do moralismo e do conservadorismo, que já evidenciaram diversas injustiças. Não há previsão de quando será o julgamento do recurso.
Acesse o voto do ministro Edson Fachin.
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