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STF aprova a remoção de termos homofóbicos do Código Penal Militar
No dia 28 de outubro, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que termos preconceituosos contra homossexuais devem ser removidos do Decreto-Lei nº 1.001/1969 (Código Penal Militar). Essa medida era defendida pela Advocacia-Geral da União (AGU) e durante a decisão a maioria dos ministros decidiu retirar do texto original as expressões ‘homossexual ou não’ e ‘pederastia’, por considerá-las discriminatórias e homofóbicas; mas foi mantida a pena de seis meses a um ano de prisão para prática de ato libidinoso por integrantes das Forças Armadas durante suas atividades.
O artigo 235 do Código tipificava como crime a ‘pederastia ou outro ato de libidinagem’, punindo com pena de detenção de seis meses a um ano o militar que praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso, homossexual ou não, em lugar sujeito à administração militar. A norma foi questionada por ação da Procuradoria-Geral da República (PGR), que pediu para que o dispositivo fosse considerado inconstitucional.
No entanto, a Advocacia-Geral da União defendeu que a solicitação fosse apenas parcialmente acolhida. De acordo com a Advocacia-Geral, o dispositivo não deveria ser declarado inválido como um todo, uma vez que a proibição da prática de atos libidinosos tem como objetivo assegurar que as instalações militares estejam integralmente voltadas à execução das finalidades próprias às Forças Armadas. Além disso, ela preserva a ordem, hierarquia e disciplina militares, fundamentos indissociáveis do funcionamento das Forças Armadas e resguardados pelo próprio texto constitucional. Por outro lado, a AGU defendeu que o uso das expressões ‘pederastia’ e ‘homossexual ou não’ é desnecessário e confere à norma conteúdo discriminatório, incompatível com os princípios constitucionais da igualdade, da liberdade, da dignidade da pessoa humana e da pluralidade. Segundo os advogados públicos, a supressão dos termos em nada alteraria o âmbito do tipo penal em exame, que abrange a prática de todo e qualquer ato libidinoso praticado em área sujeita à administração militar.
A AGU ainda lembrou que o próprio STF já reconheceu a validade jurídica de uniões homoafetivas e que o direito à preferência sexual decorre do princípio da dignidade humana. Por oito votos a dois, o plenário do STF concordou com a tese da Advocacia-Geral e decidiu pelo acolhimento parcial da ação, para que o dispositivo legal questionado fosse mantido no ordenamento jurídico, mas com a exclusão dos termos preconceituosos.
A maioria dos ministros decidiu manter o entendimento de que um militar, homem ou mulher, flagrado em ato considerado libidinoso durante o cumprimento de suas atividades, pode ser punido criminalmente. O ministro Marco Aurélio ressaltou que o STF tem atuado com muita moderação quando está em jogo a disciplina normativa militar, destacando que o artigo 235 do Código Penal Militar visa proteger a administração militar, a disciplina e a hierarquia. Contudo, segundo ele, as expressões ‘pederastia’ e ‘homossexual ou não’, constantes no tipo penal, ofendem direitos fundamentais.
O ministro Luís Roberto Barroso, relator do processo, apresentou voto, inicialmente, pela integral procedência do pedido da Procuradoria-Geral da República. Contudo, a maioria dos ministros entendeu que o tipo penal deveria ser mantido, desde que invalidadas as expressões ‘pederastia ou outro’ e ‘homossexual ou não’, constantes no tipo penal, uma vez que têm caráter discriminatório. Com isso, o relator se alinhou ao entendimento majoritário, votando pela parcial procedência da ação.
Para a advogada Marianna Chaves, diretora do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), a manutenção do tipo configura uma criminalização excessiva. “Penso que a prática de atos libidinosos, ainda que em ambiente militar, não deveria ser considerada como crime, mas uma infração de natureza administrativa. Essa norma - edificada em um cenário de ditadura - busca fazer uso do Direito Penal para penalizar atos de caráter sexual consensuais entre pessoas adultas. Tal dispositivo não objetiva salvaguardar a integridade física ou moral das pessoas e não há a configuração de abuso de uma pessoa sobre a outra. Pode-se considerar que relações sexuais em um ambiente militar - assim como em qualquer ambiente de trabalho de maneira geral - é uma prática imprópria, mas penso que a manutenção da criminalização, nos dias atuais, é um exagero, mesmo diante de toda a severidade, rigor e disciplina que norteiam as instituições militares. Dito de outra forma, a sanção me parece descomedida”, comenta.
Para a advogada, a decisão deve ser vista com bons olhos pela população LGBTI. Segundo ela, o artigo em causa foi criado, sem sombra de dúvidas, para coibir as relações homossexuais dentro das Forças Armadas. “Bastava a leitura dos verbetes ‘pederastia’ e ‘homossexual’ que constavam na redação do dispositivo para perceber o que efetivamente visavam reprimir e punir: as relações sexuais entre homens (que ainda hoje são a larga maioria) dentro no ambiente militar. Ao se suprimir esses elementos da redação do artigo, se afasta uma punição claramente discriminatória e preconceituosa dirigida aos homossexuais e se passa a punir - repito, de forma excessivamente severa - as relações sexuais entre pessoas - hétero ou homossexuais - dentro do ambiente militar”, disse.
De acordo com Marianna Chaves, saímos de um contexto de afronta à dignidade humana, à igualdade e à liberdade dos homossexuais para um contexto de repressão ao livre exercício da sexualidade de todas as pessoas nas instituições militares. “A medida - autoritária ou não; desmedida ou não - se aplica igualmente a todos os pares, hétero ou homossexuais. Nesse sentido, deve-se celebrar. Mas há que se continuar o debate. Talvez tenhamos perdido uma boa oportunidade de transferir a criminalização de uma conduta consensual e entre adultos de uma esfera penal para uma repressão através do sistema administrativo-disciplinar das Forças Armadas”, conclui.
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