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Desabafo: Família é no plural
Parecia uma quinta feira normal como qualquer outra, o beijo na cabeça do filho ao deixá-lo na escola. O sorriso dos que dizem até logo a sua família na saída para mais um dia de trabalho. O trânsito, a rotina (...) Poderia ser mais um dia em que “as famílias” se reuniriam em casa ao final de um longo dia. Mas algo mudou neste 24 de setembro, o Brasil levantou a bandeira do retrocesso.
O que era definido como família até esta tarde, já não o é ao cair da noite. Foi o que decidiu a comissão especial do Estatuto da Família, após quase cinco horas de discussão, ao aprovar a redação do Projeto de Lei nº 6583/2013, que define a família como “o núcleo formado a partir da união entre um homem e uma mulher”. O texto foi aprovado com 17 votos favoráveis e apenas cinco contrários (deputados do PT, PCdoB, PTN e PSol), houve tentativa de adiar a discussão da matéria, mas nada adiantou[1].
A família brasileira acaba de entrar na contramão do princípio basilar de sua constituição. A Dignidade da Pessoa Humana acaba de ser negada por um colegiado de políticos que foram eleitos para representar os interesses de seu povo. E o Povo do Brasil é um universo em diversidade, existem sim várias famílias que merecem e têm direito ao reconhecimento e proteção do Estado. No entanto, com tantos problemas que nos acometem neste País em crise: a corrupção, o colapso econômico... A Câmara dos Deputados resolveu por negar a base do equilíbrio de qualquer sociedade: a família.
E agora? O que fazer com o grito contra o preconceito, com o conclame da inclusão social, dos direitos de liberdade e igualdade? O que vamos dizer as famílias constituídas por avós e netos, tios e sobrinhos, filhos adotados e pessoas do mesmo sexo? O que restará da vanguardista decisão (ADI n° 4277 e ADPF n° 132) do STF – guardião de nossa Constituição - e seus consequentes avanços inclusivos? Não nos esqueçamos do brilhante voto do Ministro Ayres Britto ao atribuir interpretação conforme a Constituição ao art. 1723 do Código Civil, com o fim de excluir qualquer interpretação que prejudique o reconhecimento da união “contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como “entidade familiar”, entendida esta como sinônimo perfeito de “família”.” Explicando que “o sexo das pessoas, salvo expressa disposição constitucional em contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica.[2]”
O que ocorreu nesta quinta feira de setembro de 2015 não foi apenas lamentável, mas inconstitucional. Nesse mesmo sentido foi o “MANIFESTO PELA GARANTIA DE DIREITOS PARA TODOS OS TIPOS DE FAMÍLIA”, assinado por mais de 60 entidades e entregue neste ultimo dia 23/09/15 ao Congresso Nacional:
“O PL, assim como seu substitutivo, ao restringir o conceito de família desconsidera os vínculos socioafetivos, e, consequentemente, afeta o acesso dessas famílias às políticas sociais governamentais consolidadas pelo Sistema Único de Assistência Social (SUAS), como por exemplo Bolsa Família, Minha Casa, Minha Vida, Cisternas, Projovem, Tarifa Social para Energia Elétrica e Telefonia, Prouni, Isenção de Taxa em Concursos Públicos, entre outros. O Plano Nacional de Assistência Social – PNAS - preconiza a “centralidade na família para concepção e implementação dos benefícios, serviços, programas e projetos” (Diretrizes PNAS, IV)[3]”
Não se pode afirmar que este PL nº 6583/2013 é um “Estatuto da Família”, mas contra todas as famílias que compõe a nossa nação. Uma coisa é certa: Essa luta ainda não acabou! E ela é de todos que prezam por um mundo melhor, com mais igualdade e humanidade, pois familia é definitivamente o lugar onde existe amor.
Patrícia K. D. Ciríaco[4].
1http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/DIREITOS-HUMANOS/496852-COMISSAO-APROVA-DEFINICAO-DE-FAMILIA-COMO-UNIAO-ENTRE-HOMEM-E-MULHER.html
[2] STF – Pleno, ADPF-132, ADI 4277/DF, Rel. Min. Ayres Britto, DJ-e 13/10/2011, p. 625-656.
[3]http://www.ibdfam.org.br/noticias/5776/Entidades+lan%C3%A7am+manifesto+pela+garantia+de+direitos+para+todos+os+tipos+de+fam%C3%ADlia%22
[4] Advogada, membro do conselho Jovem da OAB-Ce. Sócia da Ciríaco & Oliveira Advogados. Mestre em Ciências Jurídico-Políticas (Menção em Direito Constitucional) pela Universidade de Coimbra, PT. Pós- graduada em Direito de Família e Sucessões pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus- SP. Graduada em Direito pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Membro das Comissões de Direito de Família e da Comissão de Combate a Homofobia e Proteção da Diversidade Sexual (CCHPDS) da OAB-Ce. Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Membro parecerista do corpo editorial da Revista Jurídica da Procuradoria-Geral do Distrito Federal. Professora de Direito Civil. Autora de Livro e Artigos Científicos.
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