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Lei Maria da Penha completa nove anos
No dia 7 de agosto, a Lei 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, completa nove anos. A norma inovou no cenário jurídico brasileiro ao estabelecer proteção integral à mulher vítima de violência.
Para Adélia Moreira Pessoa (SE), presidente da Comissão de Gênero e Violência Doméstica do IBDFAM, a norma representou substancial avanço para o enfrentamento à violência contra a mulher. Ela explica que a Lei é de caráter protetivo (atenção à vítima) e de intervenção (educação e reabilitação de agressores). Além disso, representa o reconhecimento da violência contra as mulheres como “problema de múltiplas dimensões que não pode ser tratado apenas como problema de justiça criminal”, diz.
O caso Maria da Penha – Em 1983, o professor colombiano Marco Antonio Heredia Viveros, marido de Maria da Penha Maia Fernandes, tentou matá-la duas vezes. Na primeira vez atirou simulando um assalto, e na segunda tentou eletrocutá-la. Por conta das agressões sofridas, Penha ficou paraplégica. Após a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA acatar denúncias do caso, recomenda ao Estado Brasileiro a resolução do caso, e em 2001 condena o Brasil a pagar uma indenização a Maria da Penha e responsabiliza o País por negligência e omissão em relação à violência doméstica.
Nessa época, a maioria das ações criminais por violência doméstica corria nos juizados especiais criminais, pois a Lei 9.099/95 considerou este tipo de crime como “de menor potencial ofensivo”, ou seja, aqueles com pena máxima de 1 ano. Eram admitidas a transação penal e a composição para estes crimes, que resultavam em renúncias tácitas e extrajudiciais; arquivamento liminar de mais de 90% das notícias de violência doméstica; conciliações e cestas básicas. Em 7 de agosto de 2006, após 20 meses de tramitação no Congresso Nacional, a Presidência da República sanciona a Lei Maria da Penha, inaugurando um novo capítulo na luta pelo fim da violência contra as mulheres.
Adélia Moreira explica que a Lei pretende estabelecer uma rede de proteção à mulher calcada em políticas públicas específicas, numa perspectiva tanto preventiva quanto punitiva da violência de gênero, dando maior vigor ao combate à violência contra a mulher. “Assim sendo, depois de estabelecer disposições preliminares acerca dos direitos humanos das mulheres, traz uma definição do que é a violência doméstica e familiar contra a mulher, fixando, portanto, sua abrangência: “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, seguindo com definições técnicas do que seja âmbito doméstico, além das formas de manifestação dessas violências (física, psicológica, sexual, patrimonial e moral)”, diz.
Segundo Adélia, a Lei enumera as medidas integradas de prevenção e de assistência, quando a violência já não tenha podido ser evitada. Ressalta a possibilidade da vítima, iminente ou efetiva, de ser assistida com medidas protetivas de urgência deferidas pela autoridade judiciária e da obrigatoriedade de a autoridade policial encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde (onde receberá atendimento de urgência) e ao Instituto Médico Legal, onde se dará a coleta da prova material. Determina, ainda, a criação de equipes de atendimento multidisciplinar e faculta à União, Estados, Distrito Federal e Municípios a criação de serviços especializados como centros de atendimento integral e multidisciplinar, além de casas-abrigo para mulheres e seus dependentes, delegacias, defensorias públicas, serviços de saúde e centros de perícia médico-legal, programas e campanhas de enfrentamento e centros de educação e de reabilitação para os agressores.
“Em suma, a Lei comporta três eixos principais no enfrentamento da violência doméstica e familiar contra as mulheres: proteção e assistência; prevenção e educação; combate e responsabilização”, diz.
Segundo Adélia, no início de sua vigência, a Lei Maria da Penha encontrou resistência de muitos operadores de Direito, que a julgavam inconstitucional por tratar diferentemente violência contra a mulher/violência contra o homem. “Superada esta fase de contestação da Lei pelo vício de inconstitucionalidade, remanesce a convicção de que essa Lei era necessária. Hoje, o Supremo Tribunal Federal colocou um ponto final nesta discussão, com o importante julgamento da ADC19 e da ADI 4424, em fevereiro de 2012”, diz.
ADC19 – Nesta Ação Declaratória de Constitucionalidade o STF confirmou a constitucionalidade da Lei 11.340, por unanimidade. O STF explicitou que a Lei não ofende o princípio da isonomia ao criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, que é “eminentemente vulnerável quando se trata de constrangimentos físicos, morais e psicológicos sofridos em âmbito privado”.
“Os ministros consideraram que todos os artigos da Lei — que vinham tendo interpretações divergentes na primeira e segunda instâncias — estão de acordo com o princípio fundamental de respeito à dignidade humana, sendo instrumento de mitigação de uma realidade de discriminação social e cultural”, diz Adélia.
ADI 4424 –Nesta Ação Direta de Inconstitucionalidade o STF determinou que a ação penal com base na Lei Maria da Penha é pública e incondicionada e não pode ser julgada por juizado especial, como se fosse de “menor potencialidade ofensiva”, mesmo se tratando de lesão corporal leve.
Violência Doméstica em números –Após esses nove anos de vigência da Lei Maria da Penha, a violência contra as mulheres segue vitimando milhares de brasileiras. Dados da Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180, de 2014, revelam que 43% das mulheres em situação de violência sofrem agressões diariamente; para 35%, a agressão é semanal. Uma pesquisa do Instituto Avon, em parceria com o Data Popular, de novembro de 2014, apontou que 3 em cada 5 mulheres jovens já sofreram violência em relacionamentos.
Segundo dados do Ministério Público deste ano, a violência doméstica contra as mulheres no país gerou 306.653 mil inquéritos criminais em 2014 e esteve entre os três principais assuntos processuais em matéria criminal no Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sul do país. Além dos crimes de violência doméstica, aqueles contra a dignidade sexual também aparecem com destaque no levantamento do MP. Informações disponíveis em: Portal Compromisso e Atitude.
Segundo Adélia, após o advento da Lei Maria da Penha houve aumento de noticiamentos de violência doméstica. Isto porque ocorreu uma visibilidade maior da violência contra a mulher. “Entendo que as mulheres adquiriram mais coragem para denunciar e não mais se submeterem às violências há muito existentes. É preciso ter em mente que a mulher tem muitos obstáculos para denunciar a violência em seu lar - o maior deles é cultural”, diz.
Desafios – Para Adélia Moreira Pessoa, a superação da violência contra as mulheres está longe de ser alcançada. “Sem dúvida, um longo caminho já foi percorrido, mas se desenha no horizonte um longo caminho a percorrer, com múltiplos desafios. Nunca é demais enfatizar a distância entre o que está previsto nas normas e a realidade, e como é difícil superar a dificuldade e instabilidade das mulheres em situação de violência para denunciar e manter a denúncia; a falta de apoio efetivo para as mulheres em situações de violência, no âmbito privado e público; a incompreensão e a resistência de agentes sociais responsáveis pelos atendimentos e encaminhamentos; a falta de programa de atendimento ao homem autor da agressão, que retorna a esta prática, mesmo que em outra família, ocorrendo elevados índices de reincidência específica”, reflete.
Outro desafio, segundo ela, refere-se à necessidade de medidas de prevenção à violência contra a mulher. “Além disso, são necessárias políticas públicas mais consistentes em assistência social e saúde, visando à proteção à vítima e à família. Nesse passo, urge ainda sensibilizar todos os agentes públicos que intervêm nesta seara, inclusive do Sistema de Justiça, compreendendo também ações de responsabilização do autor da agressão, com as necessárias medidas sócio-terapêuticas de ressocialização, de modo que se possa amarrar bem os elos dessa rede para que as intervenções não sejam apenas pontuais”, diz.
Para ela, é necessário trabalhar competências e habilidades de comunicação e o protagonismo social da mulher, “ressaltando que a violência contra a mulher é violência contra a família, de modo transgeracional. Assim, as intervenções do Estado precisam ir muito além da responsabilização criminal do autor, enfatizando-se o exercício da cidadania das mulheres, as possibilidades de acesso à rede de serviços e à Justiça”, diz.
Adélia afirma que as discussões em face do tema perpassam pela necessidade do esforço conjunto e engajado de vários atores sociais, especialmente da família, da sociedade e do poder público. “Todos, indistintamente, precisam dar parcela significativa de vontade e de trabalho dedicado, a fim de contribuir efetivamente com a proteção à dignidade da mulher, direito à integridade física, moral, psicológica e sexual que está sendo cotidianamente vilipendiado”, diz.
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