Notícias
Comissão discute criação de lei sobre subtração de crianças
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e outras instituições discutiram, neste mês, a elaboração de anteprojeto de lei para regulamentar a atuação das autoridades brasileiras em casos de crianças que entram ou saem ilegalmente do território nacional, normalmente levadas por seus genitores. As discussões ocorrem na esfera da Comissão Permanente sobre Subtração Internacional de Crianças, coordenada pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR). O texto deve ser finalizado dentro de dois meses e assim será encaminhado pela Presidência da República ao Congresso Nacional.
Nas discussões sobre o anteprojeto de lei, o CNJ foi representado pelos conselheiros Saulo Casali Bahia e Guilherme Calmon, titular e suplente, respectivamente. No evento, Saulo Casali Bahia apontou que o Brasil ainda precisa regulamentar aspectos administrativos e judiciais para cumprir, de maneira padronizada, as duas convenções que tratam desses casos: a Convenção de Haia, de 1980, e a Convenção Interamericana sobre a Restituição Internacional de Menores, de 1989, das quais o país já é signatário.
Outro ponto abordado pelo conselheiro seria a grande variedade de temas a serem aperfeiçoados. Um deles é a descrição do papel da Autoridade Central Administrativa Federal (ACAF), responsável por oferecer cooperação internacional quando há disputa judicial de crianças e adolescentes. Segundo Saulo Casali Bahia, a reunião também serviu para repensar a terminologia adequada para a retenção ilegal de criança em um país estrangeiro. Outros assuntos discutidos são os requisitos formais e materiais do pedido de restituição da criança; o papel da Defensoria Pública da União e da Secretaria de Políticas para as Mulheres, da Presidência da República; da Advocacia-Geral da União, e as estratégias de mediação e conciliação para a solução de conflitos do tipo.
O conselheiro do CNJ, Guilherme Calmon, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), aponta que o anteprojeto de lei para regulamentar a atuação das autoridades brasileiras em casos de transferência ilícita de uma criança de um país para outro já era uma ideia que se teve nos idos de 2007, quando foi formado um grupo de trabalho no Supremo Tribunal Federal (STF) para estudar e propor ações relacionadas à Convenção de Haia, de 1980. “No final de 2013, por iniciativa da Secretaria de Direitos Humanos, vinculada à Presidência da República, foi constituída a Comissão Permanente sobre Subtração Internacional de Crianças, ocasião em que o anteprojeto foi considerado de vital importância para aperfeiçoar o sistema jurídico brasileiro na concretização das normas da Convenção de 1980. O anteprojeto trata das atribuições das autoridades brasileiras - judiciais e administrativas – para fins de aplicação das normas da Convenção, bem como define os procedimentos – administrativos e judiciais – que devem ser observados nos casos concretos, reforçando a ideia da cooperação jurídica internacional em matéria civil. Há exemplos de outros países que já adotaram providências legislativas semelhantes, destacando-se a Alemanha, os Estados Unidos da América e, na América do Sul, o Uruguai”, esclarece.
Para Guilherme Calmon, o intuito principal do anteprojeto de lei é proporcionar maior efetividade e celeridade na solução dos casos de sequestro internacional de crianças. Segundo ele, os instrumentos previstos se alinham aos movimentos mais recentes dos Estados – parte que já vem obtendo maior índice de sucesso na solução dos casos – que modernizam as técnicas e ações de cooperação jurídica internacional e estimulam a busca da solução consensual e adequada dos conflitos por via da mediação e conciliação. “Muitas questões poderão ser alteradas com a implementação das normas do anteprojeto de lei, tais como o cumprimento do prazo de seis semanas para a efetiva solução do conflito, o estímulo à autocomposição entre os genitores, a maior concretização do melhor interesse da criança, especialmente nos tempos atuais de famílias transnacionais. É também importante a especialização de profissionais da área do Direito e de outras áreas afins, que terão melhores condições de atuar com os instrumentos e normas do anteprojeto de lei”, explica.
Calmon ainda expõe que o principal problema da aplicação das normas da Convenção de 1980 no Brasil é, ainda, a inobservância de várias regras como, por exemplo, aquela que fixa o prazo de seis semanas para a solução da lide. “Mas há, também, questões referentes à instauração de conflitos de competência entre a justiça federal e a Justiça estadual, à falta de capacitação e de conhecimento por profissionais que atuam na área sobre a Convenção de 1980, e aos procedimentos judiciais atuais que não se adequam às normas convencionais”, completa.
O encontro – A oitava edição do Encontro da Comissão Permanente de Subtração Internacional de Crianças busca propor iniciativas de prevenção à subtração e retenção internacional de crianças e adolescentes; sugerir medidas de divulgação da Convenção de Haia sobre sequestro de crianças; atuar na capacitação dos agentes públicos envolvidos em sua aplicação; elaborar propostas e atos normativos sobre a implementação da Convenção de Haia e da Convenção Interamericana sobre Restituição Internacional de Menores, além de estimular pesquisas sobre tais convenções.
Em relação ao local de competência para o julgamento do conflito, o Brasil deve seguir a Convenção de Haia, que instituiu que o país onde a criança tem residência habitual deve ser o local apropriado para ocorrer a discussão sobre a guarda. De acordo com a SDH/PR, a subtração ou sequestro internacional de uma criança ocorre quando ela é transferida de um país para outro sem o consentimento de um dos genitores. Também é considerado ilegal reter uma criança em um país sem o consentimento do outro genitor, após um período de férias, por exemplo, ainda que o pai ou a mãe tenha autorizado a viagem.
Conforme o diagnóstico de Saulo Casali Bahia, os números confirmam que, de dezembro de 2013 a junho de 2014, aumentou de 195 para 243, ou seja, 24,61%, o número de pedidos de cooperação jurídica enviados e recebidos pelo Brasil relativos à subtração internacional de crianças, segundo dados da SDH/PR. Neste período, onúmero de crianças relacionadas a esses pedidos aumentou de 239 para 304 (+27,19%). Outra informação da SDH é que, dos 243 requerimentos de cooperação em tramitação no mês de junho, 79% se referiam à entrada irregular de crianças no Brasil. A SDH/PR interpretou o expressivo número de pedidos apresentados por países estrangeiros como um dos efeitos da crise econômica internacional, que tem obrigado brasileiros a retornar ao Brasil acompanhados de seus filhos e, na maioria dos casos, o retorno acontece sem o cumprimento das formalidades necessárias. Já em relação ao baixo índice de pedidos relacionados a crianças retiradas do Brasil, de 21%, a SDH/PR aponta como causa um maior rigor nos procedimentos exigidos para a saída de crianças brasileiras do território nacional.
Um caso bastante discutido em relação a esse assunto foi o do menino Sean Goldman, cuja guarda foi disputada em tribunais americanos e brasileiros. No período, a Justiça deu ganho de causa ao pai americano, e o garoto passou a ter dificuldades para se encontrar com a família da mãe brasileira.O caso inspirou a criação de uma controversa lei sancionada pelo presidente americano Barack Obama, que prevê formas de cooperação para a recuperação de crianças sequestradas, mas também prevê sanções aos países que estiverem envolvidos na disputa.
A Comissão Permanente sobre Subtração Internacional de Crianças conta com a participação do CNJ, ministérios da Justiça e das Relações Exteriores, a Advocacia-Geral da União, a Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, a Defensoria Pública da União, o Departamento de Polícia Federal, a Rede Internacional de Juízes da Conferência de Haia de Direito Internacional Privado e a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, do Ministério Público Federal.
Grupo de trabalho do CNJ – Os Conselheiros Saulo Casali Bahia e Guilherme Calmon também integram o grupo de trabalho encarregado pelo CNJ de discutir propostas de fomento à atuação do Brasil na cooperação jurídica internacional. O grupo, presidido por Calmon, foi criado pela Portaria n. 190, de 24 de outubro de 2013, da Presidência do CNJ, e acaba de encerrar suas atividades, tendo discutido propostas a partir do levantamento das principais dificuldades enfrentadas pelos tribunais brasileiros em relação ao tema. Uma das medidas adotadas pelo grupo é a elaboração de uma cartilha para orientar os magistrados sobre a aplicação da Convenção da Haia, de 1980, que padroniza os procedimentos a serem adotados pelos países signatários nos casos de sequestro internacional de crianças. A previsão é que o conteúdo da publicação esteja concluído até o fim deste mês.
Outra iniciativa aprovada pelo grupo é o encaminhamento ao Plenário do CNJ de proposta de criação, no próprio Conselho, de uma Comissão Permanente de Cooperação Jurídica Internacional, que teria a atribuição de trabalhar pelo aprimoramento da atuação dos tribunais brasileiros em casos como tráfico de drogas e pessoas, sequestro internacional de crianças, lavagem de dinheiro e repatriação de recursos financeiros oriundos de corrupção e de outros crimes contra a administração pública.
Atendimento à imprensa: ascom@ibdfam.org.br