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Justiça definirá tese sobre sexo com menor de 14 anos
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) irá decidir, em julgamento de um recurso especial, se o consentimento da vítima menor de 14 anos possui relevância jurídico-penal para afastar a tipicidade do crime de estupro de vulnerável (artigo 217-A do Código Penal).
O tema vai a julgamento em razão da multiplicidade de recursos e da relevância da questão. Os demais processos que tratarem do mesmo tema na segunda instância ficarão suspensos até a decisão da Corte. Depois de definida a tese pelo STJ, ela servirá para orientar a solução de todas as demais causas idênticas. Novos recursos ao Tribunal não serão admitidos quando sustentarem posição contrária.
O recurso especial que definirá a tese foi interposto pelo Ministério Público do Piauí. Na origem, o réu foi condenado a 12 anos de reclusão por estupro de vulnerável. Segundo o processo, com 25 anos à época, ele manteve um relacionamento íntimo com pessoa menor de 14 durante aproximadamente um ano.
A defesa apelou, e o Tribunal de Justiça do Piauí afastou a tipicidade da conduta, levando em consideração que haveria um “relacionamento afetuoso” entre o acusado e a vítima, bem como discernimento desta sobre os fatos e seu consentimento para a prática de sexo.
No STJ, o MP recorre contra a absolvição. Sustenta que, a despeito de suposto consentimento da vítima para a relação sexual e da ausência de violência real, a jurisprudência é firme no sentido de que “o tipo penal de estupro de vulnerável apresenta considerações objetivas e taxativas”.
Para o MP, sendo a vítima menor de 14 anos, pouco importa se houve consentimento, pois se trata, nos termos legais, de pessoa vulnerável. Isto é o que está previsto na lei penal desde 2009. No entanto, como explica o advogado Estevão Ferreira de Melo, existem duas hipóteses distintas: a da interpretação da lei e a prática do ato sexual em erro quanto à idade da vítima.
O erro de tipo está previsto no artigo 20 do Código Penal e acontece quando não é possível aferir com exatidão a idade da pessoa pela forma como ela se veste, pelos seus atos, pelo desenvolvimento do seu corpo etc. Já a hipótese de interpretação da lei é diferente. “Independentemente do rótulo dado pela Lei - presunção de violência, na redação anterior, e estupro de vulnerável, na redação atual-, o que se está a discutir é se há uma efetiva necessidade de proteção da Lei Penal a todas as pessoas menores de quatorze anos, ou se cada caso concreto necessitaria ser analisado através das suas particularidades”, disse.
Para Estevão Melo, cada fato deve ser analisado, porque, ainda que na maioria dos casos o critério idade seja indicativo para aferir a capacidade de consentimento da vítima, há casos em que o fato não poderia ser considerado criminoso. Todavia, o advogado acredita que a tendência do STJ é de declarar que a idade constitui critério objetivo para a aferição da capacidade de anuência da vítima. “Caso se confirme a tendência, o STJ estaria a adotar uma postura mais rígida, segundo a qual, para que o fato seja considerado criminoso, basta que o agente pratique o ato sexual com a pessoa menor de quatorze anos (desde que ele saiba a sua idade ou, ao menos, tenha elementos suficientes para saber - caso contrário, incidiria a hipótese do erro de tipo)”.
Para ele, o Direito é dinâmico e o rigor da lei deve ceder à interpretação dos casos concretos. “O tipo penal em questão é o seguinte: ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos. Aparentemente, o texto é claro. No entanto, o Direito é dinâmico e o rigor da lei deve ceder à interpretação dos casos concretos”, analisa.
“Suponha um casal de namorados, ele com dezessete anos, ela com treze. Namoram desde que um tinha dezesseis e a outra doze. Aos poucos, foram se descobrindo, no princípio apenas dando as mãos e, após, se beijando, até que passaram a fazer carícias e, já com quase dois anos de namoro, chegaram a praticar a conjunção carnal. Um mês após a primeira conjunção carnal, o namorado completa dezoito anos e a garota continua com treze. Seu aniversário ocorrerá em menos de um mês. As famílias do casal sabem do namoro e aprovam. A mãe da menina troca ideias com ela sobre a sexualidade e sabe de tudo o que ocorre. Parece justo que este cidadão seja taxado de estuprador, caso, dentro deste mês, pratique relações sexuais com sua namorada? Não me parece razoável. Ainda mais que a Lei estabelece como crime a prática de qualquer ato sexual, e não apenas a conjunção carnal. Ou seja, o rapaz seria reputado estuprador mesmo se apenas acariciasse as partes íntimas da sua namorada, por exemplo, ou se ela o acariciasse.Lembremos que tanto o homem como a mulher podem ser vítimas desse crime. O exemplo também serviria para a mulher com dezoito anos e o homem com treze”, reflete.
Por essa razão, segundo Estevão, apesar da aparente higidez da lei, há de se analisar o caso sob a ótica da finalidade do Direito Penal, que é a de proteger os bens jurídicos que nos são mais importantes. “Neste crime, protege-se a dignidade sexual da pessoa. Sob o rótulo de ‘vulnerável’, os menores de quatorze anos seriam potenciais vítimas de estupro, mesmo quando consentissem com a prática sexual. Em assim sendo, há, ainda que excepcionalmente, alguns casos em que não há a situação de vulnerabilidade, razão pela qual não há bem jurídico a ser protegido, como no caso do exemplo acima”.
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