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Entrevista: Marcelo Truzzi
Por que é importante discutir o tema “Patrimônio”?
Porque embora as famílias tenham uma tônica primordial nas questões existenciais, na execução de projetos existenciais, inegavelmente, das relações familiares, decorrem consequências, efeitos patrimoniais importantes e eles merecem a devida atenção na medida em que, não só durante a constância do casamento, essas questões patrimoniais se apresentam, mas também na dissolução do casamento, com maior ênfase ao interesse patrimonial na disciplina daquilo que foi construído junto e que, como agora foi debatido no congresso do IBDFAM/RJ, mecanismos de tornar não só mais amena a dissolução do casamento, com métodos de solução de conflitos que diminuam as mágoas existenciais, mas que também contribuam para uma questão justa na distribuição do patrimônio. Isso envolve o patrimônio em si: por exemplo a divisão de bens, mas também está muito relacionado à questão de alimentos, alimentos compensatórios para aqueles casais que durante vários anos mantiveram uma vida conjugal e que ao final da vida comum não tenham um desequilíbrio patrimonial e isso acabe refletindo na situação pessoal de um dos cônjuges. Como um casal que permaneceu casado durante 25 anos no regime da separação absoluta de bens e que, inegavelmente, ambos exerceram o poder de autodeterminação na contratação do regime de bens, mas que depois de uma vida toda você pode ter um dos cônjuges absolutamente bem situado e o outro preterido da questão patrimonial. Este, por sua vez, se dedicou àquele projeto, à vida a dois e no final ele não tem direito a nada. A questão é: será que issso seria adequado? Será que é razoável? Só porque num momento da vida deles eles optaram pela separação de bens?
Quais os principais dilemas hoje sobre o testamento?
A primeira questão, muito importante, no testamento, é: qual a autonomia da vontade do testador? Essa autonomia, no Código Civil, na literalidade, é quase plena, respeitada a legítima vontade do herdeiro necessário, o testador, pelo Código Civil, continua tendo poder absoluto de disposição dos bens. O que foi lançado ao debate é se, efetivamente, essa autonomia plena não reflete uma ideia, ainda, do patrimônio numa ótica individualista da pessoa do autor da herança. Quer dizer: todos os institutos jurídicos atuais devem ser lidos a partir de uma perspectiva constitucional e a perspectiva constitucional é a da tutela da existência cumprindo uma função promocional. Que função promocional é essa? Proteger a dignidade da pessoa humana, não do patrimônio. Como isso envolve o testamento? Será que o testador pode celebrar disposições que contrariem manifestamente os interesses e a conveniência dos herdeiros?
E com relação a sucessão da companheira?
Minha posição é: embora sejam famílias igualmente tuteladas pelo ordenamento jurídico, pela Constituição Federal são modelos diferentes. Então, como pode aquilo que é diferente, na prática, produza os mesmos efeitos? Em estudo recente, o Mário Delgado lançou esta consideração: será que eu, tendo opção de casamento e união estável e igualando exatamente os dois institutos, eu não tenho um casamento forçado? Houve um regime jurídico para o casamento e para a união estável. A união estável produz os seu efeitos; no que diz respeito à companheira, ela tem a sua tutela. A ideia do caput do artigo que confere ao companheiro direito sucessório sobre os bens adquiridos durante a constância da união privilegia muito mais pessoas do que o tratamento dado ao cônjuge. Isso gera uma desigualdade? É casuístico.O que eu acho um absurdo são as disposições que colocam a companheira para herdar após os parentes colaterais. Mas, no mais, não me parece que a ideia do artigo 1.790 do Código Civil seja inconstitucional. Na prática, a companheira pode até ter uma situação melhor que a do cônjuge quando não existirem bens particulares deixados pelo autor da herança.
Qual é a sua visão sobre as famílias paralelas?
Essa é uma questão bastante polêmica. O STJ não tem compartilhado, o STF também não. Afastaram a possibilidade das famílias paralelas. Na minha concepção, a ordem natural das coisas é a família monogâmica. É da cultura ocidental, nós temos preceitos que estabelecem o dever de fidelidade no casamento, a lealdade na união estável, embora doutrinas respeitadas, como a da professora Maria Berenice Dias, entendam que entre os companheiros a lealdade não envolve fidelidade, me parece que a lealdade é um gênero e fidelidade estaria implícita nele. As questões que me parecem tormentosas são aquelas situações que se protraem no tempo em que efetivamente existem duas famílias, pautadas nos mesmos elementos constitutivos de afeto de solidariedade de posse do estado de casados e que conhecem a situação clara. E que no final desse período, aquele que se beneficia da situação do concubinato adulterino ou do paralelismo de uma segunda união se faça valer dessa situação para sonegar o direito da outra família. E isso, na minha opinião, o STF decidiu de uma maneira insensível, com um trato extremamente rigoroso para dizer que aquela mulher que naquele caso permaneceu em uma união paralela de mais de trinta anos com nove filhos em comum, sendo mantida pelo companheiro e socialmente reconhecida como tal, era uma mera concubina e isso me parece que é um venire contra factumproprio, que é a violação da boa fé objetiva, ou seja, as pessoas se comportam de uma determinada maneira a vida inteira, depois adotam um procedimento contraditório ao comportamento anterior para dizer o seguinte: você é uma mera concubina, você é a outra. Ela não é a outra, ela é um núcleo familiar paralelo. Nessas situações eu entendo que o Judiciário casuisticamente deveria apreciar e olhar com outros olhos.
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