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STJ decide que vício formal não impede adoção se atender ao melhor interesse do menor
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) sustentou decisão que concedeu a guarda de uma criança aos pais adotivos, mesmo sem o comparecimento da mãe biológica à audiência de instrução. A Terceira Turma do STJ entendeu que diante do confronto entre as formalidades legais e os vínculos de afeto criados entre adotantes e adotado, os últimos devem sempre prevalecer.
Os ministros avaliaram que o vício formal, ou seja, a postergação de alguma formalidade essencial ou ato que não reveste a forma legal, não é suficiente para impedir a adoção, tendo prevalecido o interesse da criança. Eles verificaram que a declaração prestada pela genitora, mesmo não ratificada em audiência, demonstrou o consentimento e a intenção de entregar a criança aos pais adotivos, que já conviviam com a menor durante 13 anos.
Para a advogada Silvana do Monte Moreira, presidente da Comissão de Adoção do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), a decisão está correta por considerar preponderante o superior interesse da criança a partir da vinculação afetiva formada por mais de dez anos de relação familiar. De acordo com Silvana do Monte Moreira, o artigo 45 precisa ser analisado juntamente com o artigo 166 do Estatuto da Criança e do Adolescente sendo, na realidade, repetitivo e revitimiza a genitora que decide entregar seu filho em adoção.
A advogada explica que no referido artigo a anuência é prevista no caput onde se estabelece que as partes, dentre elas a genitora, assinará o pedido de adoção, a qual será ratificada perante as autoridades, na presença do Ministério Público (MP), onde serão tomadas por termo as declarações; haverá, ainda, sobre a mesma questão, a orientação de equipe interdisciplinar. Segundo ela, o parágrafo 3º prevê que o consentimento será colhido pela autoridade judiciária competente em audiência, no caso o Ministério Público, garantida a livre manifestação de vontade e esgotados os esforços para a manutenção da criança ou do adolescente na família natural ou extensa. “Como se não fossem suficientes tantas ratificações, o § 4º estabelece que consentimento prestado por escrito não terá validade se não for ratificado na audiência a que se refere o 3° parágrafo deste artigo. Ou seja, várias etapas para um único fim, sendo que os parágrafos deveriam ser reduzidos a um único onde, em ato contínuo, todas as etapas fossem cumpridas, liberando assim a genitora de tantas provas e contraprovas de seu ato de entrega”, argumenta.
O caso - Em 2002, o casal apresentou o pedido de adoção da criança, ainda não registrada, que foi entregue a eles quando tinha apenas um mês de idade. No documento, informaram que a mãe biológica assinou termo consentindo com a adoção, pois não tinha condições de suprir as necessidades da menor. A mãe biológica era pobre, desempregada, foi abandonada pelo companheiro e tinha outros filhos.
Na audiência de instrução, foram ouvidas duas testemunhas, mas a genitora não compareceu e mesmo após ser citada pessoalmente, ela não se manifestou. Com a ausência da genitora, o juiz nomeou uma curadora, que confirmou os atos anteriores.
Já em 2003, o pedido de adoção foi julgado e aceito mas, apesar disso, o Ministério Público do Ceará (MP-CE) se manifestou contra a decisão e interpôs apelação. De acordo com o MP, a mãe biológica não foi ouvida em juízo e esse procedimento é essencial para a regularidade da adoção. O recurso foi negado. No STJ, o MP afirmou a ocorrência de violação do artigo 45 do Estatuto da Criança e do Adolescente, segundo o qual a adoção depende do consentimento dos pais ou do representante legal do adotando, sendo dispensável somente em casos em que eles sejam desconhecidos ou tenham perdido o poder familiar. No entendimento do Ministério Público, a renúncia deve ser confirmada em juízo.
O ministro e relator Marco Aurélio Bellizze, ao analisar o recurso especial, entendeu a preocupação do MP, sobretudo diante de tantos casos noticiados de venda e tráfico de crianças. No entanto, o ministro apontou que as formalidades legais devem ser aplicadas conforme o caso concreto. Isso porque, segundo ele, as normas rígidas e inflexíveis podem afastar o direito da realidade e enfraquecer a natureza científica e prática.
Flexibilidade da lei -ParaBellizze, em um sistema como o brasileiro, que é norteado pela doutrina da proteção integral, é necessário buscar a solução que melhor atenda aos interesses do menor. De acordo com o ministro, trabalhar com o princípio do melhor interesse exige do operador do Direito a superação de certos dogmas formais, dando maior peso à maneira utilitária e instrumental do processo de adoção, buscando a concretização do bem-estar do protegido. O relator explicou que essa posição não afasta as normas que disciplinam a matéria, mas as interpreta valorizando o princípio do melhor interesse do menor, que, de acordo com ele, representa relevante mudança na ideia de que o filho deixa de ser considerado objeto para ser elevado a sujeito de direito, pessoa humana merecedora da tutela do ordenamento jurídico.
Bellizze julgou improcedente o pedido, pois não condiz com os objetivos do Estatuto da Criança e do Adolescente declarar a nulidade do processo de adoção, diante dos elementos de prova coletados durante a instrução do feito, desprezando, sem justificativa, a regularização da situação da criança.
Leia na íntegra a entrevista com Silvana do Monte Moreira aqui.
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