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Guarda Compartilhada: diretor do IBDFAM comenta o modelo de guarda recém aprovado no Senado como regra em casos de dissolução conjugal
Na última quarta-feira, dia 26, o plenário do Senado aprovou o projeto de lei que garante a guarda compartilhada de filhos de pais divorciados, mesmo que não haja acordo entre as partes. O projeto transforma a guarda compartilhada em regra e altera a atual redação do Código Civil, que tem induzido juízes a decretarem guarda compartilhada apenas nos casos em que há boas relações entre os pais após a dissolução conjugal. A proposta está aguardando a sanção presidencial para virar lei.
Em 2012, de acordo com os dados mais recentes do IBGE, a guarda dos filhos menores foi atribuída às mulheres em 87,1% dos divórcios concedidos no Brasil, contra 6% que obtiveram a guarda compartilhada. Os dados refletem o contexto histórico que durante anos atribuiu a guarda preferencialmente à mãe e revelam a importância da mudança definitiva do paradigma tradicional da exclusividade da guarda materna. Sobre o tema, confira entrevista com o presidente da Comissão de Ensino Jurídico de Família, Waldyr Grisard Filho, autor do livro Guarda Compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental (Revista dos Tribunais):
Porque, durante tantos anos, a guarda dos filhos menores, em casos de dissolução conjugal, foi atribuída preferencialmente às mães?
– Lembra Maria Berenice Dias, que aos meninos era proibido entrar na cozinha e brincar de bonecas, o que levou os homens ao despreparo no desempenho das funções de maternagem. Por isso, os filhos sempre estiveram aos cuidados das mães. Cuidando os homens dos negócios externos da família – pai provedor – e as mulheres das tarefas internas da família – mãe dona-de-casa -, natural que a essas fossem atribuídos os cuidados dos filhos. Na dissolução do casal conjugal, sem qualquer outra cogitação, os filhos ficavam com a mãe, tanto pelo consenso dos pais como pelas decisões dos tribunais, simplesmente, nem quando vivesse em concubinato. É natural o apego do filho com sua mãe, o que constituía elemento, quase decisivo, sem dúvida, preponderante na determinação da guarda. Ao tempo, os laços maternos são indispensáveis para o desenvolvimento psicológico dos filhos.
Quando começou a se perceber que este pressuposto, de que a guarda dos filhos deve ficar com as mães, não refletia mais as necessidades dos filhos e dos pais?
– No Código Civil de 1916, o critério de atribuição da guarda assentava-se na não-culpa do genitor pela separação conjugal; o culpado punia-se com a perda da guarda dos filhos comuns. Se ambos fossem considerados culpados, a guarda dos filhos menores era atribuída à mãe. Esse critério permaneceu na Lei do Divórcio. Consagrando a Constituição Federal de 1988 os princípios da igualdade entre cônjuges e filhos, o do melhor interesse da criança, o da paternidade responsável, o dever conjunto pela criação e educação dos filhos, a discriminação habitual à guarda materna cedeu lugar a uma nova concepção ao exercício da parentalidade. A revalorização do sujeito - e o menor é sujeito de direitos - como reflexo da Constituição Federal, apontou decididamente para a reconsideração do paradigma tradicional da exclusividade da guarda materna. Movimentos associativos iniciaram uma viagem sem volta à implantação de um modelo de guarda que não violasse o princípio constitucional garantidor da igualdade de direitos entre pais e seus filhos, com respeito à dignidade da pessoa do filho.
A guarda compartilhada é o melhor modelo de cuidado aos filhos menores em casos de ruptura conjugal? E qual a importância desse modelo de guarda?
– Sim. A guarda de filhos decorre do fato da paternidade e da maternidade; portanto, o direito de ambos os pais conviverem com seus filhos para construírem suas personalidades, sendo, por isso, indiferente conviverem ou não em uma relação familiar. Quando um dos pais exerce sozinho e com exclusividade a guarda de filho, reduz-se a participação do outro a meras visitas, dificultando avaliar seu desenvolvimento e crescimento pessoal. Quando instituída a guarda compartilhada, há participação ativa de ambos os pais na integral formação do filho, de forma conjunta. Se ambos os pais são igualmente detentores do poder familiar, a guarda compartilhada é o modelo que se adequa à sua estrutura, pois convoca os pais ao seu pleno exercício.
Qual o objetivo da guarda compartilhada?
– Em decorrência desses movimentos, amplamente apoiados pelas ciências que estudam a mente humana, o Código Civil de 2002 foi alterado, mas somente em 2008, com o advento da Lei nº 11.698, que modificou seus artigos 1.583 e 1.584. Por esses dispositivos, ficaram definidos os modelos unilateral e compartilhado de guarda de filhos de pais que não convivem. A guarda compartilhada assegura a ambos os genitores a responsabilidade conjunta e o exercício de direitos e deveres concernentes ao poder familiar, na mesma medida e na mesma intensidade. A definição de tempo e horário para o exercício do poder familiar implica na exclusão de um dos pais da vida do filho. Evitar tal fracionamento é o objetivo da guarda compartilhada.
Como este modelo de guarda contribui para atenuar as consequências maléficas que a guarda única pode provocar, como a alienação parental?
– Se a guarda compartilhada é a realização conjunta do poder familiar com o escopo de manter entre pais e filhos uma convivência estreita e contínua, quotidiana e frequente presença de um na vida do outro, não haverá lugar para a instalação da alienação parental.
Além de evitar a alienação parental, quais as outras vantagens da guarda compartilhada?
– A guarda compartilhada eleva o papel do pai na criação de seu filho e torna o poder parental mais equilibrado. Por outro lado, as mães querem dividir esse poder com os pais, convocando-os ao exercício pleno da paternidade responsável. O Projeto hasteia a bandeira branca, sinal de paz, aos graves conflitos patrocinados pela guarda unilateral.
Na guarda compartilhada compele aos pais equalizar a criação dos filhos. Neste sentido, como ficam aspectos como tempo passado com os filhos, moradia e alimentos para cada genitor?
– A guarda compartilhada não representa uma divisão equitativa de tempo de convivência entre pais e filhos. Não se pode confundir guarda compartilhada com guarda alternada. Essa sim, representa uma fragmentação do tempo que o menor convive com cada um dos pais, prefixados no calendário – dias, semanas, meses, anos; enquanto um é o guardião, o outro é o visitante, invertendo-se os papeis no final de cada período. Na guarda compartilhada, são múltiplos os arranjos ao exercício da co-parentalidade, sem descurar dos melhores interesses da criança. A manutenção da convivência entre pais e filhos é o que importa: levar e trazer da escola, auxiliar o filho nas tarefas diárias, participar de reuniões pedagógicas e de eventos esportivos, acompanhar o filho nas atividades extracurriculares como natação, estudo de línguas, balé ou futebol, freqüência a teatros, cinemas e museus, idas a médicos, enfim, integrar-se na vida do filho, ensinando-lhe, por suas atitudes, os supremos valores à formação psico-social. Na guarda compartilhada os filhos transitam normal e livremente por dois lares. Não se modificando o poder familiar com a desunião do casal parental, em nada se alteram os direitos-deveres dos pais em relação aos filhos sob sua responsabnilidade. Quer isso dizer: a obrigação alimentar subsiste. É dever de ambos os pais criar seus filhos, diz a Constituição Federal. Mas poderá avançar para mecanismos mais adequados a cada casal, como a repartição das despesas. Mas, atenção, a nova lei não rescinde automaticamente as situações já constituídas por acordo ou decisão judicial.
Caso seja sancionada, como esta nova lei vai impactar na vida das famílias brasileiras?
A aprovação pelo Senado da República do Projeto de Lei nº 117/2013, que estabelece o significado de “guarda compartilhada” e dispõe sobre sua aplicação, vem confirmar o que venho defendendo há anos, desde o I Congresso Brasileiro de Direito de Família, realizado pelo IBDFAM no ano de 1997 (Repensando o Direito de Família – Anais, p. 213-224): o convívio permanente de ambos os pais com seus filhos, preservando a continuidade e fortalecendo os laços afetivos já existentes, oferecendo aos filhos a segurança de contarem com seus dois pais em suas vidas. O texto reafirma a prevalência da guarda compartilhada, ainda que haja desacordo entre o casal conjugal, pois não é ele que se busca preservar, mas a permanência do casal parental. Agora é obrigatória, só não será aplicada se um dos pais declarar ao juiz que não deseja a guarda do filho. O Projeto, se sancionado pela Presidente da República, possibilitará ao genitor não guardião, no exercício da supervisão que lhe compete, solicitar prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos e situações que afetem a saúde física e psicológica e a educação dos filhos. O novo texto do artigo 1.583, do Código Civil, estabelece que nenhuma decisão sobre guarda de filhos, em sede de medida cautelar, será proferida sem a oitiva de ambas as partes perante o juiz. A futura nova lei só permitirá a mudança de residência do menor para outro município por concessão de ambos os pais. Uma mudança relevante: no lugar de “tempo de custódia física”, o texto adotou a expressão “tempo de convivência.”
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