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STJ deve decidir nesta quarta entendimento sobre abandono afetivo
imagem por SXC
A 2ª turma de Direito Privado do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deve julgar amanhã (9), os Embargos de Divergência no Recurso Especial (EREsp) 1.159.242/SP. Conforme artigo publicado nesta terça-feira, o ministro Luis Felipe Salomão adianta que será a inédita oportunidade de uniformizar o entendimento acerca do tema abandono afetivo que, segundo o ministro, consiste na indiferença afetiva dispensada por um genitor a sua prole, um desajuste familiar que sempre existiu na sociedade e, decerto, continuará a existir, desafiando soluções de terapeutas e especialistas.
“O que é relativamente recente, contudo, é a transferência dessa contenda própria do ambiente familiar para as salas de audiências e tribunais país afora, essencialmente sob a forma de indenizações pecuniárias buscadas pelo filho em face do pai, ao qual se imputa o ilícito de não comparecer aos atos da vida relacionados ao desenvolvimento social e psíquico de seu descendente”, de acordo com o texto. O ministro cita Maria Berenice Dias, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), para quem os grandes desafios dos dias de hoje é descobrir o toque diferenciador das estruturas interpessoais que permita inserí-las em um conceito mais amplo de família, e esse ponto de identificação é encontrado no vínculo afetivo. Para Luis Felipe Salomão, é mesmo hora propícia para que o STJ uniformize a jurisprudência sobre esse delicado tema.
Segundo o advogado Rodrigo da Cunha Pereira, presidente do IBDFAM e responsável pela primeira ação no país sobre abandono afetivo, são julgamentos como estes que fazem valer a luta do Instituto desde a sua fundação. "Quando vemos chegar uma decisão como essa ao STJ e quando nós vemos também chegar ao Supremo Tribunal Federal a questão da repercussão geral da paternidade socioafetiva, e todas essas são ideias do IBDFAM, nós podemos pensar que essa luta toda do Instituto tem valido a pena", disse. Veja a entrevista abaixo:
Quando a tese do abandono afetivo foi criada?
Rodrigo da Cunha Pereira - Foi no começo da década de 1980, quando um cliente me procurou contando que recebia pensão alimentícia, mas não recebia o alimento para a alma, que era o afeto e o carinho do pai. Achei aquela situação bastante injusta e pensei: até onde o Direito pode intervir nisso? No desenvolvimento dessa teoria e dessa tese nós podemos traduzir o afeto para o mundo jurídico como o cuidado, atenção, zelo, esses desdobramentos desses cuidados que se tem com a criança no dia a dia. Então o afeto não se traduz para o mundo jurídico apenas como um sentimento. Ele é muito mais do que isso: é um cuidado, é uma ação que dá sustentação ao filho para muito além dos aspectos materiais.
Qual é a principal diferença hoje, após essas decisões pelo país que concederam indenização pelo abandono afetivo?
RCP - A primeira decisão foi do Tribunal de Justiça de Minas Gerais e sustentava-se principalmente no princípio da dignidade humana. Na evolução do pensamento, esses princípios se desdobraram em outros e, assim, hoje pode-se defender essa tese pelos princípios da responsabilidade, pelo princípio da paternidade responsável, conforme o artigo 227, do melhor interesse da criança, enfim, esses princípios que dão sustentáculo, mas na base de tudo, é a tradução do afeto como valor jurídico, para muito além de um sentimento.
O abandono afetivo está previsto no Estatuto das Famílias?
RCP - Esta é uma novidade. Estamos transformando em regras no Estatuto das Famílias, apresentado no Senado Federal no final de 2013, por meio da senadora Lídice da Mata. E há, também, projetos de lei no Congresso Nacional para aprovar a responsabilidade civil pelo abandono afetivo.
A crítica de alguns especialistas é que seria a monetarização do afeto. Qual é a opinião do senhor sobre isso?
RCP - Um dos principais contra-argumentos do abandono afetivo é que o amor não tem preço, que pagando, estaríamos monetarizando o afeto, mas não é nada disso. Primeiro porque realmente o amor não tem preço e não há dinheiro no mundo que pague o abandono materno ou paterno. E essa indenização é simbólica. Se não fosse possível essa indenização isso significaria uma desresponsabilização do pai ou da mãe com os cuidados e a educação do seu filho. Significa que o pai ou a mãe que abandona o filho deve ser responsabilizado. Não conceder significa o Estado dizer que os pais não são responsáveis pela educação dos seus filhos. Portanto, esse julgamento tem um efeito didático e pedagógico muito mais amplo do que se imagina, porque todos a partir daí passariam a pensar se estão realmente responsáveis pelos cuidados na educação de seus filhos.
O senhor tem algum palpite para o resultado?
RCP - Certamente o STJ vai ser favorável a esta tese porque em 1985, quando o tema foi julgado pela primeira vez, a Justiça cometeu um grande equívoco. E naquela época essa noção de responsabilidade e de afetividade como valores e princípios jurídicos não estavam tão claras como estão hoje. Estou bastante confiante que o julgamento será em favor das crianças abandonadas do Brasil.
Além do abandono afetivo, quais são alguns dos principais pontos do Estatuto das Famílias?
RCP - O Estatuto das Famílias faz um grande avanço no Direito de Família à medida em que ainda não há regras para traduzir a realidade jurídica das famílias. Duas delas, além do abandono afetivo, reforçam a alienação parental e a guarda compartilhada. Constituiem um grande avanço nas questões também dos filhos porque substituiem duas expressões que traziam um significado muito perverso que é a de guarda e poder familiar. Primeiro, poder familiar porque é como se fosse o poder do pai sobre o seu filho. Este sendo substituído pela autoridade parental. A outra é que guarda traz, além de um significado, um significante que é o de guardar, portanto estamos substituindo guarda por convivência familiar. Além de outras mudanças que, aparentemente simples, fazem uma verdadeira revolução do Direito de Família.
O senhor pode resumir esse trabalho do IBDFAM?
RCP - Quando nós vemos julgamentos como estes, pensamos nessa luta de 17 anos do IBDFAM que temos feito com um grupo de juristas, todas essas pessoas que formam a comunidade IBDFAM e que tem identificação com o novo pensamento jurídico. Quando vemos chegar uma decisão como essa ao STJ e ao Supremo Tribunal Federal, a questão da repercussão geral da paternidade socioafetiva, e todas essas são ideias do IBDFAM, nós podemos pensar que essa luta toda tem valido a pena.
Para ler o artigo completo do ministro Luis Felipe Salomão acesse o portal www.ibdfam.org.br
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