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Direito Sucessório: José Fernando Simão comenta decisão do STJ que negou recurso que prejudicaria credores
Como o senhor avalia a decisão?
Entendo que a decisão é perfeita, pois efetivamente a renúncia in favorem ou translativa é negócio jurídico bilateral que, sendo gratuito, equivale à doação. O nomen juris renúncia não reflete a categoria do instituto, pois a renúncia é ato unilateral, logo para existir não necessita da concordância de outra pessoa. A chamada equivocadamente renuncia in favorem ou translativa é, na realidade, um acordo de vontade pelo qual o herdeiro transfere seu quinhão hereditário: é uma cessão de direitos hereditários tecnicamente falando.
A decisão confronta a liberdade de doação versus fraude contra credores. Para que haja a doação, quais são os requisitos necessários ? Como o judiciário identifica a má fé nessas circunstâncias?
A autonomia privada, que inclui a liberdade de doação, não é absoluta. O direito limita a liberdade contratual com normas de ordem pública (ex.: não pode ser objeto de contrato herança de pessoa viva), com princípios sociais tais como a boa-fé e a função social do contrato. A doação é negócio jurídico gratuito de disposição patrimonial em que o doador é dotado de animus donandi, ou seja, a doação de doar. Contudo, desde a velha Lex Poetelia Papiria de 326 a.C em que os romanos deixaram de vincular o corpo do devedor como responsável pelas dívidas (mudança da figura do nexum), são os bens do devedor que respondem por suas dívidas (arts. 391 e 942 do CC). Logo, se o devedor doar bens e este negócio jurídico o conduzir à insolvência ou aumentar a insolvência existente, estamos diante de doação em fraude contra credores. Para a configuração da fraude em negócio jurídico gratuito basta este elemento objetivo. Não é necessária a má-fé do terceiro, ou seja, que o terceiro que recebeu o bem (donatário) tenha ciência da insolvência do doador. Trata-se de desconhecimento de um fato, logo, de boa-fé subjetiva.
Qual a diferença entre renúncia abdicativa e renúncia translativa?
A diferença fica evidente quanto à formação do ato jurídico. A renúncia propriamente dita que é chamada de abdicativa nasce de uma única vontade: a do renunciante. Logo, pela teoria de Pontes de Miranda, é ato jurídico em sentido estrito (tanto é verdade que nãos e admite renúncia a termo ou condição - vide art. 1808 do CC). Já a chamada renúncia translativa é um acordo pelo qual se transferem direitos hereditários. É um negócio jurídico bilateral que pode ser oneroso ou gratuito. Seus efeitos decorrem da vontade das partes e não da lei.
Qual a diferença entre fraude à execução e fraude contra credores?
A fraude contra credores é vício social do negócio jurídico que gera sua anulabilidade, nos termos do art. 178 do CC. A fraude contra credores exige o elemento objetivo (eventus damni), ou seja um negócio jurídico que conduza o devedor à insolvência ou aumente a insolvência existente (é possível ainda a fraude por meio de concessão de garantia real). SE o negócio jurídico for oneroso (dação em pagamento ou compra e venda), exige-se, ainda, o elemento subjetivo, qual seja, a má-fé do terceiro que adquiriu o bem. Isso quer dizer que o autor da ação pauliana (credor prejudicado pela fraude) proposta em face do devedor e do terceiro que adquiriu o bem terá o ônus de prova a má-fé, o conhecimento, do terceiro. Se procedente a ação proposta para anular o negócio jurídico, o bem retorna ao patrimônio do devedor e poderá ser penhorado por qualquer credor e não apenas por aquele que propôs a ação visando à anulação do negócio jurídico.
Em suma, a fraude contra credores atua no plano da eficácia. A fraude à execução é reconhecida pelo juiz nos próprios autos de uma ação de conhecimento ou execução em que o réu (devedor) transferiu, após a citação, um bem a terceiro. Não há necessidade de ação própria, tratando-se de um reconhecimento incidental ao juiz da causa. Se reconhecida a fraude à execução, os efeitos só beneficiam o credor autor da demanda em que a fraude foi reconhecida. Basta provar que o devedor-réu alienou o bem após sua citação, sendo irrelevante prova da má-fé daquele que adquiriu o bem, pois como havia uma ação tramitando cujo conhecimento depende apenas de uma consulta ao Poder Judiciário, seu conhecimento fica presumido.
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