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STF forma maioria para reconhecer violações a direitos da população negra e exigir plano nacional de enfrentamento ao racismo
O Supremo Tribunal Federal – STF formou maioria no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 973 para reconhecer a omissão estatal no enfrentamento às violações de direitos da população negra e determinar a elaboração de um plano nacional de enfrentamento ao racismo no prazo de 12 meses. Iniciado em 2023, o julgamento foi suspenso na quinta-feira (27) e será retomado em data ainda a ser definida.
Até o momento, oito ministros votaram pelo reconhecimento de violações sistemáticas de direitos da população negra. O tema, porém, não é unânime.
Três votos já proferidos reconhecem a existência de um “estado de coisas inconstitucional” decorrente do racismo estrutural e institucional. De acordo com essa doutrina jurídico-constitucional, há estado de coisas inconstitucional quando ocorre violação massiva, contínua e estrutural de direitos fundamentais que atinge um grande número de pessoas, exigindo ações coordenadas de todos os Poderes para sua superação.
Essa corrente – formada pelo relator, ministro Luiz Fux, pelo ministro Flávio Dino e pela ministra Cármen Lúcia – entende que há omissão estatal sistêmica no enfrentamento das violações e propõe políticas públicas de reparação, incluindo a elaboração de um plano nacional de enfrentamento ao racismo com participação do Judiciário.
Outros cinco ministros – Cristiano Zanin, André Mendonça, Nunes Marques, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli – também reconhecem o racismo estrutural e a gravidade das violações, apoiando a adoção de medidas. No entanto, afastam o reconhecimento do estado de coisas inconstitucional sob o argumento de que já há políticas implementadas ou em andamento para enfrentar omissões históricas.
Violação de direitos fundamentais
A ADPF 973, apresentada por entidades do movimento negro e partidos políticos, pede o reconhecimento de um quadro de violação massiva de direitos fundamentais da população negra e a adoção de políticas públicas de reparação frente ao racismo estrutural e institucional.
Os autores argumentam que ações e omissões do Estado vêm negando sistematicamente direitos constitucionais à vida, à saúde, à segurança e à alimentação digna da população negra. Apontam ainda um cenário de genocídio permanente, evidenciado pela alta letalidade da violência policial e pelo hiperencarceramento de jovens pretos e pardos no contexto da política antidrogas.
Defendem, por isso, o reconhecimento de um estado de coisas inconstitucional e a adoção de medidas concretas, por meio de um plano nacional de enfrentamento ao racismo estrutural, com atribuição de obrigações específicas ao Judiciário, ao Legislativo e ao Executivo.
O julgamento teve início em novembro de 2023, em sessão dedicada à apresentação dos argumentos das partes e das entidades admitidas como interessadas.
Voto do relator
A análise foi retomada na quarta-feira (26), com o voto do ministro Luiz Fux, que reconheceu a existência de um estado de coisas inconstitucional e a omissão estatal sistêmica no enfrentamento às violações de direitos da população negra. Ele destacou que pretos e pardos lideram os piores indicadores sociais, econômicos, educacionais, de saúde, saneamento, violência e encarceramento no país.
Fux propôs que, em até um ano, a União apresente um plano nacional de enfrentamento ao racismo, com participação do Judiciário. O plano deve priorizar áreas como trabalho e desenvolvimento econômico, educação, saúde, direitos humanos, segurança alimentar e nutricional, infraestrutura, juventude e povos e comunidades tradicionais.
O relator ponderou que, embora o cenário atual seja diferente do período anterior à abolição, permanece um racismo histórico que mantém pretos e pardos em um ciclo de vulnerabilidade. Para ele, negar esse histórico é ignorar a realidade evidenciada nas instituições públicas e universidades, mesmo após a adoção de ações afirmativas.
Votos dos demais ministros
O ministro Flávio Dino acompanhou o relator com acréscimos. Ele sugeriu que o plano nacional inclua campanhas públicas contra o racismo, o incentivo à presença de pessoas negras nas produções audiovisuais por meio da Lei Rouanet e a ampliação da formação de professores em história e cultura afro-brasileira, conforme determina a Lei 10.639/2003.
O ministro Cristiano Zanin avaliou que, diante da existência de políticas públicas em execução, não se configura um estado de coisas inconstitucional, mas sim uma insuficiência de providências. Ele lembrou que o Tribunal adotou entendimento semelhante nas ADPFs 635 e 760, relativas à segurança pública e à proteção da Amazônia.
O ministro André Mendonça reconheceu a presença do racismo estrutural na sociedade, mas discordou da caracterização do racismo institucional. Para ele, o problema decorre de práticas individuais, e não das instituições.
O ministro Alexandre de Moraes ressaltou avanços desde a Constituição de 1988 com a criação de órgãos de promoção da igualdade racial, legislações protetivas e ações afirmativas. Segundo ele, não é possível afirmar que houve uma política estatal voltada à manutenção do racismo estrutural.
Já a ministra Cármen Lúcia entendeu que o estado de coisas inconstitucional está configurado pela insuficiência das medidas estatais. Para ela, a Constituição precisa ser plenamente eficaz para negros e brancos, e isso demanda ações efetivas do Poder Público e da sociedade.
Em seu voto, a ministra recorreu a referências culturais para ilustrar a permanência do racismo ao longo das gerações, citando trechos de obras do rapper Emicida, da escritora Carolina Maria de Jesus e do poeta Castro Alves. Ela destacou que a desigualdade racial não pode ser naturalizada e que ainda há grande distância entre a igualdade constitucional prometida e a realidade vivida pela população negra.
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