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Consciência Negra: diretora nacional do IBDFAM destaca importância de uma Justiça com perspectiva racial
No Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, celebrado anualmente em 20 de novembro, o Instituto Brasileiro de Direito das Famílias e Sucessões – IBDFAM reforça a importância de reconhecer o racismo como questão estrutural e de promover a equidade racial no Direito das Famílias e das Sucessões.
Segundo a advogada Gabriella Andréa Pereira, presidente da Comissão de Diversidade e Inclusão Racial do IBDFAM, o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra representa, antes de tudo, um marco de resistência negra no Brasil. “A figura do líder Zumbi dos Palmares simboliza a nossa luta histórica por uma existência que inclua valores constitucionais de liberdade, dignidade e autonomia, que são dimensões que vêm sendo negadas à população negra até hoje.”
Para a advogada, a data é fundamental, pois desloca o debate sobre racismo do campo da opinião para o campo da estrutura. “Não se trata apenas de ‘consciência individual’, mas de reconhecer que nossas instituições, desde o Estado até mesmo a família, foram moldadas por séculos de escravidão e por políticas sistemáticas de exclusão racial.”
“É um convite à sociedade, e particularmente ao sistema de Justiça, para revisitar suas práticas e compreender que as desigualdades contemporâneas não são acidentes, mas consequências diretas de um projeto de país que hierarquizou e, escolhe hierarquizar, vidas. O 20 de novembro nos lembra, assim como o 13 de maio, que o Brasil segue enfrentando obstáculos para existir e resistir, e a justiça racial deve ser uma pauta transversal e não apenas midiática”, comenta.
Lacunas
A advogada reconhece avanços legais e institucionais no combate à discriminação racial, como o Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/2010), a política de ações afirmativas reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal – STF, a ampliação do reconhecimento jurídico dos territórios quilombolas, além das diretrizes do Protocolo para Julgamento com Perspectiva Racial, Resolução do Conselho Nacional de Justiça, como um instrumento que inaugura uma nova cultura decisória no Poder Judiciário.
Ela frisa, contudo, que ainda permanecem lacunas profundas: “Na prática, ainda contamos com microagressões cotidianas e o não reconhecimento do impacto do racismo nas dinâmicas familiares, desde as ações familiaristas até as sucessórias, na atuação da rede de proteção, ou nos processos para proteção de grupos vulnerabilizados, como mulheres, crianças, adolescentes e pessoas idosas”.
“Para comunidades quilombolas, especificamente, a principal lacuna é a morosidade na titulação dos territórios e a fragilidade na proteção contra conflitos agrários e a violência política: a ausência de políticas estruturantes básicas seguem como marcadores de vulnerabilidades historicamente produzidas a esses grupos. Avançamos em normas? Certamente! Mas, precisamos avançar em letramento, em governança pública e privada e formação antirracista das instituições e no comprometimento com a igualdade de direitos”, acrescenta.
A advogada lembra que o IBDFAM, enquanto instituto, tem-se comprometido de maneira continuada e persistente, por exemplo, com a criação da Comissão de Diversidade e Inclusão Racial no ano de 2024 e, da Diretoria Nacional de Inclusão, Equidade e Enfrentamento às Violências, neste ano de 2025. As iniciativas, segundo ela, reforçam o compromisso constitucional de dignidade à pessoa humana e igualdade a todas as pessoas.
Equidade racial
De acordo com Gabriella Andréa Pereira, o Direito das Famílias tem um papel central na estrutura da sociedade porque é justamente no cotidiano familiar que as desigualdades raciais se tornam mais visíveis e, muitas vezes mais subalternizadas: na divisão sexual e racial do cuidado, no empobrecimento das famílias chefiadas por mulheres negras, na vulnerabilização de crianças e adolescentes e no acesso desigual à justiça, na falta de acesso ao mercado de trabalho formal.
Nesse sentido, ela percebe que promover equidade racial no Direito das Famílias exige incorporar os estudos sobre raça como uma categoria jurídica relevante, e não como detalhe sociológico. “Isso implica na aplicação do Protocolo de Julgamento com Perspectiva Racial no cotidiano jurídico e judiciário, no reconhecimento de que a racialidade atravessa o meio jurídico, muitas vezes baseada em padrões normativos de normalidade sobre os corpos e sobre a agência pessoal dos indivíduos.”
“Ainda, compreender que, de fato, as famílias são plurais, em formas, raça, etnia, credo, cor, idades e formas de organização, o que é amplamente defendido pelo IBDFAM há muito, além de ser um princípio constitucional. Constantemente precisamos reafirmar o nosso compromisso com a diversidade, para que haja respeito, inclusão e direitos a todas as famílias”, ressalta.
A diretora nacional do IBDFAM lembra ainda que reconhecer e nomear esse cenário auxilia no enfrentamento às desigualdades institucionais que atravessam, também, os profissionais na área jurídica para reconhecer a racialidade como uma lente analítica e garantir proteção adequada à realidade concreta das famílias brasileiras, sobretudo aquelas historicamente marginalizadas.
Efetivação de direitos e superação das vulnerabilidades sociais
No cenário contemporâneo, Gabriella Andréa Pereira observa desafios numerosos, estruturais e estruturantes. “A começar pelo acesso desigual ao sistema de Justiça, marcado por barreiras econômicas, territoriais, afetivas e simbólicas, como a dificuldade de acesso a serviços jurídicos especializados, devido à hipossuficiência financeira, a ausência de um olhar interseccional dentro das instituições, processos judiciais morosos e que impactam, sobretudo, a concessão de direitos básicos por parte do Estado.”
“Ao pensar em cada uma das microesferas do ‘ser família’, será possível elencar inúmeras dificuldades, ausências e faltas de acesso que se traduzem num desafio coletivo e estrutural: precisamos do fortalecimento das políticas de inclusão, ampliação da formação e do letramento antirracista no sistema de justiça e instituições correlatas e, do aprimoramento das estruturas estatais voltadas à proteção de famílias em situação de vulnerabilidade”, afirma.
Ela conclui: “Esse compromisso não é apenas com as famílias negras, mas com todas famílias de modo coletivo, para que haja dignidade e promoção de direitos humanos”.
Por Débora Anunciação
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