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Protocolo de Gênero orienta decisão que garante R$ 50 mil por danos morais à vítima de violência
No Rio Grande do Sul, uma mulher vítima de violência doméstica deverá ser indenizada pelo ex-marido em R$ 50 mil por danos morais. A 3ª Vara Cível da Comarca de Cachoeirinha teve como base o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do Conselho Nacional de Justiça – CNJ.
A sentença reconheceu a ocorrência de violência doméstica em suas modalidades física, verbal, patrimonial e vexame público, além da gravidade das condutas, a extensão do dano e a capacidade econômica do réu. A juíza responsável pelo caso também destacou que os atos de violência se estenderam ao longo do tempo, inclusive após a separação do casal, e que os impactos dessas condutas justificam a contagem do prazo prescricional a partir da última ocorrência dos danos.
Segundo a magistrada, ficou comprovado que a autora foi vítima de agressões físicas e verbais, além de sofrer violência patrimonial, como a interrupção do pagamento de um veículo presenteado e a frustração da promessa de moradia. A magistrada ressaltou que a palavra da vítima tem peso elevado na análise dos fatos e que o dano moral decorrente de violência doméstica é presumido, dispensando comprovação específica de sofrimento.
A juíza ponderou que, no caso dos autos, “a robusta prova testemunhal demonstrou, de forma inequívoca, um mosaico de atitudes do réu, que atuou com a pretensão de dominação da autora, através de violência física, verbal e patrimonial”.
“A autora foi atingida, inclusive, em seu maternar, posto que atingida através de sua filha, que foi atacada e também presenciou os ataques à mãe. Tais atos, além de violarem direitos personalíssimos da vítima, atingem sua dignidade, integridade física e psicológica, autonomia e bem-estar, configurando, de per si, o dano moral passível de reparação", concluiu a magistrada. Cabe recurso.
Perspectiva de Gênero
A advogada Ana Paula de Oliveira Antunes, presidente da Comissão de Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, do Instituto Brasileiro de Direito das Famílias e Sucessões – IBDFAM, explica que a decisão aplicou o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero de forma irrepreensível, reforçando que há presunção de vulnerabilidade da mulher no contexto de violência doméstica e que ela é suficiente para a aplicação da Lei Maria da Penha (11.340/2006), sendo desnecessária a análise da motivação específica da conduta do agressor, ainda que tenha a magistrada, discorrido acertadamente acerca de todas as formas de violência de gênero praticadas contra a vítima.
Além disso, acrescenta a advogada, a sentença seguiu o entendimento do Superior Tribunal de Justiça ao reconhecer o dano moral in re ipsa nos casos de violência doméstica contra a mulher. “Isso quer dizer que, a condenação criminal por violência doméstica acarreta a indenização por danos morais à vítima, reconhecendo que além das implicações criminais, a violência doméstica causa sofrimento moral e emocional que não necessita de comprovação objetiva. Portanto, não há necessidade de prova concreta do dano experimentado pela vítima, o dever de indenizar exsurge da própria conduta típica, sendo o dano presumido.”
Na visão dela, o julgado enfrenta com maestria o tema da violência doméstica contra a mulher, endêmica, perpetuada no Brasil, ao reconhecer não só a violência moral, mas também patrimonial, descritas na Lei Maria da Penha, como forma de perpetuação do controle sobre a vítima.
“De maneira tangencial, trouxe à tona também as questões relacionadas à violência vicária, pouco falada, que consiste em uma forma de agressão indireta contra as mulheres, em que os agressores, ao perderem o controle sobre elas, se voltam contra as crianças, com o propósito de atacar e ferir emocionalmente as mães”, acrescenta.
Perpetuação
De acordo com Ana Paula de Oliveira, a decisão evitou a perpetuação da violência de gênero institucional. “De maneira mais do que acertada, destaca a vulnerabilidade, ou hipossuficiência e a fragilidade daquela mulher que sofreu violência doméstica reiterada durante a união e após a separação, aplicando corretamente a Lei 11.340/2006, com perspectiva de gênero, atuando ainda de forma preventiva, quando via de regra, o Estado age majoritariamente depois da violência já ter sido manifestada ou denunciada – trabalhando para administrar danos.”
Ela reconhece que decisões como esta reforçam a necessidade do fortalecimento da palavra da vítima, do reconhecimento das desigualdades estruturais e da violência como um todo, que marca a vida da grande maioria das mulheres, rompendo com a internalização de estereótipos prejudiciais de gênero empregados contra mulheres, evitando assim, que suas condutas e ações sejam deslegitimadas.
“É preciso que os operadores do Direito sejam profundamente sensibilizados pelo tema da violência doméstica e treinados para entender a realidade escondida nas entrelinhas dos relatos e do histórico familiar, movimentando o poder judiciário para exigir a reparação das vítimas. Da mesma forma, é fundamental que magistrados reproduzam decisões como esta, fortalecendo a proteção integral à vida, à saúde, à dignidade e contribuindo diretamente para o aumento da proteção às vítimas que contarão com a certeza de que o aparato judicial está trabalhando para protegê-las, reconhecendo as suas vulnerabilidades”, pondera.
Violências
A diretora nacional do IBDFAM ressalta que a má aplicação da Lei Maria da Penha e a não aplicação da indenização re ipsa, gerava mais uma forma de violência de gênero. Segundo ela, é preciso garantir que o Estado chegue antes da ameaça, da violência psicológica, da violência patrimonial, ou a tempo de coibi-la, sob pena de participar do silêncio cúmplice das instituições.
“Enquanto houver silêncio institucional e normalização da violência de gênero, o Brasil seguirá falhando em sua missão mais básica: proteger a vida. Portanto, este julgado impacta positivamente não apenas na vida da vítima, mas também na sociedade como um todo, refletindo uma mudança de paradigma extremamente importante para a construção jurídica mais justa, baseada na busca da igualdade real e no enfrentamento da violência de gênero”, comenta.
Por Débora Anunciação
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