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Justiça da Bahia aplica Lei Maria da Penha em caso de violência doméstica entre homens em relação homoafetiva
A Lei Maria da Penha 11.340/2006 foi utilizada como base pela Justiça da Bahia para garantir medidas protetivas de urgência a um servidor público vítima de violência psicológica, patrimonial e ameaças no contexto de uma relação homoafetiva. Fundamentada no entendimento do Supremo Tribunal Federal e na Recomendação 116/2021 do CNJ, a sentença reconheceu a situação de vulnerabilidade da vítima, ampliando a aplicação da norma para além da estrutura heteronormativa.
Ao avaliar o pedido, o juiz considerou o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal – STF no Mandado de Injunção 7452/DF. Na ocasião, o STF concluiu: “Considerando que a Lei Maria da Penha foi editada para proteger a mulher contra violência doméstica, a partir da compreensão de subordinação cultural da mulher na sociedade, é possível estender a incidência da norma aos casais homoafetivos do sexo masculino, se estiverem presentes fatores contextuais que insiram o homem vítima da violência na posição de subalternidade dentro da relação”.
Assim, determinou as medidas protetivas de urgência em favor do servidor. Conforme a sentença, o descumprimento de quaisquer das medidas ensejará a decretação da prisão preventiva do requerido, na forma do art. 313, III, c/c art. 312, ambos do CPP, e art. 20 da Lei Maria da Penha.
Marco de proteção
O caso contou com atuação da advogada Thalyne Moreira. Segundo ela, a sentença reforça o alcance da proteção legal para além da estrutura heteronormativa, valorizando a dignidade da vítima e combatendo a invisibilização de casos de violência no seio de relações LGBTI+.
“Mais do que um avanço técnico, a decisão reforça que a violência doméstica deve ser combatida com base na realidade da vítima e não limitada por conceitos rígidos de gênero, desde que haja subalternidade, intimidade e risco dentro da relação”, comenta.
A advogada afirma que o julgado representa um marco de proteção para homens que vivem relações homoafetivas e se encontram em posição de vulnerabilidade, além de refletir um importante avanço jurisprudencial.
“Tradicionalmente, a aplicação da Lei Maria da Penha ficava restrita a mulheres vítimas de violência e o STF reconheceu a omissão legislativa, determinando que as medidas protetivas da Lei Maria da Penha possam ser aplicadas a casais homoafetivos masculinos e mulheres transexuais/travestis em situação de violência doméstica. Com esse avanço, a jurisprudência vem-se moldando à realidade social”, observa.
A advogada também destaca a importância do reconhecimento dessas formas de violência para além da agressão física. “A violência doméstica, historicamente, foi reduzida à agressão física, por ser a forma mais visível e documentável de violência. No entanto, isso deixou invisibilizadas formas igualmente graves de violação de direitos, como a violência psicológica, patrimonial e moral.”
“A sentença representa o reconhecimento de que essas outras formas de violência têm impactos profundos e duradouros, especialmente a psicológica, que mina a autoestima, gera medo, silenciamento e dependência emocional”, diz.
Para ela, é fundamental que o Judiciário valide essas experiências e ofereça respostas jurídicas eficazes e a atuação do advogado, nesse sentido, é crucial para disseminar esse raciocínio. “Esse avanço deve se estender a qualquer vítima em contexto doméstico.”
Jurisprudência
Na visão da advogada, o caso também representa “um marco importante na consolidação da jurisprudência que reconhece a violência doméstica em relações homoafetivas, especialmente entre homens, o que por muitos anos foi invisibilizado pelas estruturas tradicionais do Direito”.
“Ao aplicar a Lei Maria da Penha para proteger um homem em contexto de vulnerabilidade dentro de uma união homoafetiva, o Judiciário sinaliza um avanço na efetividade dos direitos humanos, reafirmando que a violência doméstica não tem gênero, mas sim contexto de vulnerabilidade e relação de poder”, destaca.
De acordo com a advogada, esse entendimento está respaldado por precedentes consolidados, usados na criação da tese levada ao Judiciário e que balizaram esse rico precedente na Comarca de Salvador.
“Todas essas decisões demonstram que, mesmo diante da resistência pontual de algumas delegacias ou varas especializadas, há um movimento de reconhecimento judicial da violência em contextos homoafetivos, fundamentado no risco real, e não apenas no gênero da vítima”, ressalta.
Ela conclui que o julgado dos autos reforça esse novo paradigma de proteção integral, “sendo extremamente promissora para a efetivação da igualdade e da dignidade no âmbito do Direito de Família e Penal brasileiro”.
O número do processo não é divulgado em razão de segredo de Justiça.
Por Débora Anunciação
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