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Sancionada lei que reconhece o abandono afetivo como ato ilícito civil e prevê indenização
Atualizado em 06/11/2025
Foi sancionada a Lei 15.240/2025, que reconhece oficialmente o abandono afetivo de crianças e adolescentes como ato ilícito civil, passível de indenização. A norma, sancionada pelo presidente em exercício, Geraldo Alckmin, foi publicada no Diário Oficial da União de 29 de outubro.
A nova legislação altera o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA e estabelece que a ausência de cuidado, carinho e presença dos pais na vida dos filhos pode gerar consequências legais. O texto reforça ainda que a convivência e a assistência afetiva são deveres parentais, ao lado do sustento material, da guarda e da educação.
De acordo com a lei, a assistência afetiva envolve o contato e a visitação regulares para acompanhar a formação psicológica, moral e social da criança ou do adolescente. Inclui também a orientação em decisões importantes – educacionais, profissionais e culturais –, o apoio em momentos de dificuldade e a presença física quando solicitada, sempre que possível.
Se comprovada a omissão, pais ou responsáveis poderão ser condenados a reparar os danos causados pelo abandono afetivo, além de outras sanções cabíveis. O texto também prevê que, em casos de maus-tratos, negligência, opressão ou abuso sexual, a autoridade judiciária poderá determinar o afastamento do agressor da residência comum.
O projeto tem origem no PLS 700/2007, de autoria do ex-senador Marcelo Crivella (Republicanos-RJ). A proposta foi aprovada em caráter terminativo pela Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado em 2015, com relatoria do senador Paulo Paim (PT-RS), e posteriormente enviada à Câmara dos Deputados.
Consolidação da afetividade
Para o diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito das Famílias e Sucessões – IBDFAM, Ricardo Calderón, a lei representa um avanço necessário e oportuno, ao reforçar a proteção afetiva de crianças e adolescentes e preencher uma lacuna histórica no ordenamento jurídico.
“Essa temática é sensível, de interesse de toda a sociedade, e exige maior atenção do legislador para a relevante esfera afetiva das crianças e adolescentes em desenvolvimento”, afirma.
Segundo o especialista, a norma consolida o princípio da afetividade no Direito das Famílias, traduzindo um entendimento já reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência. Além disso, positiva no texto legal o reconhecimento do abandono afetivo como ilícito civil.
“Desde 2012, o Superior Tribunal de Justiça – STJ possui um julgado paradigmático que admitiu a reparação civil em caso de abandono afetivo. Agora, esse entendimento ganha reforço legislativo, fruto da relação construtiva entre a doutrina familiarista e a atuação da Justiça nos tribunais”, explica.
Calderón observa que a legislação mantém uma leitura objetiva da afetividade, afastando interpretações subjetivas sobre sentimentos ou deveres de amar.
“O legislador buscou parâmetros concretos e verificáveis, baseados em condutas observáveis e passíveis de prova. Não se trata de regular emoções, mas de avaliar ações e omissões efetivas – como oferecer orientação em escolhas profissionais, demonstrar solidariedade em momentos difíceis ou assegurar presença física quando necessária.”
Deveres parentais ampliados e responsabilização
A lei detalha no §3º do artigo 4º do ECA o que se entende por “assistência afetiva”, estabelecendo que ela compreende:
- A orientação quanto às principais escolhas profissionais, educacionais e culturais;
- A solidariedade e o apoio em momentos de intenso sofrimento ou dificuldade;
- A presença física e emocional, quando solicitada pela criança ou adolescente e possível de ser atendida.
Para Calderón, essa redação traz clareza e objetividade, permitindo a aplicação prática pelos operadores do Direito.
Outro ponto de destaque é a inclusão, no artigo 5º do ECA, do parágrafo único que tipifica o abandono afetivo como ofensa a direito fundamental da criança e do adolescente.
“Com essa inclusão, o abandono afetivo passa a ser expressamente reconhecido como ilícito civil, ensejando reparação de danos e outras sanções cabíveis. A responsabilidade civil por omissão afetiva, antes construída pela doutrina e pela jurisprudência, agora ganha respaldo legislativo”, ressalta.
A norma também altera o artigo 22 do ECA, incluindo entre os deveres dos pais a assistência material e afetiva, além da convivência familiar.
“Essa inclusão reforça a dimensão relacional e afetiva das responsabilidades parentais, reconhecendo que o dever de cuidado não se limita ao aspecto econômico, mas abrange também a presença e o vínculo emocional com os filhos”, destaca Calderón.
Bom tempo e bom termo
Para o especialista, a nova legislação marca um estágio de maturidade do Direito das Famílias no Brasil, ao equilibrar técnica jurídica e sensibilidade social.
“A lei vem em bom tempo e em bom termo. Reforça a importância da assistência afetiva como parte essencial do desenvolvimento de crianças e adolescentes, incentiva a presença dos pais mesmo após o divórcio e responsabiliza quem se omite desse dever. É um avanço civilizatório na consolidação da afetividade como valor jurídico”, conclui.
Por Guilherme Gomes
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