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XV Congresso do IBDFAM começa com foco no multiculturalismo e na inclusão; veja os destaques da abertura
Na noite de quarta-feira (29), o Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM deu início ao XV Congresso Brasileiro de Direito das Famílias e Sucessões, em Belo Horizonte. A solenidade de abertura reuniu mais de 2 mil pessoas no Minascentro, onde o evento continua nesta quinta (30) e sexta (31), com palestras de alguns dos principais juristas e especialistas do país.
Em clima de solenidade, a abertura ocorreu no Palco Encontros, com a presença da nova diretoria nacional do IBDFAM, eleita para o biênio 2026 e 2027, além de representantes da OAB Minas, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais – TJMG, da Defensoria Pública do Estado e do Ministério Público.
Ao discursar, Rodrigo da Cunha Pereira, presidente do IBDFAM, destacou que o Congresso reúne participantes de todos os estados do Brasil e de diversos países de língua portuguesa, consolidando-o como o maior Congresso de Direito das Famílias do mundo e refletindo o tema central do evento: “Multiculturalismo”.
“Falar de multiculturalismo é falar de resistência, inclusão e visibilidade. O Direito não pode mais ser monocultural, excludente ou binário. O Brasil é uma nação construída sobre múltiplas matrizes étnicas, religiosas, linguísticas e afetivas, e ignorar essa complexidade é negar a própria realidade do país. O multiculturalismo nos convida a olhar para os direitos das famílias indígenas, negras, migrantes, trans, multiparentais e daquelas que não se encaixam em modelos tradicionais ou estereotipados”, afirmou.
Inteligência Artificial
O advogado celebrou os 28 anos de fundação do IBDFAM, completados no último dia 25, e apontou o crescimento da instituição, seu impacto na formulação de leis e práticas jurídicas, e sua atuação junto ao Conselho Nacional de Justiça – CNJ, Supremo Tribunal Federal – STF, Superior Tribunal de Justiça – STJ e Congresso Nacional.
Ele anunciou, no discurso, a implantação de um sistema de Inteligência Artificial para otimizar a pesquisa de jurisprudência no portal do Instituto, e apresentou ainda novas publicações e iniciativas, como o lançamento do livro O Direito das Famílias e Sucessões e a Reforma do Código Civil, a coletânea do concurso literário Horizonte de Afeto e o Edital de Bolsas de Inclusão Étnica e Social, voltado à democratização do conhecimento e valorização da diversidade.
Em sua fala, Rodrigo da Cunha Pereira lembrou da importância da defesa dos direitos humanos, da dignidade da pessoa humana e da democracia familiar, convidando os participantes a se engajarem nos debates e aproveitarem o Congresso como espaço de aprendizado e crescimento pessoal e profissional.
“A família representa o primeiro espaço de convivência democrática – é nela que se aprende a respeitar o outro, a lidar com os conflitos e a construir consensos. Por isso, o Direito das Famílias ocupa um papel central na proteção e na promoção dos valores democráticos”, disse.
E finalizou com uma frase da psiquiatra Nise da Silveira: “É necessário se espantar, se indignar e se contagiar: só assim é possível mudar a realidade”.
Novos horizontes
Durante a cerimônia, ocorreu também a posse dos presidentes das Seções Estaduais, eleitos para o biênio 2026 e 2027. Em seguida, foi realizada a posse dos presidentes das Comissões Temáticas que atualmente compõem o IBDFAM.
Depois disso, Rodrigo da Cunha Pereira juntou-se a Maria Berenice Dias, vice-presidente do Instituto, para premiar as Comissões Temáticas e as Seções Estaduais que se destacaram no biênio 2024 e 2025. Foram entregues prêmios às seções de São Paulo, Ceará e Goiás.
Em seguida, foram anunciadas as comissões vencedoras: Comissão de Pesquisa, Comissão de Diversidade e Inclusão Racial, Comissão de Mediação, Comissão de Gênero e Violência Doméstica e Comissão de Alienação Parental.
Estado Laico e Multiculturalismo
Após a solenidade, Renato Janine Ribeiro, professor sênior da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo – USP e ex-ministro da Educação, conduziu a conferência de abertura “Famílias no Estado Laico e Multiculturalismo”.
Em sua fala, ele traçou um panorama histórico e filosófico sobre a importância da laicidade, da pluralidade e do papel do conhecimento na construção de uma sociedade democrática.
O filósofo refletiu sobre o sentido das profissões e da fé no trabalho: “A profissão, por um lado, é um espaço profissional que uma pessoa adora; mas, por outro, é também uma escolha quase religiosa que fazemos. Dar aula, por exemplo, é um ato de fé na vida.”
A partir dessa ideia, Janine introduziu o conceito de “espaço leigo”, defendendo que todos, mesmo especialistas, são leigos fora de suas áreas. “O leigo é aquele que não tem profissão – e, de certa forma, todos nós somos leigos em relação a tudo aquilo que não é nossa área. Vivemos num mundo de múltiplas especialidades – um mundo em que o espaço leigo é cada vez mais importante.”
Como ex-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC, o conferencista destacou a relevância do diálogo entre as áreas do saber. “Cada cientista também tem o dever, o direito e a responsabilidade de dialogar com todos os outros cientistas, sabendo que, fora de sua especialidade, os demais também são leigos no que ele fala.”
Laicidade e República
Renato Janine fez um percurso histórico que relacionou a Revolução Francesa, a Comuna de Paris e a Proclamação da República no Brasil à consolidação do Estado laico e democrático. “A Comuna de Paris foi o primeiro experimento socialista do mundo moderno. Seus decretos são reveladores: separação entre Igreja e Estado, igualdade de direitos entre homens e mulheres, e escola pública, gratuita e obrigatória.”
Ele lembrou que, no Brasil, a separação entre Igreja e Estado se deu apenas com a proclamação da República. “Durante o Império, o Estado pagava os salários dos padres católicos e decidia quem poderia ser bispo. Com a República, isso muda: o Estado deixa de sustentar uma única religião e passa a garantir a liberdade religiosa, sem interferir na administração das igrejas.”
Para o filósofo, a laicidade continua sendo um pilar essencial da democracia moderna. “O Estado não deve se confundir com a Igreja, nem com um partido. Partidos governam temporariamente; o Estado, não. Ele permanece.”
Janine também fez uma crítica contundente ao patrimonialismo, fenômeno que, segundo ele, ainda marca a política brasileira: “Essa confusão entre o que é público e o que é de um grupo ou pessoa é o que chamamos de patrimonialismo – a apropriação privada da coisa pública, um vício que atravessa nossa história.”
Educação, diferença e multiculturalismo
Ao falar sobre educação, Janine ressaltou a importância da valorização da diferença como fundamento de uma sociedade livre. “Meus dois filhos tiveram a mesma educação e são muito diferentes. Há algo que é deles, algo próprio de cada um.”
Para ele, essa diversidade é um dos pilares do verdadeiro liberalismo – não o econômico, mas o humanista. “Falo do liberalismo como a ideia de que todos nós somos únicos, possuímos riquezas singulares, e que uma sociedade mais justa é aquela em que cada um pode florescer em sua diferença.”
Nesse sentido, o filósofo defendeu que o multiculturalismo e a tolerância são condições para o avanço intelectual e moral das sociedades contemporâneas. “Quando essas diferenças crescem, elas enriquecem os outros. Ficamos mais inteligentes, mais capazes, adquirimos condições de conhecer o que antes não conhecíamos e, assim, nos abrimos mais para o mundo.”
Por fim, Janine sintetizou sua visão de educação e convivência democrática: “Educar é abrir para o mundo. Ao nos abrirmos para outras perspectivas além das nossas, crescemos como indivíduos, aprendemos uns com os outros, e a sociedade se torna mais rica.”
Por Guilherme Gomes
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