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TJSC: união estável após os 70 anos não garante meação automática
Em decisão unânime, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina – TJSC excluiu uma mulher do inventário do ex-companheiro por considerar que ela não comprovou esforço comum. O colegiado manteve sentença de comarca do sul do Estado que extinguiu, sem julgamento de mérito, a ação de inventário proposta pela companheira do homem que faleceu em 2024, aos 70 anos.
Na ação, a mulher havia se colocado como inventariante e buscava garantir participação na divisão dos bens como viúva meeira. Paralelamente, os filhos do falecido ingressaram com inventário extrajudicial, ainda em andamento.
Como a mulher não foi incluída nesse procedimento como viúva ou herdeira, ela alegou nulidade. O juiz de primeiro grau extinguiu a ação judicial, sem examinar o mérito sobre a validade do inventário ou os direitos da companheira.
A 8ª Câmara Civil do TJSC confirmou a sentença. Para a desembargadora relatora do recurso, “não se verifica direito de meação a ser resguardado em inventário judicial, mostrando-se acertada a sentença de extinção do processo, já que não há interesse (necessidade/utilidade) em seguir com uma demanda sem um propósito prático (não há direito de meação a ser partilhado, e a partilha do direito de herança já está sendo objeto de inventário na via extrajudicial)”.
Conforme a decisão do TJSC, em união estável que envolve pessoa com mais de 70 anos, aplica-se, como regra, o regime da separação obrigatória de bens — salvo disposição em escritura pública em sentido contrário, inexistente neste caso. Esse regime não impede a divisão dos bens adquiridos em conjunto, mas exige prova concreta de esforço comum, sem mera presunção.
Ainda segundo o colegiado, eventuais discussões sobre a validade do inventário extrajudicial devem ser levantadas pelos meios processuais adequados, como uma ação anulatória, e não em ação de inventário e partilha.
Apelação: 5000252-85.2025.8.24.0069.
Patrimônio
De acordo com Nicolau Crispino, presidente do Instituto Brasileiro de Família, seção Amapá – IBDFAM-AP e procurador de Justiça do Ministério Público do Estado do Amapá – MPAP, o julgado seguiu o entendimento atual do Superior Tribunal de Justiça – STJ, por meio do qual, para que possa haver a divisão patrimonial dos aquestos em uma união estável, sob o regime da separação legal de bens, deve haver prova inequívoca da construção patrimonial com efetiva contribuição de cada um na aquisição desses bens.
Crispino esclarece: “Conforme a decisão, o regime de separação legal de bens não impede a meação dos bens, desde ‘que esteja comprovado o investimento de recursos pessoais de ambos, não havendo, nessa situação, presunção de esforço comum, como ocorre nos regimes de comunhão’, seguindo a orientação jurisprudencial atual do STJ (EREsp n. 1.623.858/MG, Rel. Min. Lázaro Guimarães, Segunda Seção, j. 23/05/2018; REsp n. 1.922.347/PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, j. 07/12/2021)”.
Apesar disso, ele entende que, mesmo no caso da imposição do regime de separação legal de bens para o casal que vive em união estável, constante do art. 1.641, II, do Código Civil, o esforço na construção patrimonial do casal deve ser presumido, não se exigindo que qualquer deles demonstre, efetivamente, haver contribuído com seu esforço, para a aquisição de bem que faça parte do acervo patrimonial comum.
“No caso da mulher, com 50 anos de idade, que sobreviveu ao falecimento de seu ex-companheiro, mesmo ele contando com mais de 70 anos de idade, o esforço pessoal para a construção dos bens comuns do casal deveria ser presumido, aplicando-se o comando da Súmula 377 do STF, sem a necessidade da prova do esforço para a construção patrimonial do casal”, opina o especialista.
Gênero
O diretor estadual do IBDFAM também reconhece a existência de casos de união estável entre pessoas com idade avançada e quase sem condições de demonstrar o esforço na construção do patrimônio comum. Segundo ele, mulheres nessa posição de desigualdade, encontram dificuldade para buscar essa prova junto ao Poder Judiciário.
“O Conselho Nacional de Justiça tem procurado trabalhar a conduta de magistrados e magistradas no julgamento de ações em que mulheres, em situação de desigualdade, têm enfrentado inúmeras barreiras para provar, em suas demandas, seus diversos direitos que se encontram violados, de acordo com o contido na Resolução CNJ 492/2023, que tornou obrigatória a adoção do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero”, comenta.
Nicolau Crispino explica ainda que, no contexto do julgado, meação corresponde ao termo que designa a metade ideal do patrimônio comum, adquirido pelo casal durante a união. Em um regime de comunhão, o acervo patrimonial comum do casal é medido por partes ideais correspondentes à metade ideal de todo o montante pertencente aos dois. “Já a herança é a parte do patrimônio do companheiro falecido, a qual é transmitida para os seus herdeiros, em virtude de lei ou de testamento.”
“Tomando por base o caso comentado, e comparando a meação e a herança, a primeira é a parte que já pertence ao patrimônio do sobrevivente, tratando-se de comunhão de bens, de acordo com as regras relativas ao regime de bens em vigor. Por fim, a herança corresponde à fração ideal do patrimônio restante do falecido, excluindo-se a meação do sobrevivente, a qual será dividida entre os seus sucessores”, detalha.
Jurisprudência
Segundo o procurador de Justiça, o STJ tem o entendimento atual de que, na hipótese de o casal viver em união estável, sob o regime da separação legal de bens, instituída pelo art. 1.641, II, do Código Civil, somente pode ser aplicada a regra contida na Súmula 377 do STF, se ficar comprovada a existência do esforço comum para o incremento patrimonial do casal.
“O STJ já decidiu pela aplicação dessa mesma Súmula 377, ou seja, pela comunicação dos bens adquiridos durante a união estável, mesmo sob o regime da separação legal de bens, sem que o casal tivesse que provar o esforço na aquisição do patrimônio, sendo esse esforço presumido. Como exemplo desses julgados, temos o REsp n.1.171.820/PR, cujo relator foi o Ministro Sidnei Beneti, e a relatora para o Acórdão foi a Ministra Nacy Andrighi, Terceira Turma, de 2010 e o REsp 1.008.684/RJ de 2012, Quarta Turma, cujo relator foi o Ministro Antônio Carlos Ferreira”, aponta.
“Contudo, a decisão ora comentada, alinha-se ao entendimento atual do STJ. O referido julgado também traz em seu texto várias decisões de tribunais estaduais e vários vários julgados do STJ, no mesmo sentido da posição adotada pelo TJSC”, finaliza.
Por Débora Anunciação
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