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TJSC restabelece alimentos compensatórios até a partilha e afasta enriquecimento ilícito

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina – TJSC restabeleceu o pagamento de alimentos compensatórios a uma mulher em processo de dissolução de união estável até a definição da partilha. O entendimento é de que os alimentos compensatórios não podem ser confundidos com antecipação ou parcelamento da meação, mas cumprem a função de equilibrar economicamente quem fica afastado da posse e da administração do patrimônio comum.
A ação declaratória de reconhecimento e dissolução de união estável com partilha de bens, regulamentação de guarda e alimentos foi ajuizada pela autora contra o ex-companheiro. Desde o início, foi requerida a fixação de alimentos compensatórios, em sede de tutela de urgência, tendo em vista o ex-companheiro ter permanecido na posse e administração de todos os bens, em especial empresas.
O pedido foi aceito na origem, mas uma decisão posterior revogou a verba sob alegação de que, após cinco anos de processo sem conclusão da partilha, a autora já teria recebido valores significativos.
Ao recorrer, a autora alegou que os alimentos compensatórios possuem natureza própria e autônoma, distinta da meação ou do resultado da partilha, e a verba não pode ser interpretada com uma forma de parcelamento da partilha, mas sim como instrumento de equilíbrio econômico entre as partes até a efetiva conclusão da partilha, com o pagamento da meação àquele que não permaneceu na posse dos bens. O argumento foi acolhido integralmente pelo TJSC.
Igualdade de gênero
Para Mariane Bosa, advogada do caso e membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a revogação antecipada da verba, antes da conclusão da partilha, não apenas afronta a lógica do instituto, como também gera enriquecimento ilícito, viola o princípio da igualdade de gêneros e perpetua a violência patrimonial contra a mulher, modalidade expressamente reconhecida pela Lei Maria da Penha.
“Essa verba tem a finalidade de equilibrar economicamente aquele que, após o fim da união, fica afastado da administração dos bens comuns, sem acesso à sua meação nem aos frutos dela decorrentes. Conforme a decisão, os alimentos compensatórios não se confundem com um parcelamento da partilha e não se compensam com o valor dos bens a serem partilhados, já que sua função é exclusivamente a de garantir equilíbrio econômico enquanto um dos ex-cônjuges permanece na administração exclusiva do patrimônio”, afirma a advogada.
Na visão da advogada, a decisão reafirma o direito à percepção de uma compensação enquanto não ultimada a divisão patrimonial e impede que aquele que permanece na posse e administração exclusiva do acervo comum se beneficie da morosidade processual como estratégia de postergação da partilha, usufruindo sozinho dos frutos do patrimônio sem qualquer contraprestação ao outro consorte.”
“Conforme consignado no acórdão, a principal função dos alimentos compensatórios é evitar o enriquecimento sem causa do ex-companheiro que permanece na posse do patrimônio comum do casal e, portanto, usufrui de forma unilateral dos frutos desses bens. Nesse contexto, o escritório obteve êxito ao reverter a decisão de primeiro grau e assegurar o retorno do pagamento da verba em favor da nossa cliente até a efetiva conclusão da partilha, com o pagamento de sua meação, sobretudo porque a totalidade do patrimônio, bens móveis, imóveis e, em especial, as empresas, seguem sob administração exclusiva do ex-companheiro”, observa.
Ainda conforme a especialista, dessa forma, a fixação dos alimentos compensatórios mitiga os efeitos negativos da demora da partilha na parte desprovida, ainda que temporariamente, da meação.
“Assim, restou demonstrado que a demora ou a protelação da partilha configura verdadeira violência processual e patrimonial, na medida em que perpetua o uso exclusivo dos bens comuns por apenas um dos consortes, em prejuízo do outro, que permanece privado de sua meação sem a devida compensação”, complementa.
Alimentos compensatórios
Mariane entende que os maiores desafios para garantir a efetividade dos alimentos compensatórios no Judiciário brasileiro incluem reafirmar o conceito e a finalidade do instituto. Segundo ela, ainda há resistência em compreendê-lo como uma prestação autônoma e temporária, destinada a equilibrar economicamente os ex-consortes até a efetiva partilha, e não como uma antecipação ou parcelamento da meação.
“Superado esse obstáculo, impõe-se demonstrar, no caso concreto, o desequilíbrio patrimonial existente: de um lado, quem permanece na posse e administração exclusiva do patrimônio comum, usufruindo sozinho de seus frutos; de outro, aquele que fica privado de sua meação e precisa de compensação para manter um mínimo de equilíbrio”, acrescenta.
Outro ponto mencionado pela advogada é a produção de prova. “A constatação desse desequilíbrio depende de perícia contábil sobre empresas e exige profissionais qualificados, capazes de compreender as especificidades do ramo de atividade e os limites do objeto da perícia.”
“Além disso, é comum que a parte contrária utilize expedientes protelatórios para atrasar a entrega da documentação necessária, o que exige atuação estratégica da advocacia e acompanhamento técnico rigoroso para que a prova seja produzida de forma célere e precisa”, acrescenta.
Efetividade
Mariane Bosa destaca ainda desafios ligados ao cumprimento da decisão, pois o arbitramento da verba não é suficiente para assegurar sua efetividade. “Torna-se necessário lançar mão de mecanismos eficazes, como o desconto direto sobre lucros a distribuir, a fixação de astreintes em caso de descumprimento e, em hipóteses que envolvem sociedades empresariais, até mesmo a desconsideração inversa da personalidade jurídica, de modo a alcançar receitas para o efetivo pagamento.”
Ainda conforme a advogada, os alimentos compensatórios são devidos até a conclusão da partilha e o efetivo pagamento da meação, possuindo caráter indenizatório em favor daquele que não detém a posse e a administração dos bens comuns.
“O instituto cumpre a finalidade de impedir o enriquecimento sem causa e de coibir a utilização do processo como instrumento de violência patrimonial e fraude à partilha, práticas infelizmente recorrentes. Em síntese, este campo demanda conhecimento técnico especializado, atuação advocatícia estratégica e diligente, a fim de que os alimentos compensatórios possam efetivamente cumprir sua função sem distorções”, conclui.
Por Débora Anunciação
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