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Justiça do Mato Grosso do Sul majora alimentos com base na teoria da aparência

Com base na chamada teoria da aparência, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul – TJMS decidiu majorar o valor da pensão provisória de uma criança de três anos, filha de um casal cuja união estável foi desfeita.
Em primeira instância, o valor havia sido estabelecido em um salário mínimo, mas a 4ª Câmara Cível do Tribunal estadual entendeu que o montante era insuficiente diante das necessidades da filha e dos indícios de que o pai mantém padrão de vida elevado.
Com base na teoria da aparência – que permite considerar sinais exteriores de riqueza quando não há comprovação formal de renda – os magistrados majoraram a pensão para um salário e meio.
Segundo o colegiado, a ausência de provas formais de renda não impede a Justiça de considerar sinais exteriores de riqueza, como estilo de vida, viagens e ostentação em redes sociais, para fixar o valor da obrigação. A decisão foi unânime e poderá ser revisada futuramente, caso surjam novas provas sobre a real situação financeira das partes.
O pedido de pensão compensatória à ex-companheira foi rejeitado, por falta de comprovação de desequilíbrio econômico grave ou ausência de condições próprias de subsistência.
O processo tramita em segredo de Justiça.
Real condição financeira
Para a advogada Marla Diniz Brandão Dias, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, que atuou no caso, a questão central é garantir que o valor da pensão reflita a real condição financeira do genitor-alimentante, especialmente quando ele apresenta um padrão de vida diferente do declarado no processo ao ocultar patrimônio ou subestimar seus próprios rendimentos.
“Trata-se de uma questão que vai além deste processo e reflete uma realidade enfrentada por muitas mulheres e crianças no Brasil, que encontram grandes dificuldades para ter garantido o direito a alimentos compatíveis com o padrão de vida dos genitores”, afirma.
Ela considera que a decisão do TJMS foi “sensível e responsável” ao olhar além da renda formal declarada e considerar sinais exteriores de riqueza para fixar um valor mais justo.
“Esse olhar assegura a dignidade de crianças e adolescentes sem sobrecarregar ainda mais a genitora que, tão comumente, já arca com a maior parte do cuidado e do sustento. Além disso, tem um efeito pedagógico importante por inibir comportamentos de má-fé de devedores que buscam se esquivar de suas responsabilidades por meio de artifícios”, avalia.
Forma versus conteúdo
A advogada considera também que decisões dessa natureza rompem com a visão de que somente documentos formais podem ser usados como prova para avaliação de renda do alimentante.
“Ao adotar a teoria da aparência, o Tribunal mostra estar atento à realidade social, reconhecendo que o padrão de vida exibido pode ser incompatível com a renda declarada. E incorpora, ainda que implicitamente, uma perspectiva de gênero, ao reconhecer que a ocultação patrimonial recai quase sempre em prejuízo das mães, que já acumulam desproporcionalmente as tarefas de cuidado”, analisa.
Ela acrescenta que a decisão mostra como a Justiça tem encontrado estratégias para enfrentar a ocultação patrimonial e reafirmar que a proteção dos filhos deve prevalecer sobre formalismos.
“Para as mulheres, representa mais equidade e justiça, pois assegura que a responsabilidade financeira seja realmente compartilhada de acordo com a capacidade de cada genitor e observando as necessidades do filho. Ao mesmo tempo, serve como parâmetro para outros julgadores e reforça a necessidade de um Direito das Famílias mais realista, socialmente comprometido e atento às desigualdades de gênero”, conclui.
Por Guilherme Gomes
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