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Mãe é nomeada curadora de filho com transtorno ligado a jogos e prodigalidade

Atualizado em 14/08/2025
Em Santa Catarina, uma mulher foi nomeada curadora do filho de 26 anos diagnosticado com transtorno obsessivo compulsivo, no formato de abuso e dependência de jogos e apostas eletrônicas, acrescido de comportamento pródigo – caracterizado por grau de ingenuidade para lidar com dinheiro e propostas que envolvam recursos financeiros. A medida é restrita a atos patrimoniais e financeiros e terá validade de 10 anos.
Na ação de interdição e curatela, o juízo concluiu que o rapaz é parcialmente incapaz de exercer atos da vida civil na seara econômica, tais como emprestar, transigir, dar quitação, alienar, hipotecar, demandar ou ser demandado e praticar atos de comércio em geral, ou seja, atos que não sejam de mera administração, sem sua curadora.
A decisão teve como base uma perícia realizada por especialista em psiquiatria que identificou tanto a mania por jogos e apostas quanto a prodigalidade.
Conforme a perícia, trata-se de pessoa parcialmente incapaz de entender vários fatos da vida civil, especialmente os que têm a ver com administração de dinheiro e bens. Apesar disso, foi destacado que a maturidade pode atenuar sua característica de pródigo, talvez transitória, motivo pelo qual foi estipulada a necessidade de reexame em 10 anos.
Autonomia
A professora e pesquisadora Patrícia Gorisch, diretora nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, entende que a decisão é juridicamente equilibrada e socialmente sensível. “É essencial enfatizar que não se trata de um quadro de deficiência, mas de uma questão de saúde mental que impacta diretamente a capacidade do indivíduo de administrar seu patrimônio de forma responsável.”
Patrícia destaca que a curatela foi fixada de forma parcial, restringindo apenas a prática de atos patrimoniais e negociais relevantes, como alienar, hipotecar, emprestar, transigir, demandar ou ser demandado, e preservando a autonomia para atos simples de administração, como consultas de extratos e pagamentos de rotina. A delimitação, segundo ela, respeita a autonomia remanescente do curatelado e garante proteção contra decisões financeiras impulsivas e de alto risco.
A especialista também observa que a escolha da mãe como curadora é adequada pela confiança, proximidade e vínculo afetivo, favorecendo uma gestão protetiva e atenta. Já a fixação de prazo de dez anos, com previsão de reavaliação, “revela prudência e evita a perpetuação de restrições desnecessárias, permitindo ajustar a medida caso haja evolução clínica favorável.”
“Do ponto de vista social, o julgado chama atenção por reconhecer que transtornos mentais e comportamentais, como a ludopatia e a prodigalidade, geram vulnerabilidade patrimonial e exigem mecanismos jurídicos protetivos, sobretudo em um cenário de fácil acesso às plataformas digitais de apostas e crescente endividamento causado por tais condutas”, afirma.
Curatela
De acordo com Patrícia Gorisch, embora a curatela seja um instituto consolidado no ordenamento jurídico, a aplicação do mecanismo a um caso de dependência em jogos e apostas, associado à prodigalidade, sem a presença de deficiência, ainda é rara na jurisprudência brasileira.
Para ela, a decisão do TJSC inova ao reconhecer que questões de saúde mental, que afetam de forma significativa a capacidade de autodeterminação patrimonial, também podem justificar a imposição de curatela parcial. “Esse entendimento amplia o alcance protetivo do instituto e reforça a lógica da intervenção mínima, prevista no Estatuto da Pessoa com Deficiência, adaptando a medida às necessidades concretas do indivíduo, sem suprimir integralmente sua capacidade civil.”
“De modo geral, o Poder Judiciário é cauteloso ao impor curatela para adultos que não apresentam deficiência, limitando-se a casos de demência ou incapacidade intelectual severa. No entanto, este precedente sinaliza um avanço na compreensão de que transtornos mentais, como a ludopatia, podem demandar proteção jurídica semelhante, sobretudo quando há comprovação pericial de que tais condições comprometem a segurança financeira do indivíduo”, pontua.
A professora acrescenta ainda que, “ao reconhecer o jogo patológico como elemento incapacitante para a gestão patrimonial, a decisão contribui para o desenvolvimento de uma jurisprudência mais atenta à interface entre saúde mental, vulnerabilidade econômica e relações familiares, estabelecendo um marco relevante para futuras demandas dessa natureza”.
Por Débora Anunciação
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