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STJ reconhece direito ao registro civil com gênero neutro
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Atualizado 08/05/2025
O julgamento do caso de uma pessoa que buscava retificar o registro civil para ser reconhecida como gênero neutro chegou ao fim nessa terça-feira (6), no Superior Tribunal de Justiça – STJ. Por unanimidade, a Terceira Turma acolheu o recurso e autorizou a retificação.
No caso em questão, a pessoa passou por cirurgias e tratamento hormonal durante o processo de afirmação de gênero, mas não se adaptou e hoje não se identifica nem como homem, nem como mulher – tratando-se, portanto, de uma identidade de gênero neutra.
A análise do caso começou em março passado, mas foi suspensa após pedido de vista do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. Na ocasião, a relatora, ministra Nancy Andrighi, antecipou o posicionamento a favor da possibilidade de correção no registro civil.
No voto, a ministra destacou que o caso é um dos primeiros julgamentos sobre o assunto no mundo. A relatora afirmou se tratar de um desafio jurídico e social e enfatizou o sofrimento enfrentado pela pessoa envolvida no processo.
A relatora votou por conhecer e prover o recurso especial, com a determinação de retificar o registro civil para excluir a menção ao gênero atribuído ao nascimento e incluir o gênero neutro.
Voto-vista e voto vogal
Em voto-vista, o ministro Villas Bôas Cueva acompanhou a relatora e acrescentou considerações conceituais sobre sexo, identidade de gênero e a evolução de tais temas no campo legislativo, jurisprudencial e do Direito Comparado, além de destacar o avanço do entendimento jurídico sobre o reconhecimento das identidades de pessoas não binárias.
Em voto vogal, também proferido na sessão de terça-feira (6), a ministra Daniela Teixeira acompanhou integralmente a relatora e destacou que garantir o registro do gênero com o qual a pessoa se identifica é uma forma de resguardar sua vida, segurança, saúde mental e, sobretudo, o direito de ser quem é.
Daniela mencionou o chamado "direito à felicidade", reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal – STF em precedentes como o da união homoafetiva.
Para a ministra, permitir que pessoas trans e não binárias tenham seus documentos ajustados à sua identidade, é garantir a elas a proteção social e jurídica que pessoas binárias recebem desde o nascimento.
Precedentes
A jurista Maria Berenice Dias, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, avalia positivamente a decisão do STJ. “É mais um passo significativo do STJ para o reconhecimento dos direitos da população LGBT+, atendendo à realidade de determinados segmentos da população”, declara.
“Vemos que o STJ está atento a essa realidade ao admitir que pessoas que se reconhecem como não binárias possam ter isso retratado em seus registros civis. É uma decisão sensível, como têm sido as manifestações dos tribunais superiores do país”, afirma.
Ela relembra que a decisão dialoga com precedentes como o julgamento do Tema 761 pelo Supremo Tribunal Federal – STF, que reconheceu o direito das pessoas trans à alteração de nome e gênero diretamente no cartório, sem necessidade de ação judicial ou cirurgia.
“Essa decisão do STF deu ensejo ao Provimento 73/2018, alterado pelo Provimento 152/2023, que passou a permitir a alteração da identidade de gênero diretamente nos registros civis. O que o STJ fez agora foi ampliar esse entendimento para além da cisgeneridade e da binariedade”, concluiu.
Maria Berenice Dias também destaca o Provimento 122/2021, expedido pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ após requerimento do IBDFAM, que garantiu o direito ao registro civil com "sexo ignorado" para crianças intersexo. Antes da norma, a ausência de definição de sexo impedia o registro de nascimento, gerando exclusão de direitos básicos.
“No momento em que passou a existir uma resolução admitindo o registro de nascimento de crianças com sexo ignorado, ficou evidente que antes disso não havia possibilidade de o registro civil refletir a identidade real dessas pessoas”, pontua.
Por Guilherme Gomes
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