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Congresso Internacional do IBDFAM foca no Direito para todas as famílias e na proteção de crianças e adolescentes; veja como foi o evento em Búzios
Juristas e especialistas discutem novas demandas familiares e propostas de reformas; evento reuniu 800 congressistas
No Rio de Janeiro, a combinação de biscoito Globo e chá mate gelado é o lanche obrigatório para quem passa pela cidade. Sinônimo de descontração e leveza, essa tradição carioca pode parecer distante da formalidade de um evento jurídico, mas não do VIII Congresso Internacional de Direito das Famílias do IBDFAM e do IX Congresso do IBDFAM-RJ.
Realizado em 7, 8 e 9 de novembro, em Búzios, o evento recebeu 800 congressistas com os tradicionais vendedores das iguarias cariocas, já consideradas patrimônio cultural local, e também reuniu juristas, especialistas e estudantes para discutir temas que podem ajudar a compreender o mundo contemporâneo sob a ótica do Direito das Famílias e das Sucessões.
Rodrigo da Cunha Pereira, presidente nacional do IBDFAM, foi o responsável por apresentar a palestra de abertura, que abordou a importância de escolher cuidadosamente as palavras no campo jurídico para promover uma evolução no Direito. “À medida que alteramos os significantes, estamos ressignificando conceitos e atribuindo novos sentidos a eles. Esse cuidado com as palavras é fundamental, pois é uma das formas de ajudar o Direito a evoluir”, argumentou.
Maria Berenice Dias, vice-presidente do Instituto, falou sobre inseminação caseira, técnica que recentemente esteve presente em um caso julgado pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ, que reconheceu a dupla maternidade.
“Muitas famílias recorrem a essa técnica e não podemos impedir que essas crianças sejam registradas. O Conselho Federal de Medicina estabelece regras para o uso de técnicas de reprodução assistida, e o CNJ acaba exigindo os mesmos documentos no momento do registro da criança gerada por inseminação caseira. Entretanto, quando esses documentos não são oriundos de laboratórios ou clínicas, o registro imediato, ao nascer, fica complicado, e muitas vezes é preciso buscar na Justiça esse direito. Nós, advogados, temos que garantir o direito de registrar essas crianças”, argumentou a jurista.
Transformação
Pela primeira vez, o congresso foi organizado em duas frentes: uma programação principal, composta por painéis sobre temas centrais do Direito, e uma programação paralela, que abordou questões específicas com debates dinâmicos.
O compromisso com os direitos das famílias, em toda sua diversidade, e o bem-estar das pessoas envolvidas, principalmente crianças e adolescentes, foram os grandes temas dessa edição do Congresso. Foram abordados aspectos da convivência familiar e a necessidade de adaptações legais e sociais para acompanhar as transformações das famílias e as novas demandas que surgem delas.
Conrado Paulino da Rosa, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família, seção Rio Grande do Sul – IBDFAM-RS, compartilhou com os congressistas experiências europeias com planos de parentalidade. Segundo ele, elas podem “enriquecer a convivência familiar, principalmente no contexto pós-divórcio”.
No mesmo sentido, Glícia Brazil, vice-presidente da Comissão de Infância do IBDFAM, falou sobre a importância da interlocução entre a Psicologia e o Direito para enfatizar a proteção de crianças e adolescentes diante dos conflitos familiares. Na palestra, ela defendeu a introdução de um novo artigo na Lei 12.318/2010
“Essas salas têm como objetivo garantir que a criança seja ouvida em um ambiente adequado, onde a entrevista é gravada. Esse procedimento não é considerado perícia, e sim uma forma de depoimento, sem a elaboração de laudos. Com a introdução deste artigo, o CNJ se preocupa com o risco de a criança, em situação de Alienação Parental, distorcer seu relato”, explicou.
Internacional
Representando os núcleos em países de língua portuguesa do IBDFAM, Iracelma Medeiros-Filipe, vice-presidente do Núcleo do Instituto em Angola, contou como tem sido a experiência do país ao tornar-se signatário da Convenção da Haia. No palco do Congresso Internacional, ela falou sobre os impactos do tratado nos processos de adoção internacional em Angola.
“O Brasil também é signatário dessa Convenção, o que significa que, para a adoção de crianças angolanas por cidadãos brasileiros, o processo deverá ser iniciado no órgão central do local de residência do adotante, no Brasil. Esse órgão será responsável por encaminhar o processo ao órgão central de Angola. As principais vantagens de Angola ratificar a Convenção são, primeiramente, a prevenção de adoções irregulares e, posteriormente, o acompanhamento adequado das crianças que forem adotadas fora do país”, pontuou.
Presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família, seção Bahia – IBDFAM-BA, Fernanda Barretto tratou das técnicas de reprodução medicamente assistidas, ainda não regulamentadas no Brasil. “O Brasil é um dos países campeões na América Latina em termos de utilização dessas técnicas, e é essencial analisar o tema também sob o prisma internacional, considerando o que alguns chamam de ‘turismo reprodutivo’”, explicou a especialista, que também falou de questões relacionadas aos embriões excedentes, aspectos sucessórios, direitos filiativos e a proteção de dados genéticos.
Com uma abordagem prática, Cristiana Mendes, presidente da Comissão de Defensores Públicos do IBDFAM, destacou técnicas para acelerar resultados nos processos de inventário e partilha. “Um exemplo prático é a partilha antecipada, defendida por juristas brasileiros, que consiste em deixar para um momento posterior os bens problemáticos e liquidar primeiro aqueles que são incontroversos para a família. Outro ponto é a busca por tutelas provisórias ou antecipações de quinhão ou de fruição, sem a necessidade de esperar pela segunda etapa do procedimento bifásico, que tende a ser mais demorada devido à natureza especial desse processo”, explicou.
O Congresso contou com palestras sobre o uso da mediação e da arbitragem como alternativas ao litígio nos conflitos familiares, promovendo métodos que considerem a autonomia e o respeito às particularidades familiares.
Diretor nacional do IBDFAM, Ricardo Calderón saiu em defesa da arbitragem. “O Direito de Família, hoje, pode abrir novas perspectivas para o advogado atuar como um verdadeiro ‘designer’ de prevenção e solução de conflitos. Acredito que o Direito de Família não é mais um direito indisponível, como aprendemos na faculdade. Hoje, ele é prima facie disponível, o que traz diversas oportunidades interessantes para profissionais da área”, comentou.
Ana Gerbase, presidente da Comissão de Mediação do IBDFAM, promoveu um panorama do uso da prática nos países de língua portuguesa, além de refletir sobre a Mediação no Brasil. “É fundamental que os profissionais que atuam nessa área tenham conhecimento suficiente para utilizar as ferramentas mais adequadas em casos concretos, seja no âmbito dos nossos escritórios, seja nas situações cotidianas que envolvem nossas famílias. A Mediação tem um papel transformador e, por isso, é essencial continuarmos a investir na formação e no aprimoramento dos profissionais, a fim de garantir uma solução mais eficiente, humana e respeitosa para as famílias envolvidas em conflitos”, argumentou.
Reforma
A reforma do Código Civil, cujo anteprojeto produzido pela Comissão de Juristas foi entregue ao Senado em abril passado, foi o tema central da palestra de Rodrigo Toscano de Brito, diretor nacional do IBDFAM, e Ana Luiza Nevares, vice-presidente da Comissão de Direito das Sucessões do Instituto.
Rodrigo Toscano discutiu a necessidade de modernização das normas legais para atender a demandas atuais e promover maior clareza no que diz respeito ao planejamento sucessório. “O anteprojeto também abre possibilidades para tratar de questões que antes não poderiam ser abordadas no pacto sucessório, como o pacto pós-nupcial. Ou seja, é possível agora, após o casamento, realizar um pacto sucessório, o que representa um avanço significativo. Outro ponto relevante é a inclusão de cláusulas de sucessão dentro dos contratos de sociedade, algo que também está sendo discutido nas reformas do Código Civil. Uma das propostas é reforçar a autonomia da vontade, permitindo que as pessoas definam, de forma expressa no contrato social, como será feita a sucessão de cotas em sociedades limitadas, o que é uma questão bastante comum no Brasil”, analisou.
Já Ana Luiza Nevares falou sobre a importância em analisar as propostas de revisão do Código Civil, ainda que não se saiba como ocorrerá a tramitação delas. “Um dos temas mais relevantes é a questão da sucessão hereditária do cônjuge e do companheiro”, destacou.
Presidente da Comissão de Tecnologia do IBDFAM, Patricia Sanches apresentou palestra sobre o impacto das neurotecnologias na privacidade e nos neurodireitos. “Hoje, já é possível que a tecnologia capte os dados cerebrais, como o que a pessoa pensa, sente e até suas emoções. Nosso principal desafio, portanto, é refletir sobre o que está sendo feito com esses dados, informações tão íntimas do ser humano, que envolvem pensamentos e sentimentos. Como podemos proteger essa privacidade mental? Quais são os limites da utilização desses dados sensíveis?”, questionou.
Os palestrantes do Congresso do IBDFAM e Congresso do IBDFAM-RJ mostraram preocupação com a inclusão e a dignidade de todos os membros da família, independentemente de suas diferenças. Andréa Pachá, diretora nacional do Instituto, falou sobre envelhecimento feminino, enquanto Gabriella Andréa Pereira palestrou sobre a inclusão de raça e gênero.
“Se já há desigualdade na infância, juventude e maturidade, o impacto da desigualdade de gênero no envelhecimento tem exigido alternativas para que as mulheres possam viver com respeito, dignidade e liberdade. O envelhecimento é uma experiência subjetiva, e cada mulher tem o direito de envelhecer da maneira que escolher. O Estado deve garantir às mulheres a igualdade que está formalmente prevista na Constituição, mas que, infelizmente, ainda está muito distante da realidade”, afirmou Andréa Pachá.
Já Gabriella Andréa argumentou sobre o direito à felicidade. “O nosso trabalho, enquanto profissionais do Direito das Famílias, é voltado para o propósito de garantir que todos se sintam acolhidos, respeitados e dignos de seus direitos. Não há mais espaço no IBDFAM para discutir famílias sem considerar gênero, cor ou história. Estamos aqui para plantar essa semente e regá-la, para colher frutos que beneficiem todas as famílias”, declarou ela, que é membro do Instituto.
Patrimônio
A prescrição das reivindicações patrimoniais após o fim da conjugalidade foi o tema da palestra conduzida por Flávia Alessandra Naves, membro da Comissão de Pesquisa do IBDFAM, que fez referência a uma recente decisão do Superior Tribunal de Justiça – STJ. “Essa decisão traz esclarecimentos importantes sobre se, ao término do casamento ou da união estável, a pessoa tem direito a reivindicações patrimoniais que ficaram pendentes”, observou.
O encerramento do VIII Congresso Internacional de Direito das Famílias e IX Congresso do IBDFAM-RJ ficou a cargo de Rolf Madaleno, diretor nacional do Instituto. O jurista conduziu uma fala sobre a teoria das recompensas, ou teoria do reembolso, que, segundo ele, é aplicada em vários países, mas ainda está em fase embrionária no Brasil.
“Essa teoria propõe a possibilidade de buscar, na liquidação da sentença ou na partilha dos bens conjugais, a recomposição, reposição ou o reembolso das desigualdades que possam existir, visando equalizar as respectivas contribuições dos cônjuges. Isso é particularmente relevante porque, historicamente, as mulheres têm sido desfavorecidas na divisão dos bens, perpetuando uma discriminação que tem marcado a nossa sociedade por muito tempo. Esperamos que, em algum momento, possamos alcançar essa verdadeira igualdade material entre os gêneros”, afirmou.
Diálogos
Além de fechar o Congresso, Rolf Madaleno marcou presença no painel que abriu a programação paralela, conduzido por Cintia Burille, membro do IBDFAM, e Luiz Cláudio Guimarães, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família, seção Rio de Janeiro – IBDFAM-RJ, sobre alimentos compensatórios e transitórios no contexto de contratualização das relações afetivas.
“Trouxemos à tona a divergência doutrinária existente, principalmente no que se refere à aplicação dos alimentos compensatórios, com ênfase na contribuição do professor Rolf, que introduziu essa temática no Brasil, a partir do Direito argentino e espanhol. O objetivo foi proporcionar uma reflexão sobre como essas questões têm sido tratadas nos tribunais e, assim, como podemos aplicá-las na prática, tanto no Direito de Família quanto no Direito Sucessório”, argumentou Cintia Burille.
Também na programação paralela, Ana Paula de Oliveira Antunes, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família, seção Santa Catarina – IBDFAM-SC, debateu sobre fraude na partilha e o Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero. “O protocolo é fundamental para evitar a repetição de estereótipos, bem como a discriminação de gênero, tão evidente em nossas ações de família, mas também com relação às mulheres que atuam no Poder Judiciário ou que enfrentam grandes dificuldades para ingressar na carreira jurídica ou no Ministério Público”, analisou.
Presidente da Comissão Nacional de Adoção do IBDFAM, Silvana do Monte Moreira falou sobre a atuação de advogados e advogadas nos processos de adoção, suas particularidades e diferenças. “Os prazos são diferentes, e tudo no processo tem um caráter especial, porque lidamos com o princípio da prioridade absoluta”, pontuou.
Mais uma vez, o evento que trouxe o VIII Congresso Internacional de Direito das Famílias e o IX Congresso do IBDFAM-RJ superou as expectativas e promoveu palestras importantes, insights sobre os principais temas contemporâneos e encontros inesquecíveis. Ao fazer um balanço do evento, Luiz Cláudio Guimarães destacou o reconhecimento dos congressistas. “Conseguimos unir palestras produtivas, que trouxeram a teoria e a prática para o dia a dia dos profissionais, com momentos de lazer e interação, que também são fundamentais”, avaliou.
Em dois anos, o evento volta a acontecer, prezando pela natureza descontraída e leve como a junção do biscoito Globo com o chá mate gelado. Até lá, o IBDFAM já tem marcado seu próximo grande evento: o XV Congresso Brasileiro de Direito das Famílias e Sucessões do IBDFAM, que acontece nos dias 29, 30 e 31 de outubro de 2025, em Belo Horizonte.
Por Guilherme Gomes
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