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STF suspende análise de dispositivos da Lei de Planejamento Familiar após pedido de vista
O Supremo Tribunal Federal – STF interrompeu, na quarta-feira (6), o julgamento em que o Plenário analisa a constitucionalidade de dispositivos da Lei de Planejamento Familiar (9.263/1996) após pedido de vista do ministro Cristiano Zanin. Até o momento, votaram o relator, ministro Kassio Nunes Marques, e o ministro Flávio Dino.
A análise se dá na Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 5911, movida pelo Partido Socialista Brasileiro – PSB, que tem por objeto o inciso I do artigo 10 da Lei 9.263/1996, que diz:
Art. 10. Somente é permitida a esterilização voluntária nas seguintes situações:
I – em homens e mulheres com capacidade civil plena e maiores de 21 (vinte e um) anos de idade ou, pelo menos, com 2 (dois) filhos vivos, desde que observado o prazo mínimo de 60 (sessenta) dias entre a manifestação da vontade e o ato cirúrgico, período no qual será propiciado à pessoa interessada acesso a serviço de regulação da fecundidade, incluindo aconselhamento por equipe multidisciplinar, visando desencorajar a esterilização precoce.
A atual redação do dispositivo foi dada pela Lei 14.443/2022, que também revogou o § 5º do artigo 10 e eliminou a necessidade de consentimento expresso do cônjuge para a realização de cirurgia de esterilização voluntária.
Como votaram os ministros?
Ao proferir voto, o ministro Nunes Marques entende que a idade mínima e a capacidade civil plena, como ter mais de 21 anos, são condições obrigatórias e complementares para garantir que a pessoa esteja plenamente consciente dos impactos dessa decisão irreversível.
Sendo assim, para realizar o processo de esterilização, uma pessoa deve ter no mínimo 21 anos, independentemente de quantos filhos tenha. A exigência de "dois filhos vivos" não substitui o requisito da idade mínima. Assim, mesmo que uma pessoa tenha dois filhos, ela não poderá fazer a esterilização se for menor de 21 anos.
Nunes Marques enfatizou que a Constituição, com base na dignidade humana, no planejamento familiar e na responsabilidade dos pais, assegura ao casal o direito de escolher quando e como ter filhos, e que o papel do Estado é oferecer suporte educacional e científico, sem interferir ou forçar decisões.
Ele explicou que só uma lei pode estabelecer limites à escolha das pessoas. Assim, cabe ao Congresso fixar a idade mínima e as condições para fazer uma laqueadura. Para o ministro, a idade mínima de 21 anos não é inconstitucional, pois a Constituição permite ao Legislativo definir diferentes critérios dependendo do caso.
Além disso, ele considerou que a restrição da idade é apropriada e necessária, pois pesquisas mostram que muitas mulheres jovens se arrependem após a esterilização. Ao estabelecer a idade mínima de 21 anos, busca-se um equilíbrio entre a liberdade individual e a cautela necessária para evitar decisões precipitadas.
O ministro também destacou que o SUS já oferece diversos métodos contraceptivos e que, por ser uma decisão irreversível, a laqueadura precisa de regulamentação cuidadosa. Ele concluiu que apenas pessoas com capacidade legal completa podem optar pela esterilização, independentemente do número de filhos que tenham.
O ministro Flávio Dino acompanhou o relator e sugeriu a retirada do trecho "com vistas a desencorajar a esterilização precoce", da parte final do art. 10, I, da Lei 14.443/22. Segundo ele, tal trecho viola a autonomia individual e o escopo da norma.
Atuação do IBDFAM
Além de ter enviado parecer que serviu de subsídio para a ADI, o IBDFAM atua como amicus curiae no julgamento em defesa de critérios legais como: ter capacidade civil; ser maior de 18 anos; e que a pessoa tenha sido conduzida por meio de um processo de consentimento livre e esclarecido, para fins de manifestar o desejo de realizar a esterilização voluntária.
Representado pela advogada Ligia Ziggiotti, o Instituto apresentou sustentação oral no Plenário do STF. Relembre:
Na ocasião, Ziggiotti citou o caso de uma mulher paranaense que, apesar de ser "candidata perfeita" para o procedimento, teve o direito negado, enquanto uma mulher presa preventivamente teve a esterilização imposta.
"A umas, que desejam a esterilização, o procedimento é negado. A outras, que não consentem com a esterilização, o procedimento é imposto. A coincidência em ambos os casos é de um Estado que opera o corpo feminino como uma marionete, soltando e repuxando cordas com mãos, ainda misóginas, ainda racistas e ainda elitistas”, afirmou.
A especialista afirmou que algumas alterações já foram conquistadas durante o trâmite do processo. “Por exemplo, no início dessa ação ainda existia aquele critério de que era necessária a autorização do cônjuge para o acesso à esterilização voluntária. Esse é um critério que caiu. A Lei 14.443/2022 retirou esse critério, que fazia parte dos nossos questionamentos, dos exigidos legalmente para se ter acesso a esse direito humano e fundamental.”
Ziggiotti acrescentou, porém, que ainda há outros dispositivos da norma que devem ser questionados. “Estamos questionando dois critérios colocados como alternativos pela legislação: a lei prevê o direito à esterilização voluntária quando você tem mais de 21 anos ou dois filhos vivos, pelo menos.”
“Questionamos esses critérios porque eles são distintos dos critérios para exercício de atos da vida civil, previstos pelo nosso Código Civil, que basicamente exige, para atos como esse, inclusive cirúrgicos, que se trate de pessoas civilmente capazes, o que costuma coincidir com 18 anos completos”, apontou.
Para a advogada, estipular um critério etário maior (21 anos) e alternativo (ao menos dois filhos vivos) traz perspectivas atípicas. “O próprio legislador aborda o motivo pelo qual faz essas escolhas atípicas: desestimular a esterilização precoce.”
“Esse termo precoce é muito subjetivo e demonstra uma valoração do Estado sobre a escolha de não ter filhos muito inapropriada”, ponderou Ligia Ziggiotti.
Por Guilherme Gomes
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