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STJ restabelece poder familiar destituído com base em fatos que não retratam situação atual da família
Atualizado em 10/10/2024
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ restabeleceu o poder familiar de uma mãe em relação a três filhos, por entender que a destituição foi baseada em fatos passados que não mais retratam a situação da família.
De acordo com o processo, foi verificada violação de direitos fundamentais dos jovens, praticada pelo pai, o que levou o juízo a decretar a perda do poder familiar paterno e a suspensão temporária do poder familiar materno, além de adotar medidas protetivas em favor da mãe e dos filhos. O poder familiar da mãe seria retomado gradativamente, com o devido acompanhamento.
No entanto, o Tribunal de segunda instância entendeu ser necessária a destituição do poder familiar também em relação à mãe, sob o fundamento de que haveria evidências de sua conduta negligente na proteção dos filhos.
No recurso especial, foi sustentado que o acórdão do Tribunal estadual ignorou os pareceres técnicos mais recentes, favoráveis à reintegração, assim como o próprio desejo dos filhos de permanecerem com a mãe.
Primazia da família natural
Ao analisar o caso, o relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, citou o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA e o princípio da primazia da família natural: o direito de a criança e o adolescente serem criados por sua família natural, sendo a colocação em família substituta uma excepcionalidade.
Segundo o relator, consta nos autos o desejo dos filhos de retornarem ao convívio e aos cuidados da mãe, e essa vontade deve ser considerada, conforme a legislação. O ministro disse que a decisão de afastar os filhos da família natural, além de excepcional, deve ser, em princípio, provisória, a fim de suprir as deficiências identificadas naquele lar, para que, ao final, seja proporcionado o retorno das crianças ao convívio familiar, explicou o ministro.
Bellizze enfatizou que os pareceres técnicos mais recentes concluíram pela possibilidade de reintegração familiar de forma gradual, com acompanhamento em programas sociais.
O ministro apontou que o Tribunal de origem, ao determinar a destituição, embasou-se em circunstâncias pontuais relacionadas, sobretudo, à vulnerabilidade econômica. No entanto, conforme lembrou, o artigo 23 do ECA estabelece que a falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do poder familiar.
No entendimento do ministro, não há motivação legítima para que o Tribunal impeça o prosseguimento do plano de reintegração familiar determinado pelo juízo de primeiro grau e, em vez disso, promova a destituição do poder familiar materno.
O processo tramita em segredo de Justiça.
Adoção tardia
“Preocupa-me sobremaneira os impactos da decisão, notadamente dado ao fortalecimento das linhas biologistas que sacralizam a família natural e a ascendência genética, mesmo despida de afeto e cuidado”, avalia a advogada Silvana do Monte Moreira, presidente da Comissão Nacional de Adoção do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM.
Segundo a advogada, o ECA precisa, urgentemente, ser aperfeiçoado. “Não com leis inócuas, como a recente Lei 14.979/2024, mas sim com leis que aperfeiçoem o microssistema processual próprio dirigido às crianças, dadas as suas vulnerabilidades e especificidades de seres em especial estágio de desenvolvimento.”
A supremacia da genética, explica Silvana, fomenta a busca por parentes que jamais tiveram contato com as crianças e findam por retorná-las ao sistema de acolhimento quando entram na adolescência.
“O lapso da decisão de origem se justifica por técnicos assoberbados e adoecidos pelo volume excruciante de processos. Os Tribunais de Justiça do Brasil invisibilizam crianças e adolescentes e não investem na contratação de equipes técnicas, nem na capacitação das equipes e magistrados em matéria protetiva. Como bem trata o IBDFAM: crianças são invisíveis”, pondera.
Prioridade absoluta
De acordo com Silvana, o aumento da adoção de crianças mais velhas e adolescentes sem a necessária preparação prévia (para adotantes e adotandos), reflete em situações de retorno às famílias de origem. “Faço essa correlação com essa decisão da Terceira Turma.”
“São raros os casos, mas, há de haver uma excepcionalidade, além do aperfeiçoamento da preparação da criança para a ruptura com a família natural, conforme preconiza o ECA no § 5º do artigo 28: ‘§ 5º A colocação da criança ou adolescente em família substituta será precedida de sua preparação gradativa e acompanhamento posterior, realizados pela equipe interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, preferencialmente com o apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política municipal de garantia do direito à convivência familiar’.”
Ela frisa que a prioridade absoluta tem sido reiteradamente descumprida pelas três esferas do poder. “O Judiciário, até hoje, desrespeita inúmeros provimentos do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, que determinam a contratação de equipes técnicas e a competência exclusiva em Infância e Juventude.”
“O CNJ, conforme já requerido pelo IBDFAM, deveria excluir de qualquer premiação os Tribunais de Justiça que ainda mantêm Varas da Infância e Juventude cumuladas com outras competências e ainda não têm em suas equipes técnicas o número de profissionais adequados à população de atendimento”, afirma a especialista.
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