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Justiça anula acordo que transferia obrigação alimentar para pessoa jurídica
“O dever de prestar alimentos não se transmite”, afirma José Roberto Moreira Filho, presidente do IBDFAM-MG
A obrigação de pagar alimentos é pessoal e intransmissível. Por isso, um acordo que visa transferir à pessoa jurídica a obrigação de pagar alimentos não pode ser considerado juridicamente válido. Foi com esse entendimento que a 3ª Vara da Família e das Sucessões de Santos, em São Paulo, anulou acordo firmado entre os pais de três crianças que repassavam a responsabilidade alimentar à empresa da qual eram sócios.
De acordo com informações do Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP, o imbróglio começou depois que o pai, logo após a celebração do contrato, retirou-se da empresa. Depois disso, o sustento dos filhos ficou a cargo somente da ex-esposa.
O professor e advogado José Roberto Moreira Filho, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família, seção Minas Gerais – IBDFAM-MG, ressalta que a obrigação de pagar alimentos é “personalíssima e intransmissível”.
“O dever de prestar alimentos não se transmite nem aos herdeiros, em caso de morte. Não é possível transmitir essa responsabilidade sob quaisquer circunstâncias. Ao colocar uma pessoa jurídica como responsável por uma dívida alimentar, o que aconteceria caso os alimentos não fossem pagos? A pessoa jurídica não pode ser presa, então uma execução de alimentos pelo rito da prisão seria totalmente inócua, ou talvez inadequada”, afirma.
Ele destaca o ineditismo do acordo firmado entre os pais, por isso não acredita que a decisão da Justiça de São Paulo possa ter um impacto significativo em outros casos da mesma natureza. Apesar disso, o advogado avalia que o caso joga luz sobre uma das faces da responsabilidade parental que é a obrigação de sustento com base no princípio da paternidade responsável.
“Acordos que tentam transferir a obrigação alimentar para terceiros são inúteis, pois afrontam o princípio da personalidade do ser humano. Por isso, a obrigação alimentar é personalíssima, intransmissível, impenhorável e oponível erga omnes, ou seja, atinge todas as pessoas que estejam submetidas a um determinado ordenamento jurídico”, argumenta.
Nulidade
Ao analisar o caso, a juíza responsável observou que: "Inapto a produzir efeitos, não é possível, portanto, nem que o terceiro responda pela obrigação legalmente atribuída aos genitores. Ademais, o negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo. Além disso, as nulidades devem ser pronunciadas pelo juiz, quando conhecer do negócio jurídico ou dos seus efeitos e as encontrar provadas, não lhe sendo permitido supri-las, ainda que a requerimento das partes”, salientou.
A magistrada ressaltou que um negócio jurídico nulo não produz efeitos, não pode ser confirmado ou validado com o tempo, e é impossível que um terceiro assuma uma obrigação legalmente atribuída aos pais. Além disso, as nulidades devem ser reconhecidas pelo juiz ao serem comprovadas, sem possibilidade de correção, mesmo se solicitado pelas partes.
Diante disso, a Justiça fixou alimentos provisórios no valor de 40% dos vencimentos líquidos do pai dos jovens, desde que o valor não seja inferior a três salários mínimos nacionais, prevalecendo o que for maior. Na hipótese de desemprego, os alimentos deverão ser de três salários mínimos nacionais.
José Roberto Moreira Filho esclarece que, embora a obrigação alimentar não possa ser transferida, nada impede que alguém a assuma. Nesse caso, a obrigação passa a ser personalíssima da pessoa que a assume.
“Por exemplo, se o pai não pode pagar a pensão, mas o avô pode se comprometer a fazê-lo, um acordo entre o avô e o neto pode ser homologado. Nessa situação, o pai não está transferindo a obrigação alimentar ao avô, mas o avó é que está assumindo a obrigação alimentar. Portanto, não se trata de uma transferência, mas sim de uma assunção da dívida, baseada no princípio da solidariedade no Direito das Famílias, já que os parentes são solidários entre si”, conclui o especialista.
Por Guilherme Gomes
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