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Justiça do Rio de Janeiro autoriza retirada de pai biológico do registro de nascimento e reconhece paternidade socioafetiva
Uma mulher conquistou na Justiça o direito de substituir os nomes do pai e dos avós biológicos pelos nomes do pai e dos avós socioafetivos na certidão de nascimento. A decisão é da 4ª Vara de Família do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro – TJRJ.
De acordo com o processo, o genitor abandonou a família quando ela tinha seis meses de vida. O homem nunca procurou estabelecer vínculo com a filha, tampouco contribuiu financeiramente para seu desenvolvimento.
Quando tinha 11 anos, a mãe iniciou um novo relacionamento e, desde o início, o homem assumiu o papel de pai e criou com a criança uma forte relação de afeto e cuidado.
Ao se casar e rever os documentos necessários, a mulher sentiu a necessidade de ajustar a certidão de nascimento, pois o registro oficial ainda mencionava o genitor. Preocupada com possíveis obrigações legais futuras, como pagamento de pensão alimentícia ou herança, ela entrou na Justiça para retificar a documentação.
O processo durou quatro anos e enfrentou resistência do Ministério Público – MP, que questionava a possibilidade jurídica de retirar o nome do genitor da certidão.
Apesar disso, por meio de provas documentais e testemunhais, ficou comprovado o laço afetivo com o pai por socioafetividade e a juíza responsável pela decisão determinou a substituição da filiação biológica pela filiação socioafetiva.
“Há que se concluir que a verdade biológica nem sempre é a verdade real da filiação. A filiação jurídica foi construída com base em outros elementos que não só o genético. O direito deu um salto à frente da natureza na medida em que levou em conta as dimensões cultural, social e afetiva do ser humano”, diz um trecho da decisão, que cita o jurista Paulo Lôbo, diretor do Conselho Consultivo e cofundador do IBDFAM.
Mudança de paradigmas
A advogada Fernanda Las Casas, presidente da Comissão de Pesquisa do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, atuou no caso junto com a também advogada Renata Toledo. Segundo ela, o maior impacto da decisão é a mudança de paradigmas: “a preponderância do afeto sobre o vínculo biológico”.
“O que tínhamos até então era o instituto da adoção, que autorizava a desfiliação; agora, temos um entendimento que não é necessário o processo de adoção, podendo haver a desfiliação por abandono afetivo”, conta.
Sobre o caso em questão, ela explica: “Os autores nunca desejaram uma adoção, cuja história fica contada daquela data para frente, e sim um reconhecimento de paternidade socioafetiva pela qual se apagasse o histórico de filiação pretérito, trazendo a narrativa da socioafetividade desde o início da relação entre as partes”.
O atual aumento dos casos de desfiliação, segundo a advogada, deve-se ao reconhecimento do afeto como valor normativo, como defendido pela professora Giselda Hironaka, diretora nacional do IBDFAM.
“A realidade das mães anônimas hoje no Brasil nos informa que 40% dos lares chefiados por mulheres têm filhos abandonados pelos pais, segundo informa o IBGE. Essa é uma realidade cruel”, afirma.
A advogada lembra que, por lei, esses pais podem reivindicar direitos como pensão, visitas a netos e herança. Por isso, o caso analisado inova ao reconhecer a possibilidade de afastar qualquer vínculo com a pessoa que abandonou a família.
“A legislação atual não prevê diretamente a hipótese de ‘desfiliação’. Na verdade, menciona que, uma vez registrada a paternidade, ela é permanente, salvo em casos de falsidade e erro. Em caso de abandono, haveria a destituição do poder familiar”, explica.
Por Guilherme Gomes e Débora Anunciação
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