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TJSP nega desconstituição de paternidade e anulação de registro após DNA negativo
“O direito à filiação é de caráter constitucional e indisponível, e não pode ser anulado ou revogado sem comprovar vício de consentimento como fraude ou coação”, explica Márcia Fidelis Lima
Um homem que buscava a descontinuação de paternidade e a retirada de seu nome do registro de nascimento da filha teve o pedido negado pela 5ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP. O requerimento foi feito após a paternidade biológica ter sido afastada por meio de exame de DNA.
Segundo informações do Tribunal, o desembargador responsável pelo caso observou que, desde o nascimento da criança, já existia incerteza sobre quem seria o genitor, portanto, caberia ao homem não ter-se declarado pai. “O registro é ato jurídico perfeito e não pode ser afastado pelo simples arrependimento da parte”, escreveu o magistrado.
O desembargador também destacou a relação socioafetiva entre o autor e a criança. “A identificação de um filho com seu pai ocorre na tenra infância, não podendo ser medida a constituição da posse do estado de filho por períodos determinados de tempo”, pontuou.
A professora e registradora Márcia Fidelis Lima, presidente da Comissão Nacional de Registros Públicos do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, explica que a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro estabelece o conceito de “ato jurídico perfeito” como aquele já consumado segundo a lei vigente no tempo em que se efetuou.
“O pai reconheceu a paternidade mesmo diante de dúvidas relacionadas à existência de consanguinidade. O direito à filiação é de caráter constitucional e indisponível, não podendo ser anulado ou revogado se não for comprovado algum vício de consentimento como fraude ou coação”, pontua.
Papel da Justiça
Ela destaca que o reconhecimento do estado de filiação pode ser averbado no registro por requerimento direto ao registrador civil das pessoas naturais. A exclusão do parentesco, no entanto, foge à via extrajudicial e só pode ser feita na Justiça, por meio de procedimento ordinário, nas Varas de Família.
“Para que seja desconstituído o vínculo de paternidade ou de maternidade, independentemente da natureza jurídica da sua origem, é obrigatória a comprovação de vício de consentimento, seja por ter sido coagido ou coagida a reconhecer o parentesco, seja porque a pessoa foi enganada quanto à existência de ligação consanguínea com o registrado/registrada, quando se tratar de filiação biológica. A avaliação das provas e a constatação de existência de vício somente podem ser verificadas judicialmente”, explica.
Segundo a especialista, é indispensável que seja averiguada a eventual existência de posse de estado de filho que, se comprovada, impede a revogação da filiação mesmo que tenha havido problemas na manifestação de vontade.
“Na decisão analisada, o relatório psicológico constatou a existência da posse do estado de filho, pressuposto para o estabelecimento do vínculo de filiação por socioafetividade. Além disso, não restou comprovada nenhuma falha no consentimento, já que o próprio pai relatou ter havido dúvidas quanto à paternidade e, mesmo assim, registrou a criança”, ressalta.
Conceito ampliado de família
Márcia Fidelis acrescenta ainda que, mesmo no vínculo de filiação por socioafetividade, nem mesmo a negação de um ou ambos os envolvidos é suficiente para revogar o registro da parentalidade.
“O vínculo de parentesco por socioafetividade é uma situação factual, uma circunstância da vida real, responsável por mostrar que a convivência entre duas pessoas é recíproca e socialmente reconhecida como sendo pai/mãe e filho/filha, o que chamamos de posse do estado de filiação. Constatada, judicial ou extrajudicialmente a filiação, o registro poderá ser averbado, constando o novo parentesco, mesmo que, em função disso, seja estabelecida multiparentalidade”, comenta.
Nesse cenário, a especialista observa que, apesar de o exame de DNA ser uma constatação técnica da existência de consanguinidade entre ascendentes e descendentes, o conceito atual de família e de parentesco vai muito além da ligação biológica.
“A existência de relação recíproca de afeto, de forma pública e notória, que caracteriza a posse do estado de filho, pode prevalecer em relação ao vínculo meramente genético. Um exemplo clássico de situação em que a consanguinidade, por si só, não é suficiente para a demonstração de existência de parentesco, é a reprodução assistida heteróloga, quando há participação de doador e/ou doadora de gameta, circunstância que impede, em absoluto, o estabelecimento de vínculo de filiação entre o fruto da reprodução assistida e eventual doador ou doadora”, explica.
Por Guilherme Gomes
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