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Ação no STF questiona imunidade em crimes de violência patrimonial contra mulheres
Atualizada em 22/08/2024
A Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 1185, sob análise no Supremo Tribunal Federal – STF, questiona a aplicação de dispositivos do Código Penal – CP que preveem isenção de pena para quem comete crime patrimonial contra o próprio cônjuge ou pessoa do núcleo familiar, como pai, mãe, filho e filha. A ação foi proposta pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público – Conamp e distribuída ao ministro Dias Toffoli.
A Conamp pede que seja declarada a inconstitucionalidade da interpretação que autoriza a aplicação das escusas absolutórias (dispositivos contidos nos artigos 181 e 182 do CP) nesses casos. O entendimento é de que a previsão do Código Penal brasileiro é incompatível com a Constituição Federal.
Para a associação, quando aplicadas em casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, as escusas absolutórias criam uma espécie de imunidade que deixa de penalizar o autor do crime e revitimiza a mulher.
A ação inclui o exemplo de situações em que o marido furta a própria esposa, ou o pai que se apropria indevidamente dos bens da filha – em ambos os casos, de acordo com a Conamp, a imunidade isentaria de pena o autor dos crimes, o que faz perpetuar a violência de gênero.
“Não é necessário um esforço hercúleo por parte do intérprete para se chegar a uma única e possível conclusão à luz do texto constitucional: a isenção de pena em tais casos é incompatível com o atual estágio protetivo do Direito das Mulheres, caracterizando perniciosa violação à dignidade das ofendidas”, registra a entidade.
Violência
De acordo com o advogado e professor Mário Delgado, diretor nacional do IBDFAM, a ADPF pretende remover do ordenamento jurídico a principal dificuldade para instauração dos processos criminais: as imunidades, no tocante aos crimes contra o patrimônio, localizadas nos artigos 181 e 182 do Código Penal.
“Esses dispositivos isentam de pena os maridos que cometem qualquer dos crimes patrimoniais em prejuízo da mulher na constância da sociedade conjugal, admitindo-se, excepcionalmente a instauração do processo mediante representação, apenas se o cônjuge estiver divorciado ou separado”, esclarece.
Segundo o especialista, é a primeira oportunidade em que o STF enfrenta a questão da constitucionalidade desses artigos. “Tem prevalecido no Superior Tribunal de Justiça – STJ, e em outros tribunais, a interpretação jurisprudencial mais conservadora, no sentido de que nem mesmo o advento da Lei Maria da Penha (11.340/2006) seria capaz de afastar a imunidade prevista no artigo 181 do Estatuto Repressivo, pois embora tenha previsto a violência patrimonial como uma das que pode ser cometida no âmbito doméstico e familiar contra a mulher, não revogou quer expressa, quer tacitamente, o artigo 181 do Código Penal.”
Os dispositivos, segundo ele, constituem aquilo que a Recomendação CNJ 128 alude como “normas indiretamente discriminatórias”, em que a desigualdade não é facilmente percebida, já que a lei não discrimina expressamente as mulheres.
“Não obstante a racionalidade utilizada aparente neutra em relação ao gênero, já que o legislador se refere indistintamente a ambos os cônjuges, na verdade, são regras que refletem a mais gritante das desigualdades, impactando negativamente as mulheres de maneira desproporcional, já que a esmagadora maioria dos casos de violência doméstica tem como agente agressor o homem, especialmente tratando-se de violência patrimonial, estimulada e incentivada pelo estigma social do homem provedor e da rainha do lar economicamente dependente”, afirma.
O especialista acrescenta que a Recomendação CNJ 128 propõe ao Poder Judiciário, como alternativa para que se possa recorrer às ferramentas do Direito Penal contra a violência patrimonial, afastando as imunidades discriminatórias contra a mulher, o uso do controle de convencionalidade, já que a isenção de pena prevista no artigo 181 e a representação prevista no Código Penal inviabilizam o reconhecimento da mulher como titular de patrimônio jurídico próprio, dissociado de seu cônjuge ou de outro membro familiar, o que obsta a caracterização da violência patrimonial prevista no artigo 7º, IV, da Lei Maria da Penha.
Inconstitucionalidade
De acordo com Mário Delgado, se houver a declaração de inconstitucionalidade, será removida do ordenamento jurídico a principal dificuldade para instauração dos processos criminais visando à proteção da mulher nos casos de violência doméstica patrimonial e que decorre das imunidades, no tocante aos crimes contra o patrimônio, localizadas nos artigos 181 e 182 do Código Penal.
Do ponto de vista estritamente legal, explica Mário Delgado, é preciso remover qualquer tipo de óbice ou de dificuldade para a instauração dos processos criminais visando à proteção patrimonial da mulher, como é o caso dos artigos 181 e 182 do CP. “Por outro lado, cabe lembrar que a Lei Maria da Penha já prevê medidas protetivas ao patrimônio da mulher e que independem da instauração de ação penal e podem ser postuladas no juízo cível ou mesmo perante a própria autoridade policial.”
“Elas previnem os atos de violência familiar e doméstica ou o dano que deles eventualmente resulte, protegendo o patrimônio da mulher ou do casal. Por isso mesmo, podem ser concedidas ao final do procedimento ou no seu curso, como tutela antecipatória, ou mesmo uma cautelar incidental no juízo de família”, avalia o advogado.
O diretor nacional do IBDFAM frisa que o sistema jurídico brasileiro já oferece uma proteção eficaz contra a violência de gênero, especialmente a patrimonial. “O problema é que existem outras dificuldades que transcendem a legalidade, a exemplo do silêncio, da omissão e da inatividade da vítima, fatores que só impulsionam o ciclo da violência.”
“A vítima que não registra boletim de ocorrência contra o agressor ou renuncia ao direito de representar, após noticiar a violência, só contribui para a ineficácia das medidas de proteção e de combate previstas no ordenamento”, conclui.
Por Débora Anunciação
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